terça-feira, 31 de julho de 2012

SALDO DEVEDOR



“A ninguém fiqueis devendo coisa  alguma, exceto o amor com que vos ameis uns aos outros; pois quem ama o próximo tem cumprido a lei.” – Romanos 13.8

O amor é como saldo devedor dos antigos financiamentos de casa própria, você paga, paga, paga, e cada dia deve mais. Deve mais do que poderá pagar. Vai passar a vida inteira pagando e não verá o fim. Tem gente que desiste pelo caminho, eu sei. Já que vai ficar devendo mesmo, então o negócio é utilizar o amor para si, não é verdade? Só que não funciona deste modo, pois não é possível viver enfronhado, embotado e até a clausura só tem sentido quando se trata de grupo.

A ninguém devais nada, porque qualquer coisa pode ser quitada. O imposto pode ser quitado, o respeito também e honrar alguém é só um momento. É, são dívidas pontuais, você quita, e pronto, tá quitado, não deve mais nada. Agora, quando se trata do amor, é poço sem fundo, abismo sem chão, teto sem abrigo, horizonte que nunca se alcança, porque é denso e ao mesmo tempo esparso, imenso. A gente cai nele e flutua, ou vai nadando naquele oceano sem fim na base da braçada.

Não adianta reclamar. Recebeu o amor de Deus, torna-se devedor. Não tem salário que dê conta, e até sobre Jesus, o evangelista João escreveu: “Ora, antes da festa da páscoa, sabendo Jesus que já era chegada a sua hora de passar deste mundo para o Pai, como havia amado os seus, que estavam no mundo, amou-os até o fim.” Até o fim significa que além de morrer e celebrar e agradecer antecipadamente a própria morte na instituição da Ceia, lavou os pés dos discípulos. Amar até o fim, não como quem pega um avião e só pousa no destino, mas como quem vai a pé, percorrendo a estrada inteirinha.

Amor assim você não paga, nem eu e nem nunca. E não tem a desculpa de deixar só no sentimento, como se o coração se desse como suficiente. Tem que ser amor aparecido feito coisa, na vida do próximo, sem escolha e sem fim, apenas amar.

Pastor Natanael Gabriel da Silva

segunda-feira, 30 de julho de 2012

A PERIFERIA



“Ele, porém, querendo justificar-se a si mesmo, disse a Jesus: E quem é o meu próximo?” Lucas 10.29

Periferia de sentido, não da cidade. Sentido da vida, não se trata de geografia, economia ou exclusão social do jeito que a gente conhece. É a geografia da vida, isso sim, economia na atitude e exclusão do que é mais importante para que o problema secundário seja tido como o mais importante.

Não entendeu? Pois é, a conversa não era sobre quem é o próximo de quem, mas sobre amor. Um monte de amor: amar a Deus de todo o coração, alma e forças e ao próximo como a si mesmo. A Deus não se pode amar como a si mesmo, porque é um amor que não pode ter limite, quando você fizer tudo o que pode pra amar ainda vai ficar faltando. E pra não dizer que foi superlativo tem o todo em tudo. Depois disso, amar o próximo como a si mesmo.

Diante disso o doutor da lei pergunta pelo próximo! Poderia ter perguntado o que seria coração; ou, o que seria alma ou força. Poderia ter perguntado qualquer outra coisa, porque ele fugiu do principal e migrou pra periferia, lugar do discurso que ele julgava conhecer, porque quem não entende de amor faz isso mesmo, deixa o principal e corre pro acessório.

Legal mesmo foi a resposta de Jesus, deu volta parecendo que ira falar do próximo e acabou ensinando pro interlocutor o que significava amar. Voltou ao ponto de partida, retomou o discurso e fez o caminho de volta pro amor, onde tudo na vida deve acontecer. Pois é mais fácil fugir pra periferia do discurso que encarar a prioridade do amor e do amar.

pr. Natanael Gabriel da Silva

quarta-feira, 25 de julho de 2012

PERDÃO: PRAZO DE VALIDADE




Concilia-te depressa com o teu adversário, enquanto estás no caminho com ele, para que não aconteça que o adversário te entregue ao juiz, e o juiz te entregue ao oficial, e te encerrem na prisão.” – Mateus 5.25


Eu sei que você não gosta dessa conversa, mas perdão tem prazo de validade. Você prefere o setenta vezes sete, que se refere à quantidade, não ao tempo. A quantidade só vale enquanto houver tempo.

