A ZUNGUEIRA SAMARITANA E A
PRINCESA
“Disse-lhe a mulher: Senhor, dá-me dessa água para
que eu não mais tenha sede, nem precise vir aqui buscá-la.” João 4.15
Daí vi a
chamada de um retiro de mulheres, “Princesa sim! Meu Pai é o Rei” e passei por
uma rua qualquer em Luanda e lá ia a zungueira, carregando quase de tudo sobre
a cabeça, bananas aos cachos, batatas, panos, biscoitos, pães, abacaxis,
laranjas, limões, doces, sonhos, criança nas costas, vida difícil de quem traz
para casa os cuanzas que servirão para dar comida aos miúdos, bebida ao marido,
e depois continua a dar banho na prole, uma ou duas com ela o dia todo, outras a
esperam em casa. É uma mulher, como outras tantas, possui a inexplicável vaidade,
vestida de África, roupas coloridas, carrega os desejos, igreja aos domingos, e
na segunda as bananas, batatas, filho nas costas e a vida gira sem a realeza prometida,
ou esperada, alienada pela própria felicidade e desconhecerá a miséria em que vive e não muito, talvez o mais tardar aos quarenta e cinco, a brevidade
indesejada e a infinita liberdade; mas por enquanto continuará a tomar banho de caneca, suplicando a
providência e proteção contra as doenças da fome.
A samaritana
era uma quase zungueira, se é que isso possa existir, pois afinal não é todo
mundo que carrega uma lata na cabeça que pode evocar o pertencimento ao grupo
que está do lado de fora da realeza e que reside pouco abaixo das bananas.
Contudo, a depender do conceito do que poderia ter sido uma zungueira no
primeiro século, a samaritana estava meio por ali, bem perto. Tivera cinco
maridos e nem vou discutir aqui se fizera o que era certo ou errado, até porque
nem Jesus se interessou em perguntar. Sendo ou não zungueira, com certeza a samaritana sem nome não
era princesa, não mesmo. Também não ficou sendo depois, e o que a cativou não
foi necessariamente o conteúdo do que descobriria, mas a aceitação de quem, com
profundo respeito, conversou com ela e nem se preocupou com a proibição, não perguntou por onde andava a consciência, não indagou sobre moralidade ou virtudes, e nem dela se afastou com a repulsa natural da santidade. Apenas palavreou como quem ampara uma zungueira num dia qualquer e
dá a ela o que não estava procurando e que nem sabia direito da existência e possibilidade, porque o
Pai não é só rei, e nem isto é o mais importante. O pai é o fazendeiro que espera o filho voltar para casa, de qualquer jeito ou modo,
é o pai do eu sei que sempre me ouves e a vida sai do túmulo depois de quatro
dias, porque o pai, é pai da vida, e olha pro filho que está ali entregue aos
limites da existência humana e declara, este é o meu filho amado em quem me
alegro, e tem pai no filho carregando crianças no colo e dizendo ser delas o
Reino dos Céus, e dá-lhe o Pai do nas tuas mãos entrego o meu espírito, porque
o pai recebe, recolhe, agasalha e abriga. É o Pai do Reino, mas aqui Reino
significa outra coisa, e os filhos são servos, não príncipes, nem
princesas, talvez zungueiras e quem sabe samaritanas.
E a
zungueira, feminina, mulher, mãe, explorada, sem ser princesa, sorri.
Natanael
Gabriel da Silva, Luanda