“Jesus entrou no
templo e expulsou todos os que ali estavam comprando e vendendo. Derrubou as
mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas, e lhes disse: Está
escrito: A minha casa será chamada casa de oração, mas vocês estão fazendo dela
um covil de ladrões.”
Tem oração de um jeito e tem oração de outro jeito, e a casa
entra como o lugar do sagrado, como portal, diria Eliade, onde o sagrado
finalmente acontece, para além do tempo, tudo parado, suspenso, feito o céu de João, mesmo que por
menos de meia hora. E o lugar sagrado, é sagrado. Só serve para o encontro, só
tem uma natureza, um significado e um excesso de sentido que sequer precisa de
palavras, porque o que menos importa são os sons, mas o estar e talvez o melhor
seja mesmo a solitude, a contemplação, o êxtase, o entregar-se como pertencido
e se tornar o que ali se conquista, num todo inseparável, daí segue apenas o
soltar-se como se pudesse ser levado para qualquer lugar, sem sair, porque não
há espaço, e você nunca irá saber se foi o Senhor que invadiu a sua alma, ou foi
a sua que invadiu e espalhou-se no coração de Deus. Mas, que importa?
Estar estando, ou estar não estando, e o não-estando ficara
por conta dos comerciantes, gente vendendo de tudo para viver do sagrado, embora do lado de fora e à margem dele, num ato de mágica como se fosse possível separar o sagrado do profano. Contudo, ali ficavam olhando para o outro lado, não
para "dentro", pois nem sabiam direito que "dentro" seria esse, e esperavam os peregrinos que
vinham de longe. E era gente de todos os lugares que aparecia para a
formalidade dos atos de adoração e sacrifícios, e para não trazer a oferenda nas
próprias mãos, para que da pomba só sobrasse as penas, os devotos traziam moedas de todos
os cantos, as trocavam ali na entrada do Templo, tendo em conta que o sagrado estaria depois dali, e compravam o que dava, entravam no lugar
da oração e ali sacrificavam o dinheiro em forma de coisa, como se vida fosse.
E assim veio Jesus a restabelecer a casa de oração, expulsou os comerciantes e encheu a casa, que parecia menos que Templo, mas não era, de cegos e mancos e
ali os curou para que o sagrado revelado na aprovação do divino fosse inquestionável,
pois no lugar onde Deus havia, só poderia haver Deus, e qualquer milagre ali
seria o resultado direto e sobrenatural de Sua inconfundível presença. Depois
vieram as crianças, no contraste do narrador à insuficiência de uma religião
ritualista e preconceituosa. E se no lugar do sagrado não houver espaço para crianças, cegos e mancos, não será casa de oração.
E foi assim que casa de oração se tornou o lugar da
ingenuidade e dos excluídos, e nunca mais voltou a ser isso outra vez.
Natanael Gabriel da Silva