Depois de terem comido, Jesus perguntou a Simão Pedro:
Simão, filho de João, tu me amas mais do que estes? Ele respondeu: Sim, Senhor;
tu sabes que te amo. Jesus lhe disse: Cuida dos meus cordeiros. - João 21.15
A pergunta pegou-me no contrapé: – Eu acho que, quando o
Pastor prega, é Deus falando, é ou não é?
Pois é, se tivesse vindo de uma pessoa com pouca formação
acadêmica, até entenderia. Talvez nem isso. Fiquei olhando meio sem resposta.
Não que esta fosse difícil, mas quando a distância é muito grande, formada a
partir de uma cultura e modo de vida que se espraia num coletivo, sempre é
possível acreditar numa reconstrução, também coletiva, sobre o significado de ser cristão.
Poderia ter dito, contudo, que o papel do fundamentalismo,
quando lido pelo viés do poder, fazia isso mesmo: o governo do medo. Deus falando
era muita coisa pra mim, mas sem dúvida, quando assumido, se dá como quase
inquestionável. É um contrabando, eu sei, do tempo dos reis de Israel que
recebiam a legitimidade da religião que os mantinha com o poder de vida e morte
sobre os súditos. Tem a ver também com as clarividências dos oráculos dos
profetas descritos nos descaminhos daquele mesmo povo antigo. Ainda, é a contaminação
de que, ser pastor, é ser o dono da palavra e do milagre, dominar a mídia e
achar que é possível assumir o sentido de pastoreio sem o envolvimento com a
vida. Nunca vi Jesus fazer isso, por mais que se diga que hoje, se Ele estivesse
aqui, faria uso dos meios mais eficazes de comunicação. Isso é reduzir o
pastoreio à palavra no seu sentido estrito; é se afastar da pessoalidade da voz
como presença, quando esta tramitou para a letra e finalmente à ditadura do texto, tanto no Direito Positivo, quanto na religião.
Pois é, diria ao meu interlocutor que o pastor é só uma
pessoa. Afirmaria entender que a ideia de “possessão” espiritual está mesmo
presente em nosso imaginário tribal, e que
mesmo que tal possessão se desse exclusivamente no cérebro, e não no corpo
inteiro, como nas religiões afro-brasileiras, a situação seria a mesma. Diria
apenas que um pastor é apenas um pastor. Um caminhante. Um andarilho que mostra
o perigo que está aqui ou acolá, a indicar o caminho das fontes, o lugar dos rios,
do verde e da esperança. Isto é, que o pastor é apenas uma ovelha dentre outras
ovelhas. Não tem a vantagem do divino, nem o controle dele, por mais que se
esconda por detrás das línguas originais, tão indispensáveis para legitimar o
domínio do sagrado. Também não possui a chave que abre os milagres, o mistério e
o sobrenatural, como fazem os gerentes das empresas exploradoras da fé. Nada disso.
Um pastor é um sonhador. Aquele que acredita nas bem-aventuranças como parte da
vida e da coletividade, num mundo permeado de pacificadores preocupados com a
liberdade e a vida. Tem mais. O pastor, ou os pastores, o que inclui todos os
cristãos, é/são aqueles que, pelo pastoreio, agregam prostitutas, abandonados e
marginais; são os inconformados com toda e qualquer injustiça, que acreditam
que o evangelho, antes de estar num texto ou num discurso, se dá como busca do
humano, suas contradições e lutas.
É, eu tinha muita coisa pra tentar mostrar ao meu
interlocutor. Que o pastor não pastoreia texto, por exemplo, mas pessoas, e que a verdade
não é apenas uma dedução da lógica formal, inclui o morrer pela vida, o chorar
pela cidade, o condenar a religião manipuladora e opressora e que o pastor só encontra
um cego à beira do caminho se caminhar com o povo, pelas estradas e praças; que
o verdadeiro pastoreio está nas ruas, não no púlpito, nem na homilia ou no
convencimento do discurso. Deus fala na vida, que vai além do texto, e foi
justamente por conta disso que a palavra se fez carne, pessoa, gente comum do povo, e viveu entre
nós. Quando o evangelho fica apenas no conceito e na cabeça, o resultado é a
desconexão com a vida. Um evangelho reduzido ao conceitual: ninguém merece isso.
Diria tudo isso. Se dissesse, não seria compreendido, eu sei. Só que também não disse. O desejo era mostrar que pastoreio
e compaixão significam outra coisa, além das celebrações e liturgias. Só que o
tempo, com aquela comunidade, lamentavelmente, foi curto demais. Paciência. O pastor também precisa compreender o tempo do pastoreio. Faz parte.
Natanael Gabriel da Silva