E não é que prazo de validade do perdão está no Sermão do Monte? Está sim. Lá no Evangelho de Mateus, escrito em época de perseguição, onde quase tudo nele tem esse sentido de guerra. Sermão do Monte que tinha que começar com as bem-aventuranças: a felicidade acima da conta em tempo de morte. Ser bem-aventurado é a condição daquele que suporta todas as adversidades, é perseguido, enfrenta uma guerra, mas promove a paz, dedicando-se à defesa da fé com pureza de coração. Os bem-aventurados também são os mesmos que esperam a justiça perfeita e que não irá tardar; choram as suas dores, e já podem viver a plenitude da felicidade, porque serão pastoreados pessoalmente pelo Senhor. Ser humilde de espírito e manso de coração são os desafios em meio à tragédia da vida, mas o resultado é a bem-aventurança da conquista de um reino e a herança de uma nova terra. Observada por essa perspectiva, a perseguição é um privilégio de poucos e motivo de regozijo, especialmente se for absolutamente injusta, permeada de mentira: a injustiça fica mais injusta ainda, e a alegria fica mais alegre ainda. O ser sal não seria outra coisa senão o viver a plena felicidade: beber e se lambuzar do tempo da bem-aventurança durante a travessia da plena turbulência e perseguição. Não adianta querer se esconder: todo discípulo verdadeiro é luz do mundo, vai ser visto e perseguido, as boas obras irão iluminar até quem os persegue, os quais ficarão se perguntando: qual o significado disso? Não é uma questão de fuga. Trata-se da natureza do próprio Evangelho que é assim e somente assim.

Quem não compreende a contradição entre a perseguição injusta, mais injusta que já poderia ter sido vista, em contraste com a dor mais doída de quem sofre sem precisar sofrer, tendo como resultado a alegria mais alegre, jamais compreendida, em poder superar tudo isso, não entende as bem-aventuranças, talvez nem o Sermão do Monte. Lindo, né? A matemática é simples: o suprassumo da perseguição sofrida, depois o suprassumo da dor vivida, e finalmente o suprassumo da alegria desfrutada. A expressão não poderia ser outra: bem-aventurado. E tá de bom tamanho. Felicíssimo é quase a mesma coisa, mas prefiro o bem-aventurado. Fica mais bonito, é uma palavra sagrada do meu imaginário, e para mim é mais pura, mais santa. Símbolo religioso é símbolo religioso, não dá pra mudar, senão perde o brilho, não é mesmo?

Pois é, uma perseguição assim faz a comunidade se fragmentar. Ela se volta “para dentro”, embota, passa a dedicar todo o tempo na tentativa de resolver problemas que não têm solução. Mateus está muito preocupado com esse assunto. A comunidade não pode parar e nem se matar. Uns matam tirando a vida do outro e não percebem que morrem juntos. Outros matam negando o perdão, e também não percebem que a falta de perdão é homicídio seguido de suicídio: primeiro mata, depois se mata; se mata, mas fica vivo, sempre se lembrando do que poderia ter sido, mas não foi, e morre diariamente uma morte consciente. Então o perdão não é uma questão de opção, mas necessidade de sobrevivência. Mateus é bastante claro: tente resolver o problema, caminhe com o ofensor, mas resolva logo, enquanto está no trajeto, isto é, enquanto for possível mudar a situação. De que adianta resolver algum problema depois de 10, 15 ou 20 anos? A situação não poderá ser mais modificada ou consertada, porque não dá pra refazer a história, o tempo passou, o cenário mudou, a vida mudou, a história é outra, e o perdão vira apenas um problema de consciência. A pessoa passa a sentir paz interior, mas isto é muito pouco. No último momento, faz a pessoa despedir-se da vida em paz. Teria sido melhor se tivesse vivido em paz.

O perdão é uma dádiva de Deus. O problema é que tem prazo de validade. Sinto muito.

Pastor Natanael Gabriel da Silva

sábado, 21 de julho de 2012

SAUDADE DA ALEGRIA



“Torna a dar-me a alegria da tua salvação...” Salmo 51.12a.

