sábado, 30 de julho de 2011

ADOLESCÊNCIA, MEDO E MADRUGADA




“De novo o Senhor chamou: ‘Samuel’...” – I Samuel 3.6a

Sempre fiquei meio intrigado com a história de Samuel conversando com Deus na madrugada. O meu conceito sobre Deus o associa à luz, criação do dia, estrelas que brilham no deserto e por aí se vai. É claro que não estou me esquecendo das pesadas nuvens escuras do dilúvio, ou do medo que teria causado um mar se abrindo em reboliço. Até aí tudo bem, o dilúvio anunciava uma catástrofe, e a abertura do Mar Vermelho também - senão dos judeus, os egípcios que o digam! O Apocalipse, nem se fala, é tragédia pra todo quanto é lado – senão dos cristãos, os condenados que o digam!

Agora, numa noite, aquela voz entoada, lenta, cantada, calma, solitária, sussurrada alta, como se fosse um grito baixo, mas bem no pé do ouvido, deve arrepiar os ossos, é ou não é? Não era esperada. Deus não falava fazia muito tempo. Quando Deus fala, fala de que jeito? Samuel não sabia. Não dava pra identificar e deve ter levado um tremendo susto! Depois correu pra Eli, não sei se querendo mesmo saber a razão de tê-lo chamado, ou como desculpa de adolescente que quer dormir na proteção. “- Não te chamei”respondeu Eli. Samuel voltou e ficou quieto, talvez para sonhar outra vez com a vida. Madrugada é bom pra isso e às vezes serve até pra dormir. Samuel e sua vida aberta como um livro a ser escrito! Precisava começar com um sonho, na pré-adolescência, na madrugada, uma voz na noite e o medo. Eu sei que você vai dizer que estou redondamente enganado, ao invés do medo deveria ser temor, que é o respeito movido pela submissão. Hoje quero pensar diferente, pois acho que a gente precisa reaprender a ter medo de Deus. O Apocalipse é um livro que, por um lado, desperta medo. Jacó estava com medo do irmão, o que foi bom para quebrar-lhe o orgulho. Imagina como teria sido o clima em Sodoma? Ló saindo e só barulho! No que este medo teria influenciado a sua vida, não faço a menor idéia!

O medo é o arrepio do impacto, do instante inesperado, do que não se sabe o que é. É um cair do cavalo na estrada de Damasco: “- Quem és tu, Senhor?” O medo faz perguntar pela identidade e ameaça; tenta compreender e ao mesmo tempo quebra a gente, na hora. Desestrutura, simplesmente não deixa pensar em nada, e a resposta fica suspensa por um instante, como se a vida tivesse parado numa ausência completa de barulho. É o espanto, o desassossego, o desequilíbrio, é a resposta mais primitiva e inconsciente de quem perdeu o rumo de casa. É o repentino e, ao mesmo tempo, o desabrigo e o desamparo; desprotegido, sozinho, único, sem resposta, e sem ajuda. Apenas medo.

O temor cheira à liturgia. Poderá ser um pouco mais intenso ou não. Tem menos mistério impactante. O temor tem o mistério do que não se consegue compreender depois de pensado, já o medo vem no flash, no clarão, sem prevenção ou preparo e exige uma resposta que já tem que estar no buraco da agulha. Às vezes vem na madrugada, quando tudo está quieto; aquela voz que surpreende, chamando pelo nome como se fosse alguém que tivesse a capacidade de invadir os sonhos. E tem.

Medo na adolescência, da gente mesmo, da vida, dos sonhos, do futuro e até de Deus: Quem não precisa disso?

sexta-feira, 29 de julho de 2011

O HÓSPEDE


“Então Salomão disse: O Senhor disse que habitaria na escuridão. Eu te edifiquei um templo para morada, um lugar para tua eterna habitação.” – II Crônicas 6.1,2

Foi assim que Salomão decidiu libertar Deus de seu estado de solidão, construiu um templo para abrigá-LO, para sempre. Para sempre, sempre, sempre. Com o Templo vieram as regras e os sacerdotes antes tribais, agora urbanos, se transformaram em funcionários do Estado e a corrupção correu solta. Como naquele tempo os impostos vinham através do Templo, então o lugar de Deus transformou-se na Receita Federal.

