segunda-feira, 10 de junho de 2013

O PARQUINHO



“Jesus, porém, vendo isso, indignou-se e disse-lhes: Deixai vir os pequeninos a mim e não os impeçais, porque dos tais é o Reino de Deus.” – Marcos 10.14

Vou pedir-lhe um favor: esqueça um pouco o céu do Apocalipse. Aquele discurso é beligerante demais. Esqueça aquela história de trono celestial, dos vinte e quatro anciãos guardando e fazendo frente e proteção do grande Império, numa espécie de projeção superlativa de Roma. Esqueça um pouco os seres celestiais cheios de olhos, tanto na frente como atrás e que a gente nunca sabe direito se é pra ajoelhar ou ter pavor, ou as duas coisas ao mesmo tempo. Veja se consegue apagar um pouco aquela imagem de guerra e de destruição, exército daqui, exército dali, terça parte daqui, terça parte dali, esqueça um pouco isso.

É que se o Reino dos Céus é reservado às crianças, ele deve ter a cara e jeito de um imenso parque infantil. É parquinho mesmo, daqueles que suspendem o tempo. O tempo fica esquecido e quando chega a hora do almoço, ou do banho, é uma crueldade que só vendo, porque parece que estas coisas sempre ocorrem no melhor momento; mas nem se preocupe muito com isso porque no Reino dos Céus não vai haver banho, não é mesmo? Não vai ter comida, muito menos tempo disso ou daquilo. Será um tempo eterno de alegria. Brincadeira, só brincadeira. Vai ter escorregador no céu, como se fosse sempre possível desafiar o espaço e lançar-se de cima, não sem antes, lá do alto, contemplar os que eram grandes se tornarem pequenos, numa inversão que só quem escorregou em parque sabe o que significa. Roupa? Está brincando, não é? Roupa boa é aquela que a gente rola no chão e fica com areia nos bolsos e no fundo cueca e quanto mais sujo melhor. Vai ter roda de amigos também, roda rodando de mãos dadas e cantoria de celebração até todo mundo ficar suado e com cheiro de gente queimada; um suado sem ficar suado, porque no céu não vai ter suor. Suados e abraçados, como deve ser em todo e qualquer parque. Vai ter também cadeira de balanço, porque não há nada mais delicioso que aquele frio na barriga e vento no rosto, motivados pela velocidade, no vem e vai. Em todas as brincadeiras do parquinho chamado céu a gente vai precisar do outro. Ninguém pode sentar numa gangorra sozinho/a, nem jogar o futebol na solidão da individualidade. É por conta disso que nesse parquinho as pazes não são questão de querer ou não querer, mas já fazem parte desde sempre: fraternidade, solidariedade e principalmente diversão coletiva. De repente alguém tira uma bola não se sabe de onde e, mesmo que o dono dela se negue a jogar no gol ou insista em ser o centroavante, o que vai valer mesmo é o time, o coletivo e será necessário perdoar logo, não importa quem estava ou está com a razão. Valerá mais a brincadeira que a discussão, e mesmo havendo tempo de sobra para qualquer coisa, parece que até a eternidade será curta para tanta felicidade e alegria.

Um céu feito parquinho. Difícil de imaginar, né? Eu sei. Não fique aborrecido/a. Foi só uma sugestão, e nem vou perguntar se você, no céu, iria preferir ruas de ouro ou uma simples corda pra pular e respirar a imensidão da vida. Não seria justo colocar o ouro numa situação tão constrangedora.

Tenha uma boa noite e um bom dia!

Natanael Gabriel da Silva

quinta-feira, 6 de junho de 2013

A FÉ E AS MÃOS




“E Jesus disse-lhe: Se tu podes crer; tudo é possível ao que crê.”
“porque ensinava os seus discípulos e lhes dizia: O Filho do Homem será entregue nas mãos dos homens e matá-lo-ão; e, morto, ele ressuscitará ao terceiro dia.”
Marcos 9,23 e 31.

E daí interpreta-se o “...tudo é possível ao que crê” como se fosse uma vocação mágica de uma força externa capaz de alterar o curso de uma vida e de uma história, e assim saem os fiéis às comunidades exercitando a subjetividade profunda como se fé pudesse ser resolvida e confundida com um desejo. Deste modo a fé se torna desarticulada da vida, subjetiva demais, pessoal demais, em alguns casos, determinista demais.

Conversava um dia destes, durante uma celebração de inauguração de um Templo, com um amigo a quem tenho profunda admiração e ele me ensinava que: - Deus cuida, e cuida de tudo, você não precisa se preocupar, tudo está no controle dele. Esse é um exemplo de fé fundamentada no descanso. Ela, a fé, não emerge como por estalo, já está presente, porque faz parte da vida e se tornou um modo de viver: o viver no descanso. Trata-se de uma escolha.

Por conta disso, uma coisa é estar nas mãos de Deus, outra é estar nas mãos do ser humano e é por essa razão que os narradores dos três Evangelhos colocam as duas passagens, uma seguida da outra. Só que o estar nas mãos de Deus, no caso, não caminha na direção tão somente do descanso, mas na preservação e restauração da vida. Isto é, a vida daquele lunático havia sido preservada, a de Jesus, ao contrário, o caminho seria de morte, porque uma coisa é estar nas mãos de quem dá e ama a vida, outra é estar nas mãos do ser humano, que pelo ódio mata e destrói, sem piedade. Bem, nesse caso, ter fé poderia ser aquele que tem paixão pela vida e luta para preservá-la, que não fica se aglomerando por sobre a tragédia humana como se fosse espectador de circo, ou diante da mesma cena, discutindo princípios de religião e motivação para o estado deprimente do miserável que ali se encontrava como se ele estivesse numa arena (“E, quando se aproximou dos discípulos, viu ao redor deles grande multidão e alguns escribas que disputavam com eles.” – Marcos 9,14).

É possível que o “crer”, ou “ter fé” no texto esteja mais relacionado à vida, no inconformismo da exclusão e do mal que assumia a totalidade da existência daquele miserável, do que com um sentimento "de confiança", do "vai dar certo", ou "tem que dar certo, eu reivindico"; mais a ver com o humano que com o divino, mais voltado para recriação da vida que para a subjetividade.

Ao contrário disso, Jesus seria entregue nas mãos dos homens e padeceria por conta da desumanidade destes. Jesus não tinha falta de fé, e não morreu por causa da ausência desta em sua vida, porque falta de fé é falta de amor, e a oração e o jejum vêm por conta do profundo sentimento de dor e sofrimento diante da tragédia humana. Como no descanso, não surge por encanto e magia, mas se dá como sentido e paixão pela vida, no inconformismo diante do sofrimento e da desumanidade.

Natanael Gabriel da Silva