segunda-feira, 22 de outubro de 2012

BEM-AVENTURADOS OS LIMPOS DE CORAÇÃO



“Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus” – Mateus 5.8

É, ser limpo de coração não é nada fácil. Eu sei que tem a ver com o ter sido purificado, perdoado e relançado na vida pra um reinício. Só que está também relacionado ao histórico, ao que se constrói. Na linguagem cristã, não basta fazer o certo, do modo certo, é preciso antes de tudo avaliar as intenções e os desejos. Só que não são apenas as intenções e os desejos que legitimam uma ação. Claro que não. É a tal da justiça que deve exceder, e o que está em discussão são os valores de amor, fraternidade, perdão, ou, seguindo as recomendações anteriores, ser pobre de espírito, suportar as profundas adversidades, responder com mansidão, desejar a justiça sem vingança e dar-se como misericordioso. Isto é, distribuir, ensinar, viver e respirar a misericórdia.

O ser limpo de coração é um problema, porque uma vez marcado, marcado para sempre. Arrependimento vai, arrependimento vem, perdão vai, perdão vem; justificativas para se ter feito uma coisa ou outra também vão, e junto o histórico de relacionamentos. Este é parceiro da lógica, bem estruturada, e que fundamenta o que foi feito como necessário ou natural. Só que a marca, é a marca, e a memória registrará o evento como um alerta para os dias futuros. É difícil, porque culpas: quem não as tem? Ter feito alguém sofrer, quando deveria ampará-lo/a, quem já não fez isso? E a infidelidade? Tanto pra quem doeu, quanto pra quem fez doer, é dura não é mesmo? E um dia lá vem o sentimento ilhado, morto e amordaçado (Fagner) e emerge num momento vivo, como se tivesse sido ontem. Você vai precisar desta lembrança para ser pessoa, não vai deixar de ver a Deus por conta disso, mas vai ter que conviver com a memória só pra saber que é humano, perdidamente humano.

É, a limpeza do coração vem como uma recomendação: cuidado com a vida, os eventos e as pessoas passam, mas tanto a memória como a consciência, não podem ser transferidas. Não é fácil ser assim. Exige escolhas. É uma construção que não pode ser demolida. Difícil, muito difícil. Agora, quem consegue, é feliz, muito feliz, é bem-aventurado.

pr. Natanael Gabriel da Silva

sábado, 20 de outubro de 2012

BEM-AVENTURADOS OS MISERICORDIOSOS


“Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia.” Mateus 5.7

Misericordioso é aquele que, não sendo alvo da misericórdia, desencadeia a partir dele os atos de misericórdia. Como se fosse fonte. Pois é simples, de certo modo, ser apenas condutor, porque a maioria de nós é apenas canal por onde passa o amor, e só sabemos responder com o amor quando somos amados. Saber responder até que dá, mas movimentar o que não foi recebido e ensinar um caminho ao impiedoso, que este não conhece, não é nada fácil. É como aquele princípio que nos mostra que as virtudes não podem ser dirigidas. Alguém não pode ensinar o outro a odiar determinadas pessoas e ao mesmo tempo selecionar a quem deve ser direcionado o amor, porque são princípios de vida. Ensina-se a amar, e quem aprende ou convive com a virtude do amor e é embalado por ele, distribui e é tomado por uma ingenuidade incompreensível. Difícil, eu sei. Quase um sonho, mas é assim que funciona.

A ingenuidade do misericordioso, que pela misericórdia, tenta ensinar o agressor que há um caminho melhor, é sofrida demais. O misericordioso não pode impor a misericórdia, porque isto a corromperia. Também não pode exigi-la porque não depende de uma determinação, mas de um modo de vida. E modo de vida se ensina com o modo de vida. Só que o misericordioso tem o lastro e a paciência da espera. Receberá misericórdia, um dia sim. É a esperança que não o faz desistir. Não é porque não saiba fazer diferente, nem pelo fato de concordar com a opressão, e muito menos por sentir-se culpado de não ter sido contundente e agressivo quando dele foi requerido. Não há culpa. Apenas esperança. Não é retroalimentado, como se a misericórdia batesse e voltasse. Tem apenas uma direção. Não é apenas um canal de misericórdia, é fonte. Nasce nele e sai para o outro.

Amar sem ser amado/a, responder com paciência quando a própria natureza humana indica outra direção, e não permitir que o mal do outro contamine a virtude da misericórdia que se possui, é muito difícil. Dificílimo. Coisa que nem o superlativo dá conta. Agora, se você conseguir, será feliz, mas muito feliz. Será um/a bem-aventurado/a.

pr. Natanael Gabriel da Silva

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

BEM-AVENTURADOS OS QUE TÊM FOME E SEDE DE JUSTIÇA


“Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos.” – Mateus 5.6

Essa é a bem-aventurança do sofrimento consciente. Quando Mateus escreveu o texto, os cristãos sofriam mais que uma perseguição religiosa: se tornara política. É, perseguição política, ninguém merece. Vem com a força do poder e deixa de ser horizontal, onde residem os credos populares construídos no cotidiano, e se verticaliza na brutalidade e desumanidade dos dogmas ou das leis. Aí não há muito a ser feito, porque as armas do poder são exatamente aquelas que, rejeitadas, nos tornam cristãos. Foi por essa razão que Jesus, em muitas ocasiões, saiu de cena e quando foi pra Jerusalém e entrou no ringue com o poder religioso e político, sabia que perderia. Só que não perdeu, porque nem o poder político, nem o religioso, esperavam uma ressurreição. Tem sempre um milagre para além do poder, e que este não pode ver, porque não tem instrumento pra isso. O poder só sabe olhar pra baixo.

