quinta-feira, 31 de maio de 2012

O REINO E A VINHA


“Porque o Reino dos céus é semelhante a um homem, pai de família, que saiu de madrugada a assalariar trabalhadores para a sua vinha.” – Mateus 20.1

Pai de família, gente boa e honrada. Faz tudo direitinho. É trabalhador, acorda cedo e sai de madrugada. Daí o pai de família arruma trabalhadores, um grupo pela manhã, outro depois, outro ao meio-dia, e de três em três horas ia chegando gente. Pra acertar as contas, o pai de família, gente boa e honrada, paga igual pra todo mundo e tanto faz chegar cedo ou por último, porque o pai de família, gente boa e honrada, é mão aberta e faz mais o que deseja, e parece que o mais importante era mesmo que as pessoas somente aceitassem trabalhar na vinha dele. Teve gente que chegou ao cair da tarde e ganhou como se tivesse trabalhado o dia todo, porque o pai de família, gente boa e honrada, tem coração grande e quem anda com ele há mais tempo é igual a quem anda com ele agora, porque o importante é estar na vinha.

Reino de Deus é isso, e pra quem só entende a linguagem da produção e do dinheiro, precisa dormir, ou acordar, com esta: o importante no Reino dos céus é estar na vinha, mesmo que você ache que já é tarde demais. Tarde é um conceito produtivo, que divide o tempo e o conta por causa de recompensa e pagamento. A questão não é o pagamento, já que é igual pra todo mundo. Não existe meio pagamento de vida, nem vida pela metade, ou um terço de vida. Na vinha do pai de família, gente boa e honrada, a pessoa pensa que vai trabalhar, mas vai é pra vida. Basta querer estar na vinha, pegar a mochila, ou não pegar nada, porque às vezes o tempo é tão curto que não dá nem pro lanche, e pegar o rumo levado, porque o pai de família, gente boa e honrada, não só chama, leva e carrega. Entrar na vinha, ou entrar pra vida, é uma coisa só.

O pai de família, gente boa e honrada, espera que você também venha trabalhar na vinha dele.


pr. Natanael Gabriel da Silva

terça-feira, 29 de maio de 2012

NADA A DECLARAR


“Lembra-te destas coisas, ó Jacó, ó Israel, porquanto és meu servo! Eu te formei, tu és meu servo, ó Israel; não me esquecerei de ti. Desfaço as tuas transgressões como a névoa e os teus pecados, como a nuvem; torna-te para mim, porque eu te remi.” – Isaías 44.21,22

Duas lembranças, uma promessa, uma ação e um pedido.

1ª. Lembrança: “... és meu servo”
2ª. Lembrança: “... Eu te formei”
Uma promessa: “... não me esquecerei de ti”
Uma ação: “Desfaço as tuas transgressões como a névoa e os teus pecados, com a nuvem...”
Um pedido: “... torna-te para mim, porque eu te remi”, isto é, já te perdoei. No passado mesmo, antecipado e por inteiro.

Confesso: fico constrangido em ler o texto e pensar que o Senhor me faz um pedido. Um pedido que me favorece. Alguém pedir para que eu faça alguma coisa, pra que esta coisa seja para o meu único e exclusivo benefício. O Senhor pedindo algo a mim que sou devedor, ingrato e não sei por onde ando. Uma pessoa como eu, cheia de limitações, emoções e pensamentos complicados e o pouco que sou, devo única e exclusivamente a Ele, e não sou melhor por culpa minha. Daí, num dia como hoje, uma manhã tão cheia de sol, que Ele me deu, ouvindo as vozes das crianças que vem da escolinha, onde a vida respira como promessa e encanto, me deparo com o Senhor, não me convidando, mas pedindo “torna-te para mim”; dá ou não pra sentir vergonha? Dá ou não para ter constrangimento? É, não vou entender nunca a razão dEle me amar tanto!

Não tenho mais nada a declarar: o amor dEle me constrange.


