“E Pedro, tomando-o de
parte, começou a repreendê-lo, dizendo: Senhor, tem compaixão de ti; de modo
nenhum te acontecerá isso.” – Mateus 16.22
É foi o que
pensou ter feito Pedro, e quando Jesus anunciou sem rodeios a sua Paixão, que ninguém
sabia direito do que se tratava, o apóstolo o chamou à parte e só não disse um
“em nome de Jesus” porque ainda não era tempo, mas falou em nome de Deus, com
direito a repreensão, correção e advertência, e foi logo determinando, o Deus
que eu conheço não iria permitir isso, e vou lhe dizer que, de maneira nenhuma
isso irá acontecer, porque se há uma coisa que conheço é a compaixão, ou
misericórdia (hileos), de Deus, e
posso dizer isso em nome dEle. Então você não sabe se Pedro fez isso por
amizade, ou se foi mesmo politicagem para se aproximar mais de Jesus. Só que a resposta veio meio de canto, e saiu um para trás de mim, e foi logo declarado o nome
do dito cujo, aquele que só sabe escandalizar, que não entende nada de
misericórdia ou compaixão, muito menos de morte e de vida.
Daí Mateus
ficaria com o cabelo em pé com o que fizeram no texto dele, separar o 23 (que não
era numerado) do 24, como se assunto diferente fosse. A conversa sobre vida e
morte continuou, e o “então” que começa o 24, quer dizer em razão de, em
decorrência, por conseguinte e daí Jesus inverte o sentido de tudo o que se
poderia pensar sobre compaixão, pois mostra que o ser humano vê a vida de um
jeito, mas Deus de outro, e convida todo mundo a morrer com ele, a sair
carregando a cruz pelas ruas (24), coisa que o dito cujo nominado não conseguia
entender, e Jesus não falava de cruz como sofrimento, mas identificação, e todo
mundo carregando a cruz de Cristo pelas ruas cada vez que sai de casa, e a traz
pra casa, dorme com ela e conversa com os outros com os braços abertos, e se
todos fizessem isso, a vida seria outra, é ou não é? A cruz na consciência, no
coração e na disposição de quem já morreu, e se morreu, os valores são outros.
Assumir que a cruz é a companhia do cristão, onde começa a vida depois da
morte voluntária e é inseparável, colocada às costas como superação de vontade,
donde nunca deveria ser despregada de ninguém, e nunca também ninguém deveria esquecê-la
em qualquer canto, o que é mais comum do que se pensa, então cadê a sua cruz,
sei não, e sair olhando os outros sempre à sombra da cruz, para de forma alguma
esquecer o perdão recebido, e assim ir vivendo, ou morrendo, ou ainda morrendo
e vivendo, duas coisas juntas, e carregar a cruz é falar de morte e vida, e
continuou Jesus, pegue a sua e saia comigo, porque a cruz não é propriedade
particular, também não é única, pegue a sua e fique sabendo que pra salvar a
vida é preciso perdê-la (25), não é mesmo Pedro? e se você está pensando que fala
em nome de Deus é porque não sabe o que é compaixão, nem a minha, nem a dEle, nem do
que será no futuro, da misericórdia que mudará o mundo, da conquista da vida pela morte, porque só
morrendo mesmo e nascendo de novo é que o ser humano pode ser reinventado, você não
sabe disso, sequer entende, porque que adianta ganhar o mundo inteiro e perder
a vida(26)?, então vai continuar sendo o que sempre foi e
achar que a vida está nisso? O que você acha que eu vim fazer? Repetir o
repetido? Não, a vida precisa ser recriada e isso não tem preço; se tivesse
preço, quanto pagaria por ela? Quanto vale a sua alma, que é a vida que está
por detrás da vida, o profundo do profundo, como aquela que faz de você
quem é e literalmente que lhe dá ânimo, sentido, e lhe permite o ver o mundo, ou
qualquer coisa nessa direção; será que você vai perdê-la exatamente por não
saber que ela não deveria lhe pertencer? Daí quando você pensar que morri,
retorno (27), e muitos que aqui estão, verão isso (28). É muita coisa, eu sei,
morte que não é morte tentando resgatar a vida que não é vida.
Fim do
diálogo. Depois disso, seis dias de silêncio. Em nome de Deus, até o silêncio faz sentido.
Natanael
Gabriel da Silva