quarta-feira, 31 de agosto de 2011

DANÇA E CHUVA




"Então darei a chuva da vossa terra a seu tempo, a temporã e a serôdia, para que recolhais o vosso grão, e o vosso mosto e o vosso azeite."  (Deuteronômio 11 : 14)

Hoje dormi com chuva e acordei com o aguaceiro no quintal. Plantas molhadas, lavadas, polidas, como se fossem pequenas calhas que tentarão esticar a madrugada encharcada para as primeiras horas do dia, antes da vaporização e do sistema retomar o que derramou. Um vai e vem que liga o céu e a terra como se fossem bênçãos e preces, ora demora a vir, ora vai muito rápido. Sobe de desce, e na dinâmica floresce a vida. Não só cai, e quando acontece, a tragédia. Não só sobe, e quando acontece, tudo fica seco, empoeirado e quente e a gente vai secando junto. Tem que ser assim, um pouco cai, um pouco sobe. Daí as celebrações dos alimentos das religiões antigas: Deus dava a chuva e na colheita a celebração da vida com os produtos da terra.

Sabe, às vezes tenho saudade de uma religiosidade primitiva que recupere os valores e a beleza da criação. Já pensou se depois de uma longa estiagem e após uma noite de desabamento de nuvens saíssemos nas ruas para dançar e celebrar a misericórdia da vida? Ninguém indo pro trabalho, famílias saindo de casa como personagens Gene Kelly, mas sem a presença do poder controlador do guarda que colocou fim a um momento único, guarda chato aquele que não disse nada, fez a cara feia do poder que controla a alegria e o tempo e Gene Kelly poderia estar dançando até hoje. Um guarda que jamais poderá saber o que significa cantar e dançar na chuva, ficou todo molhado, esteve presente num momento único, mas não sabe quem é, nem onde está.

Acho que nós é que não sabemos quem somos, nem onde estamos. Daí a chuva desta madrugada foi apenas uma chuva. Você olhou o tempo incomodado/a com a roupa que a moda criou e que não cabe na chuva, e saiu pensando na agenda, não celebrou e muito menos ficou triste por não poder dançar na chuva.

Desculpe a referência, mas hoje acordei, ouvi o barulho, vi a chuva e disse: Obrigado, Senhor! Não dancei, porque ninguém consegue fugir do guarda.


Pastor Natanael Gabriel da Silva

terça-feira, 30 de agosto de 2011

TEMPO CERTO



“E cessou o maná no dia seguinte, depois que comeram do trigo da terra, do ano antecedente, e os filhos de Israel não tiveram mais maná; porém, no mesmo ano, comeram das novidades da terra de Canaã.”

Cessou o maná no tempo certo, nem mais, nem menos. Esperou o Senhor a primeira colheita como resultado do trabalho do primeiro plantio depois da jornada pelo deserto. A terra produziu e o Senhor fez cessar o maná, que não dava pra plantar, não tinha semente e se fosse guardado estragava, porque tem coisa que vem de Deus que é tão sagrada que tem tempo certo e propósito único. Só que a colheita era tão sagrada quanto o maná e a provisão, uma nova etapa e momento, e Deus presente do mesmo modo.

Talvez você e eu não tivéssemos deixado acontecer assim. Se Deus dava o maná, para que trabalhar na terra e esperar o fruto? Iríamos querer mais sem fazer muito porque o nosso depósito de busca de bênçãos é inesgotável e de pouco esforço; sempre estamos carentes de alguma coisa e quase nunca plenamente satisfeitos. É por conta disso que, quando o que Deus faz muda de jeito, passa a ser outra coisa, não só não entendemos como nos perdemos, porque não enxergamos o modo como o Senhor age, ora de um modo, ora de outro, e quem comeu do maná deve se deslumbrar com o trabalho e com a colheita. São absolutamente diferentes, maná e trigo da terra, mas ambos igualmente bênçãos do Senhor, cada uma para o seu tempo.

Às vezes o que nos falta não é ter de novo o que já foi, mas descansar no que será.