Pr. Natanael Gabriel da Silva

sexta-feira, 25 de maio de 2012

NASCER OUTRA VEZ

(O texto abaixo foi publicado em março de 2009, no boletim da Igreja Batista Central de Sorocaba. Em princípio tinha outros termos ainda mais ousados e herméticos, da linguagem própria daquele tempo, mas que foram substituídos sob pena de incompreensão. Foi bastante criticado, negativamente é claro, e talvez seja essa a sua contribuição. Na dinâmica da informalidade da língua, já está desatualizado. Eu mesmo, em algum momento, ri com o que escrevi, e antes que caduque de vez, se é que isso já não aconteceu, fica aqui postado neste espaço público. Tenha paciência, é só um texto)


 
Mano, se você pensou que vou falá de João 3, tá ligado?, errou. Depois falo disso. Tô falando de game, tá ligado? Também não pense que vou dizê que jogá game tá errado, véio. Tem game da hora, meu. Tbem não tô defendendo os viciado em jogo, tá ligado? Qualquer vício, cara, tem que sê reprô, meu. Ficá morgando na máquina, meu, sem praticá esporte, tipo assim, ficá sem trabalhá, sem igreja, não tá com nada, tá ligado?

Quero falá de game, mas de outro, tipo assim, achá que a vida é um game, tá ligado? No game, você fica do mal ou do bem, e não faiz diferença. É isso aí. Tem game que você fica matano gente, tipo passano por cima de gente com carro e ganhando ponto cada vez que mata alguém, tá ligado? Parece brincadeira, mas o negócio é que a vida fica vazia, meu. Fica controlada pela gente, tipo, basta utilizá o controle. É meu! A vida não é isso, tá ligado? Primeiro porque não é a gente que controla. Depois porque não dá pra ficá escolhendo o lado bom ou ruim na hora que a gente qué, tá ligado? Não tem essa não, numa hora você é do mal, noutra do bem. Tem não, cara. Depois voltá a sê do bem, e quando qué volta a sê do mal, detonando tudo. Cara, isso dá um nó na cabeça da gente. Daí você fica copiando e admirando bandido, tá ligado? Tipo assim, falá como bandido, tá ligado?, se vestir como bandito, tá ligado?, ser irresponsável como um bandido, tá ligado? Um bandido gasta tudo o que tem, porque depois fica fácil, tipo, tirá de outra pessoa, tá ligado? Daí você acha que não precisa ser responsável com a vida. É cara, isso não é beleza, mano! A vida, mano, a gente constrói dia-a-dia e não tem como reiniciá a máquina, tá ligado? Se der tilt, se a máquina da vida travá, acabô meu, acabô mesmo, não tem como deletá ou apertá o power pra dá um shut down. Não tem programa de inicialização, nem anti-vírus, cara. Apavora, mano.

Mano, a vida não é um game que, quando a gente morre, nasce noutro canto com toda a energia recuperada meu. A vida é diferente, é coisa séria, tá ligado? Você vai por um caminho e não tem volta. Sabe aquele game que você fica tentando encontrá uma saída? O negócio é que no game sempre tem uma saída, você procura, procura, se cansa, dá volta, volta pelo mesmo caminho, passa de novo e fica procurando até encontrá a tal porta. Meu, isso só acontece no game cara: sempre tem um jeito. Você acha que a vida é um game?  Na vida não tem disso não! Tem hora que você entra num canto, tá ligado?, e não tem porta, cara. O pior é que quase sempre não dá pra voltá! Isso é mal, muito mal. Na verdade, meu, mesmo que volte, nunca será o mesmo, tá ligado? E quem já viveu no mundo dos babados, bicho? Véio, dificilmente não vai deixá de ser meio lerdinho, tá ligado? Esse negócio do cara achá que vai usá droga e depois saí quando quisé, meu, é furado. Se conseguir sair, nunca mais será o mesmo meu, nunquinha, du-vi-do-dó.

A vida é uma só, véio. Se você detoná, acabô, meu, acabô mesmo. Não tem esse negócio de nascer noutro lugar. É daí que entra João 3, tá ligado? Nascer de novo mano, não é nascer noutro lugar. No game você nasce noutro lugar e começa de novo a matá inimigo daqui e dali que você já sabe onde tá. Daí fica fácil. Seria bom se a vida fosse assim, tá ligado? Sabe a besteira que você fez? Pois é, se fosse no game, você voltaria pro passado e consertaria e não deixaria o carinha te matá, meu. Véio, na vida não tem disso não. A besteira fica, mano. É aí que entra João 3. O Novo Nascimento de João não é nascer em outro lugar não. É nascer no mesmo canto, enfrentá coisas nova, só que de modo diferente, tá ligado? Você não nasce noutro lugar. Você nasce de novo, véio, dentro de você mesmo. É um negócio que apavora, meu! Detona, cara, muito déis, loucura, véio. Não dá oportunidade pra você voltá no tempo, isso não dá, mas dá oportunidade pra você consertá o futuro mano. Parece game, só que diferente. Você muda o que vem depois.

