quinta-feira, 12 de março de 2015

O ELIAS NÚMERO QUATRO



“Então os discípulos entenderam que lhes falava de João Batista.” – Mateus 17.13 

Elias? Que Elias?

A reconstrução da memória fundante é muito interessante porque, de certo modo, os eventos sempre são visitados a partir da percepção hermenêutica das verdades de quem se as possui, isto é, construímos o passado com a nossa cara. É aí que entram os Elias.

E você vai me perguntar se não existiu apenas um Elias. Bem, houve um Elias, cujo registro já é memória (I Reis 17 a 23; II Reis 1 e 2), e aparece como profeta, misterioso, já homem feito para que o milagre da origem se desse ainda mais como divino, surgiu como o Tisbita; por um lado com a firmeza do “assim diz o Senhor”, por outro como um executor de quatrocentos profetas de Baal os quais mandara matar, o que não soa nada bem em tempo de tanto fundamentalismo; depois fugiu, tomou o rumo do deserto, desejou morrer e caminhou até Horebe, onde teve um encontro com Deus. Depois desceu do monte, nomeou outro profeta para substituí-lo e finalmente não morreu. Juntou o não-nascimento com a não-morte, para que a memória fosse enriquecida de mistério, coisa que só a religião consegue (não)explicar.

O segundo Elias, que já não era necessariamente aquele, aparece na imagem e memória dos escribas, já que estes esperavam, de algum modo, seu retorno  (Mateus 17.10). Ninguém sabe direito qual o recorte que haviam feito para desejar um Elias que fosse favorável ao discurso que possuíam. Seria, ao que parece, um reformador ainda mais radical. Talvez o tivessem projetado quando enfrentara Acabe, quando o primeiro Elias fora portador da voz e comando de vida e morte contra os infiéis, e qualquer escriba, fariseu, ou sacerdote, teria este Elias como referência para o início de um novo tempo. Legalista, é óbvio. Seria um Elias com o rosto deles.

O Elias do livro dos Reis, o primeiro, e o dos escribas, o segundo, não eram os mesmos. Então veio um terceiro Elias, que apareceu na transfiguração aos apóstolos (Mateus 17.3), e não dá pra saber que Elias eles viram. Pela narrativa, parece que ficaram pasmados diante do todo, que não impediu que singularizassem os personagens: Moisés, Elias e Jesus, numa relação temática próxima: monte, Deus sendo visto, missão e novo tempo. Assim, num monte já havia estado Moisés, conforme o Êxodo, quando recebera a Lei. O primeiro Elias, o do livro dos Reis, também tivera uma grande experiência no Horebe. Agora, no monte,  num novo Sinai para os apóstolos, a transfiguração, que os colocava no centro do milagre dos milagres. Ora, se o Elias dos escribas fora, possivelmente, recortado do enfrentamento a Acabe, o dos apóstolos poderia ter sido o do imaginário da presença divina nos montes, já que nas duas ocasiões, tanto a Moisés como a Elias, o Senhor fora, de certo modo, visto. Estavam então os apóstolos na terceira edição do lugar privilegiado do sagrado. Descer para quê?

