Ou como dirás a teu irmão:
Deixa-me tirar o argueiro do teu olho, estando uma trave no teu? – Mateus 7.4
A expressão de Jesus, antes de
qualquer coisa, se refere à obscuridade teológica.
Então estive presente, nessa
semana, numa discussão inusitada. Uma organização, não expressamente bíblica
(Ordem dos Pastores do Estado de São Paulo), tentava decidir sobre a não
inclusão das pastoras (cuja ordenação é colocada sob suspeita de não ser
bíblica), e se estas, biblicamente, poderiam pertencer à agremiação.
Não entendeu? Eu também não.
Karen Armstrong, que aqui entra
para dar peso acadêmico ao discurso, diz que o fundamentalismo é mesmo muito
contraditório. Não é pra menos, porque tudo gira pelo eixo do pré-conceito. Pré
mesmo. O que vem antes do conceito e é mais puro, mais legítimo do qualquer
outra coisa, pois está antes de tudo, e quando você já começa a pensar no
assunto, não vale mais, porque pensar é estar no universo do conceito, e o
pré-conceito, como diz, vem antes. Daí você tenta dizer que o equívoco está no
fato de se tentar trazer para a vivência da igreja o modelo social da tribo, do
tempo quando Israel ainda nem era Reino, antes de Saul, da época dos juízes;
diz que a questão da ausência de mulheres no colégio apostólico pode significar
um monte de coisa, que não é possível fazer exegese do que não existe, que a
questão dos problemas da igreja de Corinto eram pontuais, que a tal da
submissão da mulher no casamento não significa opressão, que casamento é uma
coisa e a questão do gênero é outra, e cada um organiza a vida familiar como
quiser; que não dá pra transformar possíveis regras de organização social em
doutrina, senão teríamos que voltar pra tribo, sinagoga, ancião, roupão, e até
o hebraico como expressão legítima e única da língua do sagrado; que a
recomendação para as mulheres serem submissas não é dita para o homem; que Jesus
valorizou as mulheres, que havia profetizas, que Júnia poderia ser mulher,
blá-blá-blá, blá-blá-blá, blá-blá-blá.
Pois é, só que tudo está no
universo conceitual, do questionamento, coisa que o pré-conceito nem dá
importância. Não é uma questão de reflexão, mas de conceito antecipado, que nem
conceito é, está antes dele, por conta disso o fundamentalismo reafirma que a
ausência de mulheres no grupo de Jesus é proibição, que se há submissão da
mulher ao marido, então uma casada não teria como pastorear uma comunidade, que
os ditos de Coríntios, e somente os referentes à mulher, são válidos para todo
o sempre amém. Então um amigo meu, que é contra a inclusão feminina, disse pra
mim, Natanael eu respeito a sua opinião, e eu não to nem aí com o respeito
dele, porque faz este discurso a partir da situação e quando a coisa virar,
como é que vai ser? Vai fazer igual ao outro que criou uma ordenzinha
particular na própria comunidade: dizendo-se bíblico, criou o que o texto não
diz, mas vai reafirmar solenemente que se o texto não manda, pelo menos não
proíbe, só que isso também só é válido nesse caso, e quanto às pastoras, que o
texto também não proíbe, tem que ser interpretado de modo contrário, entendeu?.
E se isso não for preconceito, desculpa aí, seria o quê?
Então fica nisso, um grupo não
expressamente bíblico, tenta fundamentar biblicamente a não inclusão das
pastoras, sem considerar biblicamente o preconceito, a desumanidade, a
segregação, o que é o amor cristão, o sacerdócio real de todos os santos, e por
aí se vai. E dá pra dialogar com esse discurso? É desumano,
preconceituoso, retrógrado, medieval, de péssimo gosto, de hermenêutica e
exegese ruins, de uma negação do próprio fundamentalismo porque faz exegese de
palavra que não existe, e quando o texto não diz significa uma coisa, quando o
mesmo texto continua não dizendo, se for no caso das pastoras, significa outra
coisa. Tudo isso num mundo que prima pelo diálogo, igualdade de gênero,
abertura, inclusão, liberdade e cidadania.
Um dia a gente cresce.
Natanael
Gabriel da Silva