“Vendo Jesus as multidões, subiu ao monte, e como se
assentasse, aproximaram-se os seus discípulos; e ele passou a ensiná-los,
dizendo:” Mateus 5.1,2
É, você está certo: é a abertura do Sermão do Monte.
Daí um amigo meu passou seis meses, dominicalmente,
frequentando a mesma comunidade. Com a polida educação, só reservada como formalidade
política, era apresentado como visitante em todas as reuniões, fosse
pela manhã, fosse à noite, encontros semanais, e por aí se vai. Um visitante é
um excluído, e é aqui que começamos a conversar.
Talvez você tivesse que frequentar uma comunidade batista, não todas, para ter a doce experiência de se levantar ante os olhares de
quem nunca o/a viu, dizer o nome, nem sempre compreendido por quem lhe
pergunta, mencionar de onde veio, para onde vai, numa síndrome agariana, e
também desértica, no ato solitário de falar de si mesmo, pra entender o drama
do anonimato rompido. Disso, a mensagem comunicada pela educação
parlamentar é a de que você, definitivamente, só está ali, sem pertencimento.
A boa notícia é que Jesus nunca apresentou os visitantes.
Nunca disse que este ou aquele fazia parte do número impreciso e indefinido
de discípulos. Até dos apóstolos já se falou muito, se não seriam apenas o
imaginário das doze tribos sendo restaurado. Doze que viraram treze, depois
catorze, cujas listagens são diferentes e haja esforço exegético pra dizer que
tal nome significa este nome, e fazer da subtração, soma. Só que isso não é
difícil, pois quando se quer, qualquer conta dá certo. Vale até juntar Daniel
com Mateus e Apocalipse, para então se tentar fazer o traçado, ainda que mal
feito e inexplicável, do chamado final dos tempos.
Então, dizia antes do devaneio, Jesus nunca apresentou os
visitantes. E tem gente que vai reafirmar, por questão até numérica, que o
Sermão do Monte não era para todos, e Jesus nunca conseguiria falar a uma
multidão sem que o som se perdesse. É claro que vai se esquecer de que o texto
é sobre religião, e quando se trata de religião meu amigo, minha amiga, não há
traçado ou limite, nem (ou muito menos) no texto, porque é a redação do
exagero, do superlativo, do indescritível, metáforas e sonhos. Então Jesus,
olhou pra multidão, incluiu a todos e todas, e discursou sobre a felicidade
suprema. Falou da humildade, lágrimas, mansidão, dos vitimados/as pela injustiça,
fome, da misericórdia, exatamente a quem deveria ser alvo dela, da pureza
profunda das intenções, lá onde a alma é regida e nasce a existência humana, de
quem anseia pela paz, perseguição, e foi por este caminho, incluindo a todos
e todas como pertencidos/as, como parte, ouvintes e cristianizados/as pelo
discurso, não pelos rituais. Falou aos pertencidos e agregados pelo discurso,
não mencionou salvação no sentido metafísico e eterno, porque não havia ainda o
que falar sobre isso, e fez o traçado da sabedoria da vida como quem coloca com
a mão uma única semente exatamente onde deveria ser plantada. A comunidade de
Jesus era o mundo.
O meu amigo? A exclusão, o excluiu.
Natanael Gabriel da Silva