Pastor Natanael Gabriel da Silva

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

VOCÊ, O FARAÓ E EU



“Filho do homem, diz ao faraó, rei do Egito, e ao seu povo: Quem é comparável a ti na tua grandeza?” – Ezequiel 31.2

Você sabe a qual faraó Ezequiel se dirigia? O nome dele? Naquele tempo, o poder de faraó era estendido de onde a onde? Você sabe? Sabe ainda me dizer sobre a riqueza deles? Melhor ainda, conhece algum faraó? Pois é, os impérios também caem, a ponto de só deixarem rastros na história. Não existe construção humana de sistemas que fique pra contar, pois todos são construídos à base de sangue e injustiça. Isso não acontece apenas com os impérios políticos, que também são econômicos, mas com os econômicos, e que também são políticos.

Às vezes acho que o texto bíblico nunca traz o nome de faraós, e de outros, para mostrar que o ser humano será sempre um anônimo, que os impérios não são tão importantes como se pensa e que viveremos com eles ou sem, passaremos por eles, mas que um dia chegarão ao fim. Todos, sem exceção, construídos a partir da miséria humana e em benefício de alguns. O ser humano nunca conseguiu lidar com o poder, nem com o dinheiro. Você e eu fazemos parte disso e somos assim. Foi por conta disso que Jesus apareceu caminhando e pobre, sem nada, desde o nascimento. De uma família pobre e que só ficou conhecida por causa dele. Você escuta falar de Maria, mas por causa de Jesus. Um pouco de José, de Pedro e de Paulo e a lista não tem fim.

Comparar Jesus com faraó: é possível? Tenho certeza que, se você colocasse um ao lado do outro, sem conhecer nenhum deles, faria de tudo para se aproximar daquele que teria poder e riqueza. Isso porque ainda valorizamos o que não deve ser valorizado, e depois de tanto tempo não aprendemos a fazer escolhas. Só que tal faraó já foi, e faz tempo. Seu Império também e saímos hoje pela vida querendo as mesmas coisas passageiras que fez dele um anônimo esquecido. Seria a vida apenas isso?

Pastor Natanael Gabriel da Silva

sábado, 20 de agosto de 2011

A DOR PELO COLETIVO



"Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas, e apedrejas os que te são enviados! quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintos debaixo das asas, e tu não quiseste!"  (Mateus 23 : 37)

Decidi que naquele sábado, num pré dia dos pais, passaria a manhã cuidando de serviços domésticos. Tirei o pó, varri e fui passar roupas. Aos 54 anos já tenho autorização para passar camisetas e meias. Não sei, mas acho que não chegarei aos ternos. Curso longo este.

Aproveitei para curtir a música de Wim Mertens. O conheci por Marcelo Masagão, do premiadíssimo “Nós que aqui estamos por vós esperamos”. Como sempre acontece na relação da música com a imagem, fui contaminado pela interpretação de Masagão e só consigo ouvir Mertens, músico belga, que na rua poderia ser confundido com Paul MacCartney, pelo caminho das paixões, incertezas e na repetição musical que lembra uma sociedade tecnicista envolvida pelo automático, num clima de dor e sem sentido.

Wim Mertens, via Masagão, traz a dor pelo coletivo. Não é aquela dor que tem rosto e nome. A dor tem rosto quando você se depara com alguém que sofre, e é traumática por estar ali, quase vestida, quase limpa, quase pessoa. Mertens compôs sobre outra dor, a coletiva, a de todos, ignorada e pública. Não está nas casas, mas nas ruas, não numa cidade, mas em todas, não só do nosso tempo, mas de sempre. Dor de Auschwitz, que talvez você tenha se esquecido. Num dado momento a música de Mertens anuncia que algo que irá acontecer, é o sobressalto de um século de guerras; noutro,  vozes anunciam a dor. Mertens vai repetindo aquele piano pingado que cansa quem escuta, só repete, enjoa, irrita, no mesmo compasso das repetidas misérias e mortes coletivas que provocamos nas últimas décadas. Daí vem o violino, ora num quase descompasso, ora esticando a dor, e quem escuta sofre, lamenta, tem saudade do que deveria ter sido e não foi, e por fim acaba por morrer também um pouco com a humanidade que vive e sobrevive do desencontro. Aflora a dor, mas não por alguém, e sim por todos. Não é uma dor por causa “deles” que chamamos de “mundo”, como se fossem outros. É a dor de todos nós. Dor por existir.