Pois é, um sofrimento insuperável, mas também a consciência de que tal sofrimento era injusto. Não é fácil separar a fome e a sede de justiça da vingança e só quem as possui é capaz de avaliar entre umas e outra. Um meio-fio que faz diferença, porque quem tem o desejo de vingança é um infeliz. Não sabe quem é. Não enxerga o outro, nem a si. Tem ódio, não amor. Tem o desejo de fazer o outro sofrer, mas não que a justiça de fato prevaleça. É apenas um beligerante perdedor. Um destruidor, porque não quer que a justiça seja construída, quer apenas a demonstração de que, de algum modo, ele estava certo. Quem tem fome e sede de justiça não se preocupa em demonstrar que o mal sobre o outro é importante pra provar a própria retidão. Não, não tem. Quando a justiça vem sobre o outro, quem tem fome e sede de justiça, chora o sofrimento de quem um dia o fez sofrer. Não há alegria, do mesmo modo que não houve quando Jesus, na cruz, suplicou o perdão para quem o agredia por falta de conhecimento do que estava sendo feito. Jesus foi feliz em dizer isso, mas não o fez com felicidade.

Então, se você for capaz de sofrer de forma consciente a injustiça que lhe foi imposta, e depois sofrer de novo por conta da justiça que recaiu sobre quem o fez sofrer, será um/a bem-aventurado/a. Feliz mesmo, muito feliz. Porque ser vingativo e beligerante, em nome de Deus ou de qualquer poder, qualquer um pode. Agora, recolher-se no silêncio e chorar duas vezes, é só para quem tem um coração singular. Um coração bem-aventurado.

pr. Natanael Gabriel da Silva

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

BEM-AVENTURADOS OS MANSOS


 “Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra.” Mateus 5.5

O contrário de manso é ser violento, nervoso, comportar-se com brutalidade, em atos ou sentimentos. Semelhante é aquele que é calmo, gentil, amigável, paciente, afável. Alguém que se coloca na condição de servo e que só deve a obediência ao seu senhor. E isso é difícil, ora se é. A violência é mais fácil, e o desejo de responder à altura sai liso, rápido e certeiro. Naturalmente o ser humano responde deste modo, e quando pensa que não deveria fazer, já fez. É um ponto, uma resposta, sem futuro ou espera, como um pingo. Daí a mansidão ser singular porque tem que ser paciente. Não acontece de um momento pro outro, nem tem resultados imediatos. Na verdade, quando se exerce a mansidão, não se deve esperar qualquer resultado, porque pode frustrar quem não encontra a resposta do ter sido, ou cansaço do nunca chegar. A mansidão não se resolve com uma mudança de cenário histórico, e quando o fato se esgota, a mansidão não termina porque não está associada a um evento, mas à pessoa. Vão se alternando os dias, as coisas vão se modificando, e o paciente é tido como quem não age, não faz, não se importa ou não vê. Ledo engano! Quem exerce a mansidão não tem pressa, não faz uso da força que possui, nem lamenta a fraqueza de ter sido vencido. É, tem gente que se dá como possuidora de mansidão, mas confunde isso com a falta de coragem ou recursos, pois se os tivesse, há muito as coisas teriam sido resolvidas de outro modo. Só que, quem faz a opção pela mansidão, se comporta de forma voluntária.

Um dos detalhes mais interessantes da parábola do joio e do trigo é o ensino da mansidão. Espere. Só espere. Esperar quanto? Esperar até o fim, lá no final, bem no limite, quando então um e outro serão separados, mas não faça por si, nem agora, nem amanhã, espere, nordestinamente espere. Espere o Reino dado. Você não o conquistará mediante a força. Na verdade não o conquistará de nenhum modo. O Reino é herança.