Salomão não entendia, e talvez fosse exigir demais dele, que o fato de Deus habitar na escuridão, ou nuvens espessas, ou ainda nuvens escuras, conforme a tradução, não era punição. Talvez Salomão não conhecesse a narrativa de Gênesis, para afirmar isso, só podia ser.

Que Templo que nada! Nem cidade. De certo modo, tinha que ser tudo destruído pra que finalmente o ser humano pudesse compreender um pouco mais da plenitude de Deus. Fez-se carne, morreu, ressuscitou e voltou para as “espessas nuvens” de Salomão, que é o lugar dEle. Disse mais, que habitaria no coração das pessoas, não nas paredes, nem mesmo nos credos, mas teria a liberdade de ser quem é. O coração não é a nova prisão de Deus, não senhor, não senhora! Deus habitando no coração é a liberdade, e é daí que também somos levados às “densas nuvens”, ao invés de aprisionados aqui é Ele que nos leva para lá, onde mora, onde não tem morte, nem dor, templo ou religião.

É, no seu coração cabe muita coisa. Pode caber só você mesmo, como Salomão que disse “Eu fiz”, “Eu construi”, “Moro sozinho no meu coração e Deus mora lá na casa chique que construi pra Ele". Agora, se quiser fazer diferente, seja hospede do próprio coração e dê lugar à plenitude do Senhor. Creia, é a melhor coisa que alguém pode fazer.

Pastor Natanael Gabriel da Silva

quarta-feira, 27 de julho de 2011

PRA QUE ISSO?



“Entretanto, certo homem, chamado Ananias, com sua mulher Safira, vendeu uma propriedade, mas de acordo com sua mulher, reteve parte do preço e, levando o restante, depositou aos pés dos apóstolos.” – Atos 5.1,2

Você não entende, eu também não, mas quando se pensa em relacionamento do ser humano com Deus já teve, e tem, de tudo. Lembra de Moisés? Pois é, com sarça ardente que nunca vira e só poderia ser o milagre do milagre, ficou esticando a conversa sobre o não ir em frente e fazer o que deveria. Não dá pra entender, não é mesmo? Gideão foi outro. Quando Deus conversou com ele, ficou pedindo um sinal, era um tal de novelo de lã no tempo e que só caísse orvalho sobre ele, era um tal do mesmo novelo, no mesmo lugar e, apesar do orvalho molhar tudo, ficar o novelo seco na noite seguinte, e só obedeceu depois. Até Gideão achou que estava abusando, pediu desculpas, mas não dá pra entender que uma pessoa seja capaz de colocar toda uma vida e ministério à espera de um sinal assim, não é mesmo? Também creio que foi ingenuidade, mas é complicado. Pra que isso, né?

Já Ananias e Safira não foram ingênuos, mas entraram para a história da inacreditável tentativa de enganação. Pode alguém fazer uma coisa dessas e o Senhor não saber? Tinham visto Barnabé e queriam se igualar a ele, senão de fato, pelo menos na aparência. Pode isso? O casal ainda achava que o Senhor não ia ver! Mas, pra que isso?

O ser humano faz coisas que não dá pra entender. Numa hora sente-se sozinho, mesmo sabendo que Deus sempre está presente; às vezes pede o que não deve, e em alguns casos, nem sabe porque pediu aquilo. Faz coisas achando que Deus não vê e tenta passar pelo que não é.

Não precisa ser assim, você não acha? Vamos fazer diferente hoje?


Pastor Natanael Gabriel da Silva


terça-feira, 26 de julho de 2011

CAMINHANTES



“Levantem-se, vão embora! Pois este não é o lugar de descanso, porque ele está contaminado, e arruinado, sem que haja remédio. Se um mentiroso e enganador vier e disser: Eu pregarei para vocês fartura de vinho e de bebida fermentada, ele será o profeta deste povo!” – Miquéias 2.10


