terça-feira, 8 de maio de 2012

SEM PALAVRAS



“Em seguida sentaram-se no chão ao lado dele e ficaram ali sete dias e sete noites; e não disseram nada, pois viam que Jó estava sofrendo muito.” – Jó 2.13

As palavras às vezes confundem. Paulo uma vez foi questionado por Festo: - “Estás louco, Paulo! As muitas letras te fazem delirar!” Não eram letras, nem delírio, e sim o universo de Festo, absolutamente diferente do mundo de Paulo. As categorias de pensamento de Festo não incluíam a espiritualidade profunda, muito menos a ressurreição. Era também uma questão de lugar: enquanto Festo achava que problema de Paulo estava na cabeça, este sabia que a solução residia no coração. Paulo não queria se defender, desejava apenas que Agripa, o terceiro interlocutor, encontrasse a o sentido da vida. E foi por pouco, segundo o próprio Agripa. Mas, com pouco ou sem pouco, os universos eram diferentes demais, e com isso as leituras nunca se encontrariam. Foi por conta disso que Jesus desistiu de falar sobre “verdade” com Pilatos. Estariam conversando até hoje.

Os amigos de Jó, para dialogar sobre o sofrimento,  foi algo parecido. Falar o quê? Dizer que Jó não deveria sentir o que estava sentindo? Dizer que Jó não era de fato quem afirmava ser? A verdade do sofrimento de Jó: quem poderia compreender? Seria possível percorrer os caminhos do coração do Senhor pra saber qual a razão de tanto sofrimento imposto? Um sofrimento, depois outro, finalmente o abandono, sem explicação, motivo ou possibilidade de compreensão. Além do mais o texto não é narrativa, mas poesia. Como é que se interpreta uma poesia? Difícil, não é mesmo?

Só que os amigos de Jó não eram apenas personagens poéticos. Antes se davam como pessoas, sofridas e questionadoras sobre tudo o que não entendiam e ninguém explicava. Um justo não pode sofrer: resposta errada. Um justo sempre terá prosperidade em todos os sentidos: outra resposta errada. Deve haver algum pecado que justifique o castigo de Deus: de novo, errada. Há alguma coisa que só Jó sabe e está escondendo: mais uma interpretação errada. No sofrimento, se Deus está certo, o ser humano só pode estar errado: outra vez, errado. Era tanta coisa que chegaram e ficaram mudos. Alguém já disse que deveriam ter permanecido assim e o livro de Jó terminaria no capítulo dois. Da minha parte, fiquei feliz que tivessem falado. Aprendi que a Graça de Deus é Soberana e o sofrimento não se relaciona, necessariamente, com pecado e justiça de Deus, mas Ele faz o que quer, quando desejar e na forma como preferir a quem quer que seja, situação ou tempo. Daí até eu fiquei sem palavras pra tentar mostrar que a experiência de Jó foi um encontro com uma Graça que supera toda e qualquer expectativa, necessidade ou desejo humano, e que continua sendo Graça quando há sofrimento, é Graça quando não tem sofrimento, é Graça quando de algum milagre e Graça quando não há milagre algum; se tem esperança é Graça, se não tem é Graça também. Graça no medo ou fora dele. É Graça quando Deus está em silêncio. Graça quando a gente está dormindo. Graça quando a gente tá longe, ou perto, porque distância e tempo não são conceitos próprios quando se pensa no Senhor. Devo tudo isso a Jó. Nem sei se a palavra Graça é suficiente pra explicar tudo o que ela contém.

Ao que parece, a presença silenciosa dos amigos de Jó, teve mais conteúdo do que quando falaram alguma coisa. É como o Senhor na vida da gente, nem precisa falar nada, basta a pessoa silenciosa dEle, porque é nisso onde começa e termina a sua Graça.

pr. Natanael Gabriel da Silva

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