“Concilia-te depressa com o teu adversário, enquanto
estás no caminho com ele, para que não aconteça que o adversário te entregue ao
juiz, e o juiz te entregue ao oficial, e te encerrem na prisão.” – Mateus 5.25
Eu sei que você não gosta dessa conversa, mas perdão tem
prazo de validade. Você prefere o setenta vezes sete, que se refere à quantidade,
não ao tempo. A quantidade só vale enquanto houver tempo.
E não é que prazo de validade do perdão está no Sermão do
Monte? Está sim. Lá no Evangelho de Mateus, escrito em época de perseguição,
onde quase tudo nele tem esse sentido de guerra. Sermão do Monte que tinha que
começar com as bem-aventuranças: a felicidade acima da conta em tempo de morte.
Ser bem-aventurado é a condição daquele que suporta todas as adversidades, é
perseguido, enfrenta uma guerra, mas promove a paz, dedicando-se à defesa da fé
com pureza de coração. Os bem-aventurados também são os mesmos que esperam a
justiça perfeita e que não irá tardar; choram as suas dores, e já podem viver a
plenitude da felicidade, porque serão pastoreados pessoalmente pelo Senhor. Ser
humilde de espírito e manso de coração são os desafios em meio à tragédia da
vida, mas o resultado é a bem-aventurança da conquista de um reino e a herança
de uma nova terra. Observada por essa perspectiva, a perseguição é um
privilégio de poucos e motivo de regozijo, especialmente se for absolutamente
injusta, permeada de mentira: a injustiça fica mais injusta ainda, e a alegria
fica mais alegre ainda. O ser sal não seria outra coisa senão o viver a plena
felicidade: beber e se lambuzar do tempo da bem-aventurança durante a travessia
da plena turbulência e perseguição. Não adianta querer se esconder: todo
discípulo verdadeiro é luz do mundo, vai ser visto e perseguido, as boas obras
irão iluminar até quem os persegue, os quais ficarão se perguntando: qual o
significado disso? Não é uma questão de fuga. Trata-se da natureza do
próprio Evangelho que é assim e somente assim.
Quem não compreende a contradição entre a perseguição
injusta, mais injusta que já poderia ter sido vista, em contraste com a dor
mais doída de quem sofre sem precisar sofrer, tendo como resultado a alegria
mais alegre, jamais compreendida, em poder superar tudo isso, não entende as
bem-aventuranças, talvez nem o Sermão do Monte. Lindo, né? A matemática é
simples: o suprassumo da perseguição sofrida, depois o suprassumo da dor
vivida, e finalmente o suprassumo da alegria desfrutada. A expressão não
poderia ser outra: bem-aventurado. E tá de bom tamanho. Felicíssimo é quase a mesma coisa,
mas prefiro o bem-aventurado. Fica mais bonito, é uma palavra sagrada do
meu imaginário, e para mim é mais pura, mais santa. Símbolo religioso é símbolo
religioso, não dá pra mudar, senão perde o brilho, não é mesmo?
Pois é, uma perseguição assim faz a comunidade se
fragmentar. Ela se volta “para dentro”, embota, passa a dedicar todo o tempo na
tentativa de resolver problemas que não têm solução. Mateus está muito
preocupado com esse assunto. A comunidade não pode parar e nem se matar. Uns
matam tirando a vida do outro e não percebem que morrem juntos. Outros matam
negando o perdão, e também não percebem que a falta de perdão é homicídio
seguido de suicídio: primeiro mata, depois se mata; se mata, mas fica vivo,
sempre se lembrando do que poderia ter sido, mas não foi, e morre diariamente
uma morte consciente. Então o perdão não é uma questão de opção, mas
necessidade de sobrevivência. Mateus é bastante claro: tente resolver o
problema, caminhe com o ofensor, mas resolva logo, enquanto está no trajeto,
isto é, enquanto for possível mudar a situação. De que adianta resolver algum
problema depois de 10, 15 ou 20 anos? A situação não poderá ser mais modificada
ou consertada, porque não dá pra refazer a história, o tempo passou, o cenário
mudou, a vida mudou, a história é outra, e o perdão vira apenas um problema de
consciência. A pessoa passa a sentir paz interior, mas isto é muito pouco. No
último momento, faz a pessoa despedir-se da vida em paz. Teria sido melhor se
tivesse vivido em paz.
O perdão é uma dádiva de Deus. O problema é que tem prazo de
validade. Sinto muito.
Pastor Natanael Gabriel da Silva