“Mas, agora, vou para ti e digo isto no mundo, para que
tenham a minha alegria completa em si mesmos” – João 17.13
Alegria tem lado, isso tem. Eu sei que você conhece um pouco
da literatura apocalíptica e sonha com a alegria que está do lado de lá. Pois
é, discursamos tanto sobre a tragédia da vida que quase nos esquecemos de que a
alegria também está do lado de cá.
A linguagem gnóstica de João, no caminho do discurso
helênico, numa mistura quase sem possibilidade de ser separada de um
judaísmo latente, concebe o longo e emblemático discurso de Jesus, costurado desde a
despedida de Judas. O texto é rico em expressões de profundidade, superação de
sentido, quando a própria possibilidade interpretativa parece ficar sempre em
suspenso. E fica mesmo. Você lê, respira, pensa, indaga, entra na imaginação
literária e se dá como aquém da narrativa. Outro dia lê o texto de novo, e
mesmo sem entender, o entende. Acontece com você o mesmo que o narrado por Victor Hugo, em Os Miseráveis, sobre a Irmã Simplice: “Não lia outra coisa
senão um livro de orações, em grandes letras e em latim. Ela não entendia o
latim, mas compreendia o livro.”
É quase latim, ou grego, mas o “um novo mandamento vos dou:
Que vos ameis uns aos outros; como eu vos amei a vos...” faz parte desse
discurso. O “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida”, também. Tem ainda o “Na
verdade, na verdade vos digo que aquele que crê em mim também fará as obras que
eu faço...”, e Jesus falava, principalmente, da obra do amor, que desde o
início de sua fala está presente na longa despedida; amor antes e depois de sua
partida. Tem ainda o “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou...”, outra vez “O
meu mandamento é este: Que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei”. Nesse
discurso de excessos, entra também o imaginário da alegria, aquela que fica do lado de
cá.
Alegria que, de certo modo, iria substituí-lo. Precisaria
ser anunciada no mundo e a partir dele, para que fosse humana e tivesse
sentido, não como promessa, mas como presença. A ida e a despedida de Jesus não
significavam nem abandono, nem distanciamento. Seria uma partida presente, uma
espécie de despedida na qual o trem nunca sairia da estação, um adeus como se
fosse um olá, um acabou, mas que estava só começando. O Consolador seria a
presença do ausente, mas a alegria dos que ficavam, e que também não pertenciam como estranhos no mundo, se daria como completa por conta da promessa, que
também não era só promessa, mas presença e realização. Uma alegria triste,
consolada, cheia de perguntas e com muitos medos; alegria da nova aventura e do
tempo que se abria e era inaugurado. Alegria completa, porque precisava, e precisa, ser
perfeita para o enfrentamento do desconhecido. Não seria como a fé que mantém a
convicção do que ainda não aconteceu, ou do amor que estabelece a superação por
conta da união. A alegria faz parte disso, mas também é outra coisa. É um ensimesmamento, um para dentro da
alma, um descanso diante do desconhecido, um suporte que dá sentido ao que vale
a pena, uma incompreensão que acomoda os dramas e cria resistência. Ela não explica
tudo, mas causa o sentido da própria vida, não protege ninguém da tortura, mas
evita o sofrimento, não impede a morte, mas evita o desespero, não torna
ninguém mais corajoso, ou corajosa, mas concebe à alma a virtude de se
transformar em fortaleza. É capaz de ver coisas onde ninguém vê, tem a capacidade de gerar paciência e dialoga com a própria alma quando esta carece de conselheiro. Faz companhia para o solitário. Às vezes parece irônica, pois diminui o que se dá como ameaçador, mas só quem não entende de alegria é capaz de pensar assim, isto porque a leveza é uma das suas dimensões essenciais. Outras vezes emudece, porque tem hora que até a alegria se cala. E isso não quer dizer nada, apenas silêncio.
Foi assim que Jesus, naquele dia, transferia a alegria dele,
para se tornasse em nossa alegria. Fez isso e foi pra cruz.
Natanael Gabriel da Silva