quinta-feira, 28 de junho de 2012

O SAGRADO


“Este [Jesus] disse: Posso destruir o santuário de Deus e reedificá-lo em três dias.” – Mateus 26.61

Destruir o santuário era destruir o sagrado, e mexer com o sagrado, é um problema. O sagrado é onde as crenças são depositadas. A pessoa simplesmente acredita, venera, respeita, se submete, honra, e por aí se vai. Às vezes até sem muita justificativa ou explicação. Ele é construído pelas gerações, e quanto mais distante se fica do marco histórico inicial, o sagrado fica mais sagrado. O sagrado nem sempre é algo pensado, analisado, compreendido como verdade ou não. É algo que não pode ser modificado. Uma coisa sagrada é aquilo que, aparentemente, chegou à sua forma final. Não precisa ser consertado, porque senão não seria sagrado. Se transportado para outro local, só através de, também, um ritual sagrado, tanto pra ser levado, como pra ser trazido, porque o sagrado precisa sempre voltar para o local de origem. O sagrado é a referência, espelho, puro e perfeito.

Jesus olhou para o santuário, o lugar santo, o sagrado e sentenciou: Posso destruí-lo e reedificá-lo. De certo modo estava afirmando: O sagrado é uma pessoa, não um lugar, e eu sou tal pessoa. Só um Deus pode dizer e fazer isso. E quando Jesus ressuscitou ao terceiro dia, o sagrado tinha mudado de endereço. Agora ele se dava como vida, vencera a morte e se tornara eterna. Só Jesus podia fazer isso, e fez. Ao invés da pessoa entrar no espaço do sagrado, andando, celebrando e cultuando, é o sagrado que se aloja no coração do ser humano. Ficou pro lado de dentro, não de fora. É uma questão de postura de vida, não de ritual. Está nos valores, na vida transformada, e não no altar. Depois de Jesus, o altar, é apenas um altar, e a profundidade humana é onde Deus habita, não num templo.

Por onde você andar, se Jesus for o Senhor da sua vida, o sagrado ocupará o seu coração e o acompanhará na jornada de mais um dia.

pr. Natanael Gabriel da Silva

quarta-feira, 27 de junho de 2012

A CRUZ


“Ao saírem, encontraram um cireneu, chamado Simão, a quem obrigaram a carregar a cruz.” – Mateus 27.32

Carregou a cruz por obrigação, mas carregou. Não deu pra fugir. Simão estava de curioso acompanhando a novidade, e foi pego a laço. Marcos e Lucas afirmam que Simão estava vindo do campo, cruzou com a comitiva pelo caminho, e depois teve que voltar, Jesus à frente e Simão, com a cruz que não era dele, atrás.

Carregar a cruz quando não se tem nada com ela, não deve ser tarefa fácil. Simão poderia até ter resmungado. Humilhado, sem dúvida foi, porque o desfile era de morte e punição. É, Simão entrou pra história como aquele que não tinha nada a ver com nada, carregou o que não queria e acabou vinculado à vida de Jesus por onde quer que se conte o Evangelho. Tornou-se o contrariado, um cristão aproximado, quase perto, mais ou menos nos passos, chegou até o monte da crucificação e acompanhou Jesus nos seus últimos passos sem ser nada, nem admirador, nem seguidor, apenas uma força bruta sem vontade. Sumiu, do jeito que entrou: de passagem.

A cruz de Jesus não se carrega deste modo, por acaso, quase um acidente de percurso, obrigação e lamento. E não é todo mundo que carrega a cruz que se dá como cristão. Nem quem caminha após os passos dEle, mesmo que vá até o fim, ao pé do monte, e cumpre a sua tarefa por inteiro. O texto não menciona a ineficiência de Simão. Talvez ele tenha carregado a cruz com estilo, e até com disposição por conta do medo. Só que isso não é o bastante.

A cruz se carrega com o coração, não com os braços.

pr. Natanael Gabriel da Silva

segunda-feira, 25 de junho de 2012

DUAS MULHERES


Quem teve coragem de ungir os pés e a cabeça de Jesus? Quem? Duas mulheres, apenas duas mulheres. Uma que acrescentou ao perfume, as lágrimas. Jesus entrou e ela o fez entre homens letrados nas Escrituras. Tornou-se conhecida apenas como “pecadora” (Lucas 7.36-38). Ela não pediu nada, não esperou um milagre, não perguntou sobre alguma dúvida, tipo, quem vai se casar com quem na eternidade? Infantil demais! Uma mulher, que não era santa, não fez promessas, não pediu cura e nem filho. Era tão pecadora que se deu como indigna pra falar qualquer coisa (Ah, se eu quiser falar com Deus...); fez o que fez porque quis fazer, entrou e saiu de cena muda e foi perdoada pela atitude. Diferente, né? Pra nós que entendemos a confissão como uma declaração explícita, um perdão assim parece pouco comum. Não é verdade que Jesus nos surpreende de vez em quando?
Depois foi a vez de Maria. Outro vaso de alabastro, cheio de unguento caríssimo, outra mulher sem desejo ou exigência. A mulher Maria, que João coloca antes da entrada de Jesus em Jerusalém, foi e ungiu-lhe os pés. Se for isso mesmo, Jesus teria entrado em Jerusalém purificado do seu primeiro ministério e caminhado no espaço do sagrado, a Santa Cidade, como manda o figurino: sem poeira nos pés. Mateus e Marcos colocam o evento antes da instituição da Ceia, o que parece mais próprio, só que mencionam a unção sobre a cabeça. Foi perfume que escorreu pelo corpo inteiro. Sem dúvida, uma preparação para o sacrifício; sofrimento aliviado e corpo ungido, não por um sacerdote, mas por uma mulher.

