“Assim, decidi que não mais iria visitá-los com tristeza. Porque, se vos
entristeço, quem então me alegra [...]?”
Não, o problema
que Paulo tinha com a comunidade de Corinto, conheço. Independente do motivo
que ocasionara a desconfiança, alegria gera alegria, parafraseando Gentileza,
e o recebimento da alegria que retorna, só pode acontecer se um dia ela tiver
ido. Coisa simples. O outro é sempre o eco da minha alegria. E a alegria, fundamentada
na compreensão, se desloca, ora vagarosa, ora a escoar por um novo caminho,
ora a despencar numa avalanche, como se só houvesse um para baixo. Não são
metáforas suficientes, eu sei, mas a alegria que vai e retorna não segue os
padrões da física, não respeita a lógica, e não tem sentido. Ela só descobre o
caminho quando a trilha já tiver sido traçada. A alegria quando manifestada por
meio de graça e afeto, impulsionada pela fraternidade, humildade e compreensão
profunda do outro, descola-se com a força necessária para romper as muralhas do
medo, do outro é claro, ou abismos, ou esconderijos de quem se oculta da vida.
É isto mesmo, a alegria tem a capacidade de fazer curva, como a luz de
Einstein, e toma o outro pelas costas e desprevenido, como se fosse traição,
caminho certo do coração, e torna a vítima do amor um indefeso, desarma, desprotege,
desencarna e ensina: a alegria é possível, apesar do traído pela curva
ainda não saber o que ela significa. Não saber, vírgula, que não sabia, pois
uma vez experimentada, a alegria muda e emudece. Pode demorar a acontecer.
Ficará na memória de um algo em algum lugar que fora
provocado por alguém cuja lembrança às vezes não dá conta em responder, e a
alegria, que reside no inconceito, sem conteúdo ou evento, simplesmente
acontece.
Daí Paulo olhou
para comunidade, e o emaranhado que se tornara aquele relacionamento, cheio de
dúvidas, desencontros, desajustes, e pensou que poderia perder o retorno da
alegria, pois ela só poderia vir de lá. É claro que o ir em tristeza, que
aparece no texto, pode ser lido como um abrandamento de discurso e não um simples sentimento. Talvez fosse sua nítida visão de que, o
que estava ruim, poderia ficar pior, o conflito ampliado, o abismo aprofundado,
a rigidez solidificada, e a ruptura emergindo de forma rasgada, e nem corte
cirúrgico seria, mas o rompimento desfiado com base na força de separação. E quando
se rompe, não há mais discurso, não tem mais estrada, não há mais caminho, nem
ponte, e a alegria fica aprisionada, embotada, isolada, apodrece e morre, pois
se há alguma coisa que não subsiste no singular, é a alegria, e é por esta razão
que a alegria não é um substantivo singular feminino, mas é plural. Ela se dá
sempre no duplo, porque vai e vem, vem e vai, continuamente, até que alguém
decide colocar a pedra de Drummond no caminho, ou a parede sem porta de Pessoa,
e a perda é de todos, por mais que se queira dizer isso ou aquilo, justificar
assim ou assado, dizer que a culpa de quem fez implodir a ponte foi do outro,
ou a causa é desconhecida, em razão de algum inexplicável fato, coisa do acaso,
das condições impostas por motivo de força maior, o fato é que as explicações não
são eficazes na construção de pontes. As explicações, são apenas explicações.
Deste modo a alegria, sem dois humanos, em interpessoalidade, autenticidade e
liberdade, evapora e provavelmente irá visitar os lugares da aceitação, pois
não pode ficar perdida. Nada mais triste que uma alegria sem ponte, estrada,
caminho, ladeira ou trilha, pois ela só pode ir, e retornar, impulsionada por
uma pessoa; sua essência é a liberalidade, sua paixão é o sabor da felicidade,
sempre abrigada pela compreensão e só cabe, de tão grande, quando a alma é
larga o bastante para agasalhá-la.
Paulo voltaria a
lamentar pela tristeza que fora causada e faz um esforço para separar o que ele
chama de tristeza que vem de Deus e a tristeza gerada pela ação da cultura e
existência. A tristeza vinda de Deus pode ser explicada pelo sofrimento do viver. Agora, a tristeza causada pelo humano,
segundo Paulo, gera a morte (II Coríntios 6.10).
Ele tinha razão.
Natanael Gabriel
da Silva, Luanda 27 de Agosto de 2016