Caminhar faz bem. Foi assim que nasceu o povo de Deus, caminhando. Deus chamou Abraão e este caminhou para um lugar que não sabia onde era. Fixou termo com os primeiros descendentes, mas logo teve que caminhar de novo para o Egito no tempo de Jacó. Depois caminhou de volta e desta vez foi mais demorado. Quem saiu do Egito, não chegou à Terra Prometida, salvo apenas dois. Até Moisés morreu antes de cruzar o Jordão. Depois das conquistas, idas e vindas, coisas boas e outras trágicas, lá foi  o povo reiniciar a marcha para o desterro, de novo. Ficaria muito tempo, para depois o retorno para o recomeço, pedras de um lado, pedras de outro, e os que primeiro chegaram encontraram Jerusalém num verdadeiro caos, miséria e fome. Daí veio Miquéias e disse, tá na hora de partir de novo. Partir de novo não por conta da terra, porque quem constrói a vida é o caminhante. Caminhante que destrói a vida e que não pode se fixar num lugar, porque lá vem a morte. Culpa do caminhante, é claro. Caminhante não pode viver no Paraíso, mesmo que tenha saudade dele, tem que caminhar pois enquanto caminha pensa no depois, sonha com o que está à frente, não se julga dono de nada e vai depender de proteção para andar de peito aberto, sem lenço e sem documento.

Jesus também foi um caminhante. Ensinava e caminhava, mostrando que a vida é um trânsito sem fronteira, e foi fixar residência na cruz, final e começo da jornada. Não ter onde reclinar a cabeça, porque o onde é lugar que não terá importância quando o próprio caminhante não sabe quem é.

Quando o caminhante, que não se conhece, fica num lugar ao invés de plantar comida, segundo Miquéias, planta a bebedeira e quem faz isso assume a condição de líder e profeta, porque quem não sabe quem é, gosta do pecado, o abraça, vive por ele e se empanturra. Assim não pode parar, pois se parar peca, faz o que não deve porque não sabe quem é.

De certo modo, nos tornamos o que somos, porque esquecemos o caminhar. Não pensamos no futuro, na eternidade, no dia de amanhã que se transformou apenas em preocupação do dinheiro, do carro novo, roupa nova, e como diria Belchior ironicamente: “Será que alguém se atreve a ir além do Shopping Center? Hein?”.

Você irá caminhar mais um dia. A pergunta é: Para Onde? De que modo?


Pastor Natanael Gabriel da Silva

sexta-feira, 22 de julho de 2011

MILAGRE AGORA NÃO!

“E, descendo com eles, parou num lugar plano, e também um grande número de discípulos, e grande multidão de povo de toda a Judéia, e de Jerusalém, e da costa marítima de Sidom;” – Lucas 6.17

Gente de todo quanto era lado, com todo o tipo de carências, limitações físicas, doentes mesmo, talvez com fome, sem trabalho numa terra conquistada e expropriada pelos Romanos, estes uns verdadeiros devastadores e sanguinários, aqueles miseráveis sem rumo na vida ou esperança. Eles tinham vindo em busca de cura, outros endemoninhados, se naquele tempo houvesse drogas seria como se fosse uma cracolândia, no meio do lixo, sujos, esfarrapados e se Jesus quisesse, e queria, tinha muito milagre pra ser feito. O texto de Lucas diz que eles queriam tocar em Jesus, talvez por conta de serem muitos, não dava pra Jesus fazer uma cura aqui, outra ali, conversar com um assim, outro assado, porque a miséria era muita, e as pessoas iam sendo curadas, até que Jesus parou, peraí todo mundo sentado, milagre agora não, agora é hora de escutar. Levantou os olhos, projetou a voz, disse, não para baixo e poucos, mas a todos e começou: “Bem aventurados vós, os pobres, porque vosso é o reino de Deus”. Em Mateus o registro é mais ordeiro, lendo o texto até parece uma liturgia de sinagoga, Jesus fala sentado e todos meio quietos e começa com uma palavra parecida: “Bem aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus”.

Quem passa miséria, conversa não alimenta! Claro que alimenta. Alimenta, veste, dá banho, perfuma, enobrece, restaura a dignidade, e se não tivesse sido assim nem você e eu teríamos o Sermão da Montanha, que em Lucas virou da Planície, cuja importância está no comer, se deliciar como criança quando come frango com molho, manchar a cara, vai pingando porque a boca é menor do que se tem para comer e não dá pra engolir tudo de uma única vez. Milagre agora? Não. Agora é tempo de escutar.

Não sei se hoje você espera um milagre de Deus. Talvez sim. Respire um pouco, pare de pensar nisso e simplesmente se deleite no banquete da Palavra: “Bem-aventurados os limpos de coração; porque eles verão a Deus”. Se quiser mais, leia o texto de Mateus 5 ou de Lucas, lá você vai comer a entrada, o prato principal e a sobremesa e ainda vai ficar com fome.

Natanael Gabriel da Silva