Desculpa aí cara, mas se você continuá como tá, vai se dar mal meu. Você precisa mudá o futuro, tá ligado? Tem que pará de achá que a vida é um game, véio. Você não tá no controle coisa nenhuma meu. Tá nada. Você tbem não fica achando que pode ficá dum canto pro outro, ora do mal, ora do bem, nada disso. O que você precisa não é nascer noutro canto, passá de fase, morrer e nascer quando quisé mano. Sai dessa cara! Você precisa nascer de novo dentro de você mesmo. Mó legal cara. É isso aí, João 3 detona! Apavora! Você precisa nascê de novo e só Jesus pra fazê isso meu. Daí, véio, é só alegria. Fui.

pr. Natanael Gabriel da Silva

SEM DECRETO




“Então o rei Dario escreveu aos homens de todas as nações, povos e línguas de toda a terra: Paz e prosperidade! Estou editando um decreto para que em todos os domínios do império os homens temam e reverenciem o Deus de Daniel.” Daniel 6.25,26

Eu sei que a decisão de Dario teve um efeito político favorável; que observado o evento para quem vive a pós-modernidade dos nossos dias, quase não a compreendemos. Religião e política são duas coisas complicadas, e não raras vezes se associam e se beneficiam contra aqueles que afirmam defender.

Foi contra tudo isso que Jesus lutou. Combateu os decretos, especialmente os de natureza religiosa. Mostrou o que significa servir ao Senhor da Casa de Oração, esteve diante do poder, conversou com ele, não pediu favores e, portanto, nunca ficou devendo nada a ninguém. Só que disse que onde estiver o seu tesouro, aí estará também o seu coração. Disse mesmo. Afirmou que do coração procedem todas as intenções da alma e sempre, quando conversava com alguém que lhe pedia alguma coisa, ia logo perguntando, pra muitos, algo que poderia ser interpretado assim: “Em relação ao que me pede, o que você acha? Como sente isso dentro de você? Qual a possibilidade de Deus lhe defender? O que sente?” Daí fazia o que precisava ser feito, com ou sem aprovação, por fim se deu em ato solitário. Em muitas ocasiões colocou-se sozinho na presença de Deus e ainda recomendou que cada pessoa deveria era entrar no próprio cubículo, onde só cabe quem entra, e ali, na mais profunda solidão, iniciar um diálogo com Deus. A cruz foi um cubículo e acho nunca houve um lugar mais solitário que aquele.

Sem decretos. O encontro com o Senhor é um mistério absoluto do coração. Lugar da liberdade completa e centro de decisões. Nada de imposição, política, ou manipulação. Lá você, é você; um você sem corpo, sem aparência, um autêntico puro. Apenas o Senhor e você, nada e ninguém mais.

pr. Natanael Gabriel da Silva

quarta-feira, 23 de maio de 2012

AMOR, PRINCÍPIO E FIM




[Jerusalém] “Chora e chora de noite, e as suas lágrimas lhe correm pelas faces; não tem quem a console entre todos os que a amavam; todos os seus amigos procederam perfidamente contra ela, tornaram-se seus inimigos.” Lamentações 1.2

Se você leu o texto acima, deparou-se com um dos mais trágicos registros do Antigo Testamento; quase uma descrição jornalística da destruição de Jerusalém. A decepção foi com a falta de socorro: quem a amava, deixou de amá-la. Jerusalém ficou só. Iria ficar só mesmo e era apenas uma questão de tempo. Olhou para o Senhor, observou os reinos prósperos que a rodeavam e preferiu confirmar a estes o próprio futuro.

O amor de pessoas, ou de reinos, também falha. Não deveria ser assim, mas é. Todos sobrevivemos num emaranhado de relações múltiplas, desejando respirar, cada qual, os próprios sonhos e desejos. Por essa razão somos indivíduos, indivisíveis, numa unidade complexa desconhecida até para si. Você sequer pode confiar no próprio amor; como entregar o futuro para outrem? Pois é, esta é a desconfiança que gera a guerra, a solidão e o abandono. Só que sozinhos também, não sobrevivemos. Que coisa triste: precisamos dos outros para nos tornar pessoa, como diria Carl Rogers e, ao mesmo tempo, não sabemos conviver.