É difícil esperar. É difícil suportar. É muito difícil não corrigir o que deve ser corrigido, porque desde sempre aprendemos que a voz profética tem que ser aguda, imediata, declaradamente condenatória e corretiva; imediatamente já. É difícil saber esperar, aguardar o tempo de maturação, porque a demora pode consolidar a perda e o desterro. Pois é, pode, mas não necessariamente. Ensinar a vida com a mansidão, consciente do mal, tendo suportado o sofrimento por conta dele, mas deliberadamente assumir o prolongamento do tempo como cura, não é pra qualquer um. Agora, se você conseguir, será um/a bem-aventurado/a. Muito feliz, superlativamente feliz.

pr. Natanael Gabriel da Silva

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

BEM-AVENTURADOS OS QUE CHORAM



“Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados” – 5.4


As bem-aventuranças semeiam esperança. Você pode optar por um espírito de amor, se recolhendo numa atitude de completa ausência de reação, e se dar como um pobre de espírito. Um pobre que herdará um Reino. E herdar aqui, é herdar mesmo, receber sem nunca ter merecido, nem programado. Apenas receber. Não será pobre de espírito numa condição sem fim, e num dado momento herdará um Reino, que não pode ser mensurado, e não é um Reino no sentido do poder, nem necessariamente rico. É só um Reino, e o mais próximo que se possa compreender, é que será dos céus.

Quem chora, também não vai chorar pra sempre, mas há de aprender a suportar o tempo de angústia, porque sofrer faz parte da vida. Chorar também é difícil. Tão difícil como ser pobre de espírito, porque chorar é recolher-se. É um estar ensimesmado, viajando pra dentro de si, um purgar a injustiça como forma de libertação. É um cuidar-se e praticar a terapia da própria alma. Não é inferioridade, nem autocomiseração, muito menos o ser reconhecido/a pelo sofrimento. Não está relacionado ao gerar comoção pra se tornar alguém. É apenas canalizar a agressão e submeter o desejo de morte ao controle da vontade, e optar pela própria dor, do que causar a dor no outro. E quando Mateus escreveu isso, o tempo era de perseguição e morte. Não era possível resolver nem a perseguição, nem a morte, mas havia uma terceira via. E a terceira via, bem a terceira via, é para poucos. É a via pra dentro, do silêncio e da esperança. Difícil, muito difícil, mas se você conseguir será um/a bem-aventurado/a. Porque o consolo será infinito e mais intenso que a dor, e a presença de quem consola e cuida, será incomparavelmente mais forte que a tragédia.

Não é uma questão de vitória, nem de querer afirmativamente determinar que, algum dia, quem faz sofrer colherá, finalmente, o próprio dano. Nada disso. É apenas esperar o afago. É também querer que um dia, quem fez sofrer, também encontre a mesma paz e o mesmo abrigo, e se torne parceiro/a do favorecimento. Eu sei que isso é difícil, mas muito difícil. Agora, se conseguir, você será muito feliz, feliz mesmo, um/a bem-aventurado/a.

Pr. Natanael Gabriel da Silva


domingo, 7 de outubro de 2012

BEM-AVENTURADOS OS POBRES DE ESPÍRITO



“Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos céus” – Mateus 5.3

Jesus andava com os pobres, até porque ele mesmo não tinha nada. Os pobres, incluindo Jesus, haviam sido expropriados pelo sistema religioso e poder público, sob o domínio dos romanos. Por conta disso, Jesus menciona que o tesouro verdadeiro é outra coisa, e que, diante de qualquer ofensa, deve ser oferecida a outra face, que nem sempre é suficiente porque algumas pessoas desejam mais faces do que às vezes possuímos. Sofrer em razão de um sistema religioso daquele, desumano e politiqueiro, e sofrer em decorrência do domínio político externo, ninguém merece. Ninguém suporta. Agoniza. Adoece.

É difícil, muito difícil. É mais fácil responder com a mesma força, energia e determinação. Exigir e morrer lutando em defesa, agredindo como é agredido, enfurecer-se, desejar o mal para quem faz o mal, talvez a morte pela morte, a miséria pela miséria, a dor pela dor, e de repente o oprimido se torna igual ao opressor.

Por ser difícil, muito difícil, Jesus disse que se você conseguir passar por tudo isso, mantendo a fome e a sede pela justiça, o que mostra que não há concordância com o que é feito, será um bem-aventurado. Isto é, você rejeitar a ser igual ao agressor, isso é muita felicidade, de tão difícil que é. Feliz, mas feliz mesmo. Você continua sendo quem é e, conscientemente, sofre sem fazer sofrer e se torna diferente do ofensor, só porque continuou sendo quem é, tentando semear a misericórdia, e desejando a vida ao invés da morte, a paz ao invés da guerra, a liberdade ao invés da opressão. Num dado momento o Senhor diz pra você: é por aqui. Você não imaginava que havia uma porta, logo perto. Você simplesmente a abre e sai por ela, e continua sendo quem foi e é, sem alimentar os males que naturalmente emergem de uma situação de conflito. Ser beligerante, qualquer um consegue. Matar é fácil, tão fácil que a narrativa bíblica diz que o primeiro ser humano a morrer, não foi de causa natural, porque ser agressivo, injusto e exigente, qualquer um pode ser. Agora, se você conseguir superar tudo isso, será mais que feliz, muito feliz; será um bem-aventurado.

Os conflitos e situações são passageiros. As virtudes e os males são carregados dentro no coração, daí a pessoa sai da situação, mas a situação não sai de dentro dele. Bem-aventurado, mas muito feliz mesmo, se você conseguir ser diferente.

Pr. Natanael Gabriel da Silva