Se você conseguir compreender um pouco dessa dor, estará também um pouco mais próximo/a da que Jesus sentiu ao dar-se pela humanidade. Dor coletiva, de todos, pessoas e situações, sem muralhas, paredes, preconceito ou gênero. Morte pelo coletivo, amor no plural, traduzido em qualquer língua, pra qualquer cultura e situação. O chorar de Jesus sobre Jerusalém foi pela memória sofrida, pela cidade símbolo de todo esforço de Deus e limite da tragédia humana. Houve algum povo em algum outro lugar que um dia tenha recebido tantas promessas? Conhece? Eu não conheço, mas o sangue dos profetas jorrou e correu solto pelas ruas e Jesus chorou por eles, chorou pelos que tiraram a vida deles e chorou pela vida que se perdera. Chorou pelo futuro, numa nota longa e esticada que vibrou e alcançou a profundidade da alma, um vocativo triste: “Jerusalém, Jerusalém...”, duas vezes doído, duplamente sofrido e chorado.

É difícil ouvir Mertens sem sofrer pelo mundo. É impossível ouvir Jesus e não chorar com ele, pela cidade e pela vida. Foi uma impagável manhã de sábado.

Pastor Natanael Gabriel da Silva

terça-feira, 16 de agosto de 2011

MAIS QUE SONHO

“Naquele dia, haverá estrada do Egito até a Assíria, os assírios irão ao Egito, e os egípcios à Assíria; e os egípcios adorarão com os assírios.” – Isaías 20.23

É uma declaração de paz mundial.  Esta nunca aconteceu. Não, não foi o texto bíblico que se enganou. Foi uma promessa que ainda não conseguimos fazê-la acontecer. Você pode achar que se é promessa de Deus, deveria ter acontecido de qualquer jeito e modo, mas infelizmente não é assim. Talvez você possa ler o texto como se fosse um sonho de Deus. Sonho não no sentido de uma projeção freudiana, um emergir das frustrações. Desejo sim, talvez até um aguardar a fina possibilidade de que um dia isso pudesse acontecer, senão para todos, pelo menos para alguns.

Pra todos, sabemos que não virá mesmo. Então você e eu ficamos com aquela sensação de tristeza porque tínhamos tudo para dar certo, e simplesmente não conseguimos. Não faltou inteligência, nem projetos, todos errados, mas eles estiveram e estão aí. Poderíamos ter formado uma grande comunidade de uma única família, mas em pleno tempo de universalização cultural, ainda nos matamos por conta de religião. Gente mata gente por conta de chinelo e tênis, e gente deixa de ser gente no mercado da opressão das drogas e da prostituição. Não precisava ser assim, mas foi e é. Agora discutimos o que fazer com um planeta cheio de lixo e coalhado de violência e injustiça, e simplesmente não sabemos o que fazer com o que construímos. Não aprendemos ainda nem como amar o nosso próximo, não sabemos o que é perdão, em alguns casos nem compaixão e cada qual estamos preocupados com consumo e aparência. Em casos extremos, nem a família sobra.

Será que não passamos, você e eu, do tempo de fazer alguma coisa pelo menos naquilo que está ao alcance? Amar um pouco mais, respeitar um pouco mais, fazer alguma coisa boa para alguém? Isso poderá não resolver tudo, mas se tiver um encontro real no coração com o Senhor, o mundo poderá ser visto com outros olhos. Aí será a sua vez de sonhar com o profeta.


Pastor Natanael Gabriel da Silva

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

VIVER SEM PAI




“Porque, quando meu pai e minha mãe me desampararem, o Senhor me recolherá.” – Salmo 27.10

Acho que nunca tive pai. Lembro-me do carro velho e barulhento, um Ford 29, preto, banco inteiro, e da volta que demos nele numa estrada cheia pedrinhas e  eucaliptos. Estes eram enormes. A estrada dava voltas e sempre retornava para o começo e ficava no fim da minha rua. Meu pai dirigia, brincava e sorria. A família inteira dentro de um Ford 29. Nove pessoas.