À parte disso, vale a sua integridade. Só você sabe a razão de amar, suas motivações e afeto. A fonte dessa integridade, honestidade e transparência, é o Senhor. Nem Jerusalém suportou um amor efêmero. Por conta disso Jesus recomenda: primeiro amar a Deus sobre todas as coisas e depois o próximo como a si mesmo. Nesse caso, a ordem dos fatores altera o produto. Só se aprende a amar com o Senhor: Ele é o princípio e o fim do amor. Nele, não há solidão.

pr. Natanael Gabriel da Silva

quarta-feira, 16 de maio de 2012

O LIMITE DO NADA



“e disse: Nu saí do ventre de minha mãe e nu tornarei para lá; o Senhor o deu e o Senhor o tomou; bendito seja o nome do Senhor.” – Jó 1.21

Bonito, mas incompreensível. O insucesso é quase um atestado de insuficiência social. Ninguém, após a quebradeira, volta para casa e agradece a Deus por ter perdido tudo. É mais fácil o questionamento, o sentimento de impotência, a dor, a incompreensão e não raras vezes, a depressão, a doença que separa a vontade e o desejo, quase numa ruptura. O desejo levou você onde o corpo não suportou; um ou outro entrará em estado de fragmentação, talvez os dois.

Jó manteve a integridade porque não separou a vontade do corpo. A nudez, para Jó, era o limite do nada. Ninguém consegue perder mais que a roupa, e o corpo para ele já era o bastante, por ser a habitação da vida. O futuro já estava traçado, e ninguém se despede da vida com o que ajuntou. Perder faz parte, porque tudo o que o ser humano construir, com certeza perderá, pelo menos para si. O Senhor o deu, e eu aproveitei; o Senhor o tomou, e não me fará falta, basta-me o corpo nu, a vida e a consciência de quem sou e, principalmente, quem Deus é. Difícil de entender. Nem os amigos de Jó acharam que isso poderia ser assim.

Não é uma notícia boa para um dia que começa: tudo o que você fizer, construir, pensar, discutir, lutar, desejar ou buscar, pelo menos pra você, já está perdido, antes de ser possuído. Se você perdeu a vida pelas coisas, quando estas forem embora, a vida irá com elas. Não foi o caso de Jó.

pr. Natanael Gabriel da Silva

terça-feira, 15 de maio de 2012

UMA PALAVRA, APENAS




“Maldito o dia em que nasci; o dia em que minha mãe me deu à luz não seja bendito.”

Dia, ou tempo, ruim pra Jeremias. Nada mais, nada menos, que Jeremias, o profeta. Possivelmente depois, diria que as misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos, porque elas não têm fim. Só que isso foi depois, porque parece que a chegada ao Paraíso ou Terra Prometida, sempre vem na trilha de um caminho duro, um deserto. Feliz foi Adão que já nasceu dentro do jardim. Acho que foi o único, e nem assim foi garantia de obediência.

Só que Jeremias não estava em conflito com o Senhor, nem com ninguém, mas consigo. Está impaciente com as suas limitações em não conseguir suportar o sofrimento. Inconformado, aquele povo tinha tudo para não passar pelo que passaria, mas escolhas são escolhas, e às vezes, ou quase sempre, os caminhos do deserto são resultado de uma geografia construída. A pessoa olha para o Senhor, o Paraíso, e escolhe colocar no meio do caminho um deserto. O deserto não estava lá, mas aparece. Deserto pequeno, longo, médio, com bastante penhasco e pedras, ou só areia, aí o ser humano, individual ou coletivo, vai colocando a gosto.

No mesmo texto, Jeremias celebra a presença de Deus e lamenta a própria existência, pra confessar que somos vítimas das nossas próprias escolhas e se, numa remota possibilidade, bem remotíssima, fosse possível, num sonho, uma vida só com base na recomendação de uma única palavra, amor, de imediato não haveria mais guerras, nem gente passando fome, e não seria necessário nem religião. Ninguém caçando ninguém, nem drogas ou traficantes. Uma só palavra e o mundo já não seria mais o mesmo, e nunca mais alguém se lamentaria de ter nascido. Começar a amar: será que conseguiremos um dia?

pr Natanael Gabriel da Silva