Não, salvação aqui não tem o sentido cristão, lamento muito. Era mais uma questão do próprio reinado. Perder o Espírito Santo, longe de significar o sentido cristão de presença dinâmica, era o que dava a Davi a autoridade de governo. Daí o receio dele ser lançado longe da presença do Senhor. Perderia o que sobrara. Já ficara pelo caminho a sujeira com Bate-Seba e Urias. Só faltava o reinado, e teria ido também, não fosse a oração do Salmo 51.

Não sei se Davi depois disso se tornou uma pessoa alegre, se é que algum dia tenha sido. Agora, que tem hora que a gente tem saudade da alegria, isso tem. Nem sempre ela vai embora por medo, feito Davi que perdera a paz por conta do mal que ainda poderia acontecer. É, Davi estava mesmo apavorado. Pavor do futuro. Ficou olhando este o que fez a alegria sumir, porque a alegria é como uma florzinha, muito, mas muito, delicada. Eu sei que você também acha que ele deveria se juntar à alegria, desprezar o medo e sair pro abraço. Dá a impressão que poderia ter escolhido entre uma e outro, mas é que a alegria às vezes some do mapa. Outra coisa entra na frente, feito muro, e fica de atravessado. Você não sabe se foi avalanche, o que sobra, ou uma ponte caída, o que falta. O caso é que você fica empacado e a alegria vai embora como se escoasse pelo ralo. Não dá tempo de segurar. Essa tal da alegria é frágil demais! Não fica empurrando ou brigando pra encontrar espaço. Ela simplesmente murcha. O profeta Joel um dia disse que a alegria também seca. E como seca! Não briga por nada, porque senão seria fúria, não é mesmo? Ela se recolhe como quem gostaria de ter partido e não foi e daí se esconde. Onde? Pois é, procurar a alegria é um nó. Ela vai se ocultando por detrás das emoções, disfarçada de um modo que ninguém a reconhece. Migra no tempo e vai para o futuro.

É por essa razão que você não deve confiar muito na alegria, quando se trata de passado. Você tem que ficar esperto, porque ela quase sempre idealiza o que foi. Faz você esquecer as coisas duras e ruins e acaba por reinventar dias que não existiram. Isso acontece demais! Daí você fica com saudade do que nunca existiu, parecido com Israel que tinha saudade das cebolas do Egito. Mas como pode isso? A alegria não tem jeito mesmo, quando não some, inventa.

Agora, se você deve ter cuidado quando se trata de passado, com o futuro é completamente diferente. Ela idealiza também, mas daí já é combustível. Ela abre os horizontes, como se fosse cortina em dia de sol e aponta com o dedo pra esperança. Não vai ser sempre assim! Ufa! Que bom! Tem que ter uma saída, não é mesmo? É a porta do amanhã, e assim a alegria e a esperança puxam a gente pra frente. Tem hora que o puxado é arrastado, meio na marra, noutras vezes é ensaboado, liso, que faz a gente escorregar sem freio. Vamos viver! Estamos quase lá! Pode ser uma terra prometida depois de quarenta anos de deserto, um retorno quando terminar um cativeiro de sete décadas, ou um paraíso perdido, que está tanto no passado como no futuro. “Regozijai-vos sempre no Senhor, outra vez vos digo, regozijai-vos” (Fil. 4.4). Não olhe pra mim, olhe pra frente, dizia Paulo. É, eu sei que é triunfalista. Faz a gente esquecer a tragédia da vida, os dramas, as lutas, e Karl Marx que me desculpe, mas não é alienação, é saúde, desejo e confiança. Não é preciso entendê-la, mas ninguém sobrevive sem a alegria. A alegria entende de esperança, e a esperança entende de alegria: “ o choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã” (Salmo 35.5). 

pr. Natanael Gabriel da Silva

quinta-feira, 19 de julho de 2012

O DÉCIMO PRIMEIRO MANDAMENTO



“E, quando Jesus ouviu isso, disse-lhe: Ainda falta-te uma coisa...” – Mateus 18.22

Dos conhecidos dez mandamentos, Jesus menciona cinco ao príncipe e acrescenta mais um, que não estava no programa, nem na história, na verdade não estava em canto nenhum. O príncipe, descrito por Mateus, se aproxima de Jesus e faz afirmações contundes. Primeiro diz que Jesus era bom mestre. Depois diz que Jesus sabia como fazer para se obter a vida eterna.