Meu pai só viajava. Era vendedor. No começo vendia meias, depois perfumes, roupas íntimas e, por fim, enxoval. A época do enxoval foi a da Kombi 62. Nela, apinhados, comemoramos a copa de 70. Só que antes da Kombi, meu pai viajava de trem. Morávamos na periferia, perto da linha. Quando o trem passava, meu pai aparecia na janela, dava com a mão de uma semana e jogava os gibis enroladinhos, um para cada filho, daí a gente corria pra casa, subindo a avenida cheia de terra e poeira.

Minha mãe e meu pai nunca se deram direito com esse negócio de religião. Havia muita reclamação quando alguém ia nos visitar. Não importava a igreja, a minha mãe era contra. Lembro do dia em que fomos de bicicleta, só nós dois, para um culto no salão nobre dos Correios, perto da estação, onde ficavam as coisas mais importantes da cidade.  O pastor falava alguma coisa sobre o “quase” ser salvo. Explicou que “quase” significava “não” e exemplificou: “Se uma pessoa está no abismo e diz que quase uma águia o salvou, é porque a pessoa se perdeu. Quase quer dizer não!” Hoje eu não sei se ele disse isto mesmo, se foi águia ou não, pois seria um absurdo uma águia carregando uma pessoa, não é mesmo? Se ele contou outras histórias e depois misturei tudo, também não sei. Era o pastor Ignácio Nunes e não imaginava que o conheceria quinze anos depois e que me batizaria. O legal foi ter ido perto da estação, perto de tudo. Fomos de bicicleta, e um passeio de bicicleta com o pai não é coisa para se perder, não é?

Depois veio a história da Kombi e um dia ele foi embora. Pouca coisa ficou. Deixara uma Bíblia toda remendada com durex, principalmente os Salmos. Minha mãe dizia que, quando ele a estava lendo com a gente no colo, rasgávamos as folhas. Bíblia impressa na Inglaterra e Cristo com “Ch”. Li muito aquela Bíblia. Dormia com ela debaixo do travesseiro. Ela me lembrava do meu pai.

Pois bem, é por esta razão que eu não sei se tive ou não pai. Passamos muita fome. Lembro-me dos uniformes no avesso pra recuperar a cor. Minha mãe desmanchava tudo e costurava ao contrário. Lembro-me dos cadernos escritos a lápis, e toda a família na borracha, apagando, pra usá-los de novo. Pra completar, fazíamos cadernos de papel de pão, amarrado com linha. Lembro-me do meu irmão na porta da padaria esperando a minha mãe que fora entregar os bordados: pelo menos naquele dia teríamos pão. Tempos difíceis. Tempo de pouca poesia e de muitas lágrimas.

Ficou do meu pai a inestimável Bíblia, que um dia perdi. Ficou também o sermão numa noite no centro da cidade, perto da banca e perto do mundo. De um lado isso, de outro a desumanidade profunda do abandono. Então, quando alguém me pergunta o que significa viver sem pai, digo que não sei. Talvez a vida seja assim mesmo.

Pr. Natanael Gabriel da Silva

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

CHUVA, PRESENÇA E PALAVRA



“Goteje a minha doutrina como a chuva, destile o meu dito como o orvalho, como chuvisco sobre a erva e como gotas de água sobre a relva.” Deuteronômio 32.2

Para que servem as chuvas? Depende de onde e em que época você vive. Claro que para você o onde é aqui, e a época, agora. Chuva para você é chuva, que coisa mais sem assunto. Bem, talvez não. Chuva complica o trânsito. Causa medo para quem construiu a casa no morro ou na várzea. Faz a gente andar com o guarda-chuva, tão criticado quanto o chapéu: cheira à antiga. Chuva traz resfriado, enxurrada com o lixo urbano, rodando pelas ruas. Lixo que desce a ladeira, em sacos pretos para ninguém ver a sujeira. Rodam também doenças, baratas, urina de rato e sapatos velhos. Papéis, plásticos, recados, documentos perdidos, buracos de bueiros entupidos. Lixo, no curta premiadíssimo “Ilha das Flores”, de Jorge Furtado, “é tudo aquilo que é produzido pelos seres humanos numa conjugação de esforços do telencéfalo altamente desenvolvido com o polegar opositor e que, segundo o julgamento de um determinado ser humano, não tem condições de virar molho.”