Então entra em cena o Elias de número quatro, que não havia estado em nenhum monte, João Batista (Mateus 17.12,13), sem milagre de transfiguração, independente de qualquer sistema religioso ou político, marginal, esquecido, pobre, e que também, como Moisés e Elias, estivera no deserto. A memória do Deus provedor do monte é melhor que a memória da peregrinação pelo deserto, e ninguém quer uma esperança que esteja residindo no nada, nem comendo gafanhotos, que olha para o centro da adoração a partir do desterro e recupera a memória da libertação do Egito, dizendo com isso que o meio urbano perdera o Deus da caminhada, virara templo, local de poder, dinheiro, segregação, impiedade, desavença, corrupção, e de lá, do deserto, o Elias de número quatro havia lançado um raça de víboras, vestido de linho, na miséria, sem nada; um Elias que nem os apóstolos o tinham recebido como Elias, passara despercebido, não fazia sentido, porque dizia, reafirmava e repetia do machado colocado à raiz das árvores, que iria cortar tudo e sem deixar vestígios, e parecia que era contra, não a favor, porque não se opunha aos romanos, mas aos de sua terra e os sentenciava. Era um Elias que não tinha nascido por dentro do sistema, parecia estranho, um que não pertencia nem mesmo aos apóstolos, não se dava ao anseio de corresponder às expectativas do tipo de liberdade que queriam, e quando a gente olha a liberdade por um lado, não vê o libertador que vem pelo outro. Ficar no monte qualquer um quer e pelo gosto dos que estavam com Jesus, estariam lá até hoje, olhando, paralisados, babando o êxtase da presença do sagrado. E o Elias de número quatro não tinha nada disso, falava que falava, e ainda dizia que ninguém iria fugir da ira futura, e ao invés de trazer a esperança, dava logo uma palavra de morte contra aquela religião corrupta e hipócrita. Ninguém queria este Elias e por conta disso não poderia ser visto como Elias, nem entendido como tal, pois a memória e a esperança, repito, sempre constroem o sentido por dentro da hermenêutica de quem as possui; memória e esperança funcionam como sonhos programados e que nem sempre comportam uma palavra profética.

Então você acaba por não saber se o chamado “precursor” de Jesus era uma pessoa, como desejam os credos cristãos, ou uma nova maneira, quase absurda, de se reescrever a memória fundante, voltada para a condenação da hipocrisia; que precisava ser solitária para ser independente, vir do deserto para ser peregrina e simples, e assim ter legitimidade para condenar o mal de um sistema desumano e impiedoso.

Disse Jesus: Elias já veio. E tinha vindo mesmo. Era o quarto Elias. O da vida simples. Fora mais que profeta e se dera apenas como voz que clamava pelo deserto. Um Elias, que não era Elias, para ser Elias.

Natanael Gabriel da Silva

quarta-feira, 11 de março de 2015

DIA INTERNACIONAL DA MULHER, O DIA DO QUANDO:


Um quando não se discutirá mais sobre a possibilidade ou não da mulher ocupar determinados cargos ou funções.

Um quando tivermos papisa, pastoras, bispas e profetisas, sem qualquer reserva ou preconceito e as religiões não forem mais guetos do masculino.

Um quando conseguirmos atribuições familiares compartilhadas.

Um quando não houver necessidade de aplausos em festa de entrega de Oscar em aprovação ao discurso proferido contra a desigualdade até entre as estrelas de Hollywood.

Um quando uma pessoa não se vender em propaganda de cerveja só por ser mulher.

Um quando uma pessoa for vista como pessoa, não como objeto, por conta do gênero.

Um quando não houver mais agressão e opressão em decorrência da vantagem da força física e capacidade de violência até na vida doméstica.

Um quando não for mais surpresa uma mulher dirigir ônibus e caminhão, ou pilotar avião.

Um quando não houver mais necessidade de delegacias especializadas , onde não haja constrangimento para expor a agressão sofrida ou denunciar qualquer crime de que fora vítima, só por ser mulher.

Um quando for possível andar pelas ruas sem as pobres e deprimentes cantadas, sempre de péssimo gosto.

Um quando a beleza não for desafio e acabar o culto ao corpo dos eternos quinze anos.

Um quando a mulher não for tratada como se fosse criança crescida.

Um quando qualquer pessoa for considerada capaz para fazer qualquer coisa sem a redução de sua pessoa por conta de gênero.

Um quando for possível utilizar o transporte público sem os constrangimentos dos que pobremente se aproveitam da falta de espaço.

Um quando as mulheres que fazem diferença na sociedade, pesquisadoras, profissionais, sindicalistas, donas de casa, educadoras e mães, as trabalhadoras das fábricas que saem de casa às quatro da manhã e por aí se vai, forem destacadas no lugar das manequins e das que são símbolos sexuais.

Parabéns mulheres pelo dia de luta.


Natanael Gabriel da Silva