Por bom mestre, estaria o interlocutor esperando que Jesus fosse bonzinho com ele? Bonzinho mesmo. Que desse uma tarefinha só pra cumprir tabela. Afinal, o que poderia haver de mais difícil além daqueles cinco mandamentos, ou até dos dez, cumpridos na inteireza? É daí que entra o décimo primeiro mandamento, que não estava nos manuais da espiritualidade e nunca ninguém tinha mencionado antes. O décimo primeiro mandamento não era pra se fazer nada, era o príncipe mesmo, a pessoa dele. Ele deveria desfazer-se de tudo, voltar sem nada, só ele, como pessoa e corpo, limpo das escamas da construção social humana, dos benefícios do possuir e da prepotência. Gente pura, pessoa e coração, sem absolutamente nada, nada do que se pensa ter, nada do que se faz ou do que se pensa fazer. Só ele, pessoa. Jesus dizia algo como: Fazer você já faz demais, só falta você, mas só você.

Mandamento diferente, não é? Você é o décimo primeiro mandamento; só você, sem nada pra oferecer, apenas vida e  vontade. Este mandamento não está nos manuais e não tem como cumpri-lo apenas com aparências, porque não é um texto, mas pessoa. Também não tem conteúdo; é apenas vida e rendição.

Pastor Natanael Gabriel da Silva

terça-feira, 17 de julho de 2012

DO OUTRO LADO DO JORDÃO


“Quando houveres passado o Jordão...” – Deuteronômio 2.12a.

Era o sonho, atravessar o Jordão e tudo ser diferente. O Jordão era a fronteira, não entre um lugar e outro, mas dividia o passado do futuro o sonho estava lá, do outro lado. Não deveria dar errado porque a terra era uma promessa. A caminhada de quarenta anos teria que valer a pena. O período do cativeiro tinha ensinado muita coisa, e com certeza, os que nasceram no deserto e que entrariam na terra, tinham nascido no tempo do sonho e do desejo. Uma geração nova, novinha, começaria um novo tempo de justiça de paz.

A certeza era certeza mesmo? Bem, pelo sim ou pelo não, Moisés lançou doze advertências sob a forma de maldição, que se trata do viés negativo do decálogo, ou, dos dez mandamentos. Uma maldição atrás da outra; coisas que deveriam ser evitadas quando chegassem do outro lado e que versavam sobre fidelidade, a Deus e ao próximo. Coisas simples como honestidade, autenticidade e pureza. Daí eu pergunto: atravessamos o Jordão ou ainda estamos do outro lado?

Continuamos errando no básico, no que é essencial e simples. A vida não poderia dar no que deu se as pessoas praticassem simples condutas de amor, companheirismo, autenticidade, transparência e pureza. Coisa espontânea, sem necessidade de vigilância ou punição. Ninguém corrompendo ou sendo corrompido. Nada de guerras pelo poder. Na verdade, nada de poder. Nada de fome. Todo mundo num jardim, nus, conversando com Deus, todos os dias no entardecer.

É, acho que a gente só atravessa o Jordão nos sonhos e nos desejos. Mas é preciso que ele esteja lá pra nos dizer que a vida pode ter outros caminhos. Hoje, cada um de nós, terá o privilégio de contemplar a outra margem e sonhar diferente.

pr. Natanael Gabriel da Silva

segunda-feira, 9 de julho de 2012

COISA DE CRIANÇA



“E ele lhes disse: Por que é que me procuráveis? Não sabeis que me convém tratar dos negócios de meu Pai?” Lucas 2.49

Coisa de criança é coisa de criança. A gente observa e ri o riso afetivo como quem vê a cria e se projeta admirado com a vida. As frases depois ficam na cabeça da gente, desde a fala, ainda quando resmungo. Fica ainda o timbre da voz, o tom, e até as expressões faciais que nunca mais serão recuperadas. Saudade gostosa da voz doce e das perguntas, uma atrás da outra, sem tempo de pensar! Brotam naturalmente os por quês. Vão saindo, e não dá tempo nem da gente pensar numa resposta, que lá vem outra pergunta. Uma avalanche de quem tem ânsia de compreender a vida e encaixar tudo certinho. Só que, talvez, crescer seja mesmo um aprender a conviver com perguntas.