Outro dia vi uma coisa, que no passado teria sido um riacho, e os sofás velhos, pneus e garrafas pet às margens esperando uma chuva para levá-los não sei pra onde. Esta é a chuva urbana. Suja as paredes de preto com o que traz do telhado. Molha os pés da gente. Faz o dia ser triste, escuro. Molha o carpete do carro. O chão fica liso. Barro, muito barro, sujando sapatos, casas, tapetes e roupas, molhadas e sujas. Caso demore pra passar, embolora armários, escorre pela parede, tão limpinha e pintada, com um fiozinho preto, provocante, tão grudado que, quando você esfrega, embranquece. Gostamos da água que a chuva traz, só que chuva mesmo, sempre causa problemas. A chuva é tão mal vista que quando há previsão, o jornalista diz: tempo ruim. Ruim significa que vai chover, estragar o fim-de-semana, a praia, o jogo de futebol, prejudicar a transmissão da televisão, cair a internet. Caso seja acompanhada com relâmpagos e trovão, pode dar descarga, excesso de energia, confusão de galhos que batem nos fios e fazem barulho, igualzinho ao de rojão. Nunca viu? Eu já vi, uma madrugada inteira, mal dormida por conta de um vizinho que não podou a árvore, numa noite em que o vento resolveu zunir. Chuva assim impede o uso do computador, e ainda faz muita gente esconder-se debaixo da mesa. Tempo úmido traz alergia, facilita a proliferação de ácaros. Significa também goteiras nos telhados furados. Vento nos barracos das favelas. O  ponto de ônibus fica lotado, muito apertado. Parece que nunca se pensou em fazer um ponto de ônibus com cobertura que cubra. Não, não é redundante.

Perdemos o referencial da chuva. Acho que perdemos muito. Perdemos porque não vemos os campos e a vida se renovando. Pensamos que ela deve vir para espantar o tempo seco e trazer água pra se beber. Isso é pouco. Isso é nada. Chuva é poesia da bênção. Árvores enverdecendo, gramas crescendo e flores brotando. O fazendeiro olha para o campo, a chuva chegando e os lucros. Deus olha para a chuva e vê o renascer da vida, o milagre da renovação da natureza. É como o sertão de Euclides da Cunha, o que parecia morto renasce, num instante, como por encanto. Que encanto que nada! Não é magia. É água que cai. Água que evapora. Água que volta a cair. Cai sobre tudo, deixa tudo lavado. E vai pingando como quem se debruça sobre os braços das árvores estendidas para o céu. Copos de flores abertas. Folhas lisas, como calhas, aproveitam o essencial e escorrem sobre outras o excesso que não mais necessitam.  Pássaros arrepiados cortam as plantas em busca de abrigo. Não há barulho na mata. Os insetos se recolhem. O barulho é só de gotas. Fortes gotas sobrepostas, justapostas, seqüenciais, torrenciais. Mananciais de vida caindo dos céus celebrando a bênção. E todos se recolhem para ver a vida viver.
Vive a vida na bênção do céu como se Deus tivesse se lembrado de nós. Com que farei semelhante o favor do Senhor? - teria o poeta se questionado. Então respondeu: com a chuva. Chuva esperada, querida, desejada no contraste entre os lugares verdejantes de algumas regiões da Palestina e seus imensos desertos. Orvalhos do Hermon da bênção eterna do Senhor sobre a vida:  É como o orvalho do Hermon, que desce sobre os montes de Sião. Ali ordena o Senhor a sua bênção, e a vida para sempre (Salmo 122:3). Diz Ezequiel: e farei descer a chuva a seu tempo; chuvas de bênção serão (34:26). É, acho que sabemos pouco sobre a celebração da vida, porque esquecemos o simples significado do que seja a chuva, presença e palavra de Deus. Não é panteísmo. É poesia da vida. É Deus se lembrando das nossas carências e controlando aquilo que chamamos de mundo.

Pastor Natanael Gabriel da Silva