(resposta a um artigo de jornal - um pedido de desculpa à minha pastora)
Deixou, pois
a mulher o seu cântaro, e foi à cidade, e disse àqueles homens: Vinde e vede um
homem que me disse tudo quanto tenho feito; porventura, não é este o Cristo?
Saíram, pois, da cidade e foram ter com ele [Jesus]. -
João 4.28 a 30
Caso Jesus fizesse parte de uma das comunidades que conheço,
que bem poderiam ser identificadas como “as igrejas das donas de casa”, certamente
teria dito aos homens que chegaram noticiados por uma mulher, que a vinda
deles não valia, que seria necessário começar tudo de novo, que apenas um
homem, o autorizado a falar, proclamar e ensinar, teria legitimidade pra dizer alguma coisa em nome de Deus. Então vamos fazer assim, diria Jesus, eu vou
chegar outra vez perto do poço, você, é você mesmo, você que é homem, chefe de
família vem também se aproximando, é assim mesmo, com a sua mulher, isso, daí
ela vai ficar olhando a gente conversar, depois então você vai pra cidade, porque
o evangelho que estou anunciando será exclusivo dos homens, mesmo que isso
pareça teatro.
Pois é. Não foi assim. A mulher, que ficou conhecida como
adúltera pelos intérpretes (homens é claro), que bem poderia ser a samaritana,
como tem sido corrigido, não tinha o perfil esperado das igrejas das donas de
casa, embora cuidasse da família quando de sua estada no poço. Estava tudo
errado, e Jesus também. A vida dela era fora dos padrões: havia se casado cinco
vezes. Conversou com um estranho. Não conversou respondendo perguntas, não. Fez
colocações sérias. Mostrou conhecer a história de seu povo, expectativas, os lugares do sagrado, sabia o que era um profeta, não só sabia como
dava-lhe crédito, entendia da promessa da vinda do Messias, não só da vinda,
mas da missão dele, o que ele provavelmente diria, qual seria o seu perfil, e
tanto sabia que fez o encaixe entre o que pensava e a pessoa de Jesus e não
teve dúvidas: “não é este o Cristo?” Pergunta retórica, porque antes retornou
pra cidade, sem cântaro, sem nada, pra ser mais rápida, não deu água a beber a Jesus,
como este pedira; sem dúvida, a convicção faz a pressa.
Assim se fez, feita de vocação e missão para uma cidade
inteira, a primeira pastora-missionária, antes de Paulo, antes da famosa e
discutida confissão de Cesaréia por Pedro, antes dos milagres narrados por
João, já que o único milagre que vira fora o de ter tido contato com o espelho da
própria vida, ter conversado com uma pessoa que, ao falar dela e sobre o seu
passado fez com tanto respeito e humanização, que ela simplesmente o viu como
um profeta, não interrompeu o diálogo, nem revidou com agressividade. Daí você
fica pensando se o reconhecimento dela de que Jesus era o Messias teria sido em
razão do diálogo de profundidade, ou se pelo tratamento humano que recebera, ou
se tudo isso estava misturado, o humano e o divino, a pessoa e o gênero, o ser
humano e sua individualidade, sua história e esperança. É claro que as
comunidades, ou as “igrejas das donas de casa”, alienadas, expropriadas por um
falso cristianismo que não entende do humano, nem da história, nem das leituras
das injustiças causadas pela violência do sagrado, muito menos de interpretação
bíblica, embora dela falem como inerrantes interpretes, diriam: Sim-senhor; não-senhor,
faço-sim-senhor, estou-aqui-senhor, e assim confirmariam que a nossa caminhada
na libertação feminina ainda está longe, mas longe, muito longe, de ser considerada a legítima luta contra um dos pecados sociais mais antigos da história.
Será verdade que ainda estamos discutindo os direitos da mulher?
Natanael Gabriel da Silva