Coisa de criança, coisa de um Jesus criança, conversando com doutores no Templo e que ninguém entendeu, ou procurou entender, apenas ouvir: “Não sabeis que me convém tratar dos negócios de meu Pai?”. Que negócios? Que Pai? Tratar do quê? Uma criança, que pouco sabia sobre Pai, que não entendia de negócios e não tinha condições de fazer nada pra cuidar deles. José nem se deu conta ou trabalho de ficar pensando. Esqueceu porque não fazia sentido e nem tinha futuro. Maria, como mãe, também não sabia do que se tratava, mas mãe é mãe, e guardava tudo no coração.

Só que, uma criança no Templo conversando sobre o sagrado, não dava pra entender mesmo. Estava perdida havia três dias, sem pai e mãe, não sentiu falta deles, nem saiu em busca. Uma criança que já entendia que os negócios do Pai não era o comércio ou a carpintaria. Era outra coisa, e o Pai, não era o pai. Jesus criança, no Templo, queria saber mais. Foi procurar respostas, provisórias é claro, porque aqueles sacerdotes, pouco mais de vinte anos depois, encomendariam por trinta moedas a vida dele. Só que isso só foi depois. Naquele dia Jesus fora à fonte fazer perguntas e ouvir, pra depois perguntar de novo. Três dias de conversa, não sei se o tempo todo, mas isso não importa muito. Estar no templo perguntando já era um absurdo. Talvez desejasse saber sobre a Páscoa, já que o assunto de terem ido a Jerusalém fora esse. Qual o significado do cordeiro? O que significou a libertação do Egito? Como foi a nossa história? O que cremos? Como nos tornamos o que somos? Quem foi Moisés? O que significa ser um sacerdote? Templo? O que é um templo? Deus morava ali? Por quê? Desde quando? Foi sempre assim? Perguntas, perguntas, perguntas. Foram essas? Como foram respondidas? O fato é que, duas décadas depois, a própria criança responderia a tudo isso com a vida: o cordeiro daquela festa seria Ele; seria também o libertador, reescreveria a Lei de Moisés, assumiria a condição de sumo sacerdote, o templo seria o seu próprio corpo e o Senhor ira agora morar no coração humano, este sim como lugar sagrado.

Não sei se foi isso, mas poderia ter sido. Só sei que uma criança, orientada e cuidada pelos pais, foi levada um dia pra Jerusalém numa grande festa de libertação, como uma memória viva, quando aparentemente tudo o que povo sofrera era recuperado bem fresquinho na mente e no coração. Começou cedo Jesus, não por conta própria, precisou ser conduzido para depois ir além. E quando aos doze anos disse que deveria cuidar dos negócios do Pai, quem poderia levá-lo a sério? Era coisa de criança que adulto não entenderia jamais, e Maria precisou estar tanto ao pé da cruz, como na ressurreição, pra compreender que, coisa de criança, é coisa séria e que ela, afinal, tinha feito a lição de casa: um dia apanhara Jesus pela mão e o levara a um encontro consigo mesmo.

pr. Natanael Gabriel da Silva

sábado, 7 de julho de 2012

A JUSTIÇA DO REINO



“Mas buscai primeiro o seu reino e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas.” – Mateus 6.33

Pela natureza proverbial, uma vez que Mateus recuperava um dos estilos literários do Antigo Testamento, cada ideia do chamado Sermão da Montanha se refere ao todo, e o todo também está incluído em cada parte. É assim que se lê o livro de Provérbios, e do mesmo modo este Sermão. Tem o imaginário de ter sido proclamado no monte, e Moisés só poderia ser reescrito se Jesus o fizesse do mesmo modo. Ao reescrever novos parâmetros, Jesus traz um novo sentido de justiça: começo, meio e fim numa linha só.  O mundo interior é o começo. A vida, a caminhada. O Reino, o fim.

E a justiça do Reino parte da alegria superlativa. São dez bem-aventuranças, dependendo de como se estuda ou se divide, só para ficar mais próximo de Moisés, e não tem problema se o número não for esse, afinal os Dez Mandamentos também podem ser doze; o que vale é a aproximação. Com ou sem números, na justiça do Reino tem que haver pacificadores, gente que se sente inapto para a vida, que chora a angústia da existência, que pense na guerra perdida e superada pela humildade, gente com fome de justiça, mas da justiça do Reino e que tenha muita misericórdia no coração. Na justiça do Reino tem sal e luz, porque quem vive tão bem-aventuradamente, tanto salga como irradia luz, e não tem como não ser o que é; nela o que vale é o relacionamento e nenhuma celebração religiosa é mais importante que a convivência e o perdão. Não adulterar, não basta, é preciso ir além. É preciso ter autenticidade, pois dizer isso ou aquilo, qualquer um diz, mas só o Senhor sabe o que se passa no coração. Na justiça do Reino, o amor é a própria justiça. Justiça que dá a outra face, do caminhar além do esperado e possível, e não cabe ódio em relação a ninguém, nem ao pior inimigo. Depois, a justiça do Reino é movida à oração, a partir do cubículo onde só cabe quem ora, e dá-lhe Pai Nosso. Tem também o autocontrole, na justiça do Reino. O corpo sendo submetido à falta de alimento só pra mostrar que ele não é mais importante que a profundidade da alma. E, é claro, na justiça do Reino o tesouro não é o que se tem nas mãos, mas no coração, e depositado no céu. É uma justiça que gera descanso, além dos pássaros e lírios. Nada de julgar ninguém por nada, cada um deve cuidar de seu cisco, ou do poste enfiado no olho, e aqui é o típico discurso de uma coisa que não deveria caber noutra, como a rosa no espinho de Gióia Júnior. Pelo caminho, o Reino e sua justiça estarão de um lado como porta estreita e do outro, bem, deixa o outro lado do outro lado, por mais fácil que seja, não é mesmo? No final, como o Sermão começou num monte, tem que terminar com a rocha onde se deve construir a vida. Começara na terra com a incompreensível felicidade, visitara o Pai Nosso nos céus, chegara às alturas com os pássaros, encantara-se com a beleza dos lírios, pra no final voltar ao chão, pra casa que se constrói sobre a rocha, pra dizer pra você, e para mim, que a Justiça do Reino é possível, e deveria ser perseguida e desejada, sem tempo de descanso; que uma casa numa rocha é uma coisa, na areia é outra, e você escolhe onde quer construir.

Essa é a Justiça do Reino, começo, meio e fim. Do coração à vida, da vida ao Reino.

pr. Natanael Gabriel da Silva

sexta-feira, 6 de julho de 2012

SINGULARIDADE



“E ele disse: Tenho sido muito zeloso pelo Senhor, Deus dos Exércitos, porque os filhos de Israel deixaram o teu concerto, derribaram os teus altares e mataram os teus profetas à espada; e eu fique só, e buscam a minha vida para ma tirarem.” I Reis 19.10

Não era uma afirmação verdadeira: Elias não estava sozinho. Só que era real, pois não podia negar o que sentia. Eu também acho que ele supervalorizava o que era ou fizera. Seu lamento, a visão sobre si, a fragilidade de toda uma nação e ainda a ameaça de morte, somados, concorriam para que estivesse ali. Ali e só.

Pode-se pensar, e não seria errado, que Elias não estava no lugar certo. Só que era o lugar certo dele, para ele, numa necessidade de Deus que só ele possuía; para ter uma conversa com o Senhor que foi apenas dele, mesmo que fosse entre terremoto, fogo e voz mansa. Um período de silêncio. Uma caminhada de quarenta dias sozinho e que lembrava os quarenta anos de Israel pelo deserto, na mesma trilha, voltando ao ponto de partida a encontrar-se com o Senhor do passado, dos tempos imemoriais, da história e da vida.

A leitura sugere que Deus parou, como se não fizesse mais nada, só para conversar com Elias. Não é verdade, mas é. Pelo menos para ele, Elias, Deus só estava lá, porque no lugar da solidão profunda não cabe mais ninguém. Singularidade e isolamento, e o mundo se reduz a uma conversa com o Senhor como se você fosse único/a. Embora não seja assim, Deus lhe responde como se fosse e faz milagres só para você. Não, não é individualismo consumista pós-moderno. É apenas experiência e presença de Deus, para alguém, como você, que é singular em toda a humanidade.

Pr. Natanael Gabriel da Silva