Um ato de delicadeza. Eu sei que vai parecer machista demais, mas uma mulher fina, é uma mulher fina. Elas fizeram o que ninguém pensou e foram duas só pra mostrar que não foi por acaso. Não foi acidente de percurso, nem um evento perdido. Foi simplicidade, isso sim. Pureza também, que só um sentimento de maternidade poderia explicar. Maria, ao que parece, não sabia que o filho da humanidade seria crucificado, mas quem é que pode adivinhar qual será o melhor momento para a liberação do afeto? Ali tinha gente pra muita coisa. Uns queriam fazer planos financeiros pros pobres, outros, talvez, desejassem saber mais do discurso que Jesus fizera no Templo. Se você estivesse lá, o que iria preferir: ouvir ensinos de Jesus ou ungi-lo com perfume? No meu caso, literalista e acadêmico, postulante a aprendiz de Ciências da Religião, iria ficar fazendo perguntas sobre o que ele quis dizer com a expressão “Filho do Homem”, por exemplo. Iria querer saber onde entraria o profeta Daniel e em que sentido, e ainda fuçar sobre as parábolas, somar virgens com servos e talentos. Perguntaria se não dava pra explicar um pouco mais sobre esse negócio de castigo eterno. Eu iria ficar feito repórter querendo saber de tudo, uma resposta suscitaria outras perguntas e a corda não teria fim. Jamais iria pensar em perfume! Só que tinha também os do outro lado, os que pretendiam matá-lo. Gente se aproximando, olhando-o meio de canto, aguardando a ocasião. E em meio a tudo isso, uma mulher se preocupou com ele, Jesus, só com ele. Em silêncio, e o perfume era dela e Judas não tinha a ver com aquilo. Trezentos denários, numa avaliação de sobrevoo. E quem avaliou, em seguida, trairia Jesus por menos da metade. Era um homem.

Perfumes nos pés, na cabeça, escoando pelo corpo inteiro, quase um ano de trabalho derramado de uma vez, só pela disposição de agradar, sem pedir, exigir, querer, trocar, ser admirada ou reconhecida. Nada disso. Apenas derramar. Derramar com sobra, com sensibilidade, riqueza e poesia.

Daí eu pergunto: Não tinha que ser mulher?

pr. Natanael Gabriel da Silva

quinta-feira, 21 de junho de 2012

PELO CAMINHO


“Porque na muita sabedoria há muito enfado; e quem aumenta ciência aumenta tristeza.” – Eclesiastes 1.18

O Pregador, escritor de Eclesiastes, estava mesmo era desistindo da vida. É, tinha razões para isso. Ele estava cansado das duas âncoras: a sabedoria e o conhecimento. Quanto à sabedoria, em cada situação de vida, ele havia pensado, pensado, mas nunca tinha absoluta certeza de que o caminho escolhido estivesse correto. Era sempre uma questão de escolha e não tinha como fugir dela. De fato, nem ele, você ou eu, teremos a permissão de experimentar todas as opções, e voltar pra refazer o que não deu muito certo. Pensa-se muito, e a escolha será sempre apenas uma escolha. Quanto à ciência, ou seja, o conhecimento ou descoberta das coisas, o Pregador havia encontrado muitas resposta, mas para cada resposta surgiam inúmeras perguntas, parecia uma árvore que começa com um só tronco e depois vai se multiplicando geometricamente. Isto é vero: quanto mais se conhece, menos convicção.

Na verdade o Pregador está conversando consigo e conclui que, mesmo com toda sua a experiência, chegara a lugar nenhum. Isto incluía o ter sido rei. O Pregador era um “cientista” (conhecera as coisas), filósofo (sabia ponderar sobre os caminhos) e rei (detinha o poder supremo). Descobriu que tudo isso não significava nada. Viu-se como pessoa ao chegar ao fim da jornada. Não é à toa que estava triste. Tristeza de vida, do viver, do descobrir-se gente comum. Ele havia esquecido que, enquanto achava que a vida estava nessas coisas, a vida estava nele. Ele já vivia enquanto esperava ou buscava. A vida não estava num ponto futuro, como um horizonte: mesmo se aproximando a distância continua longe.

“É caminhando que se faz o caminho”, diz Belchior. É vivendo que se faz a vida, e um dia perdido não é um no qual se deixou de fazer isso ou aquilo. É um dia de vida que se gastou e que não voltará jamais. E o pregador, de certo modo, aconselhava: “Não fique correndo atrás do vento, não”. No final, também de certo modo reafirma: “Busque a profundidade de vida, desde a juventude, com o Senhor”. A vida não se resume em conhecer e encontrar caminhos, porque ela é o caminho.

pr. Natanael Gabriel da Silva

terça-feira, 19 de junho de 2012

ASSIM É DEUS



Mas era justo alegrarmo-nos e regozijarmo-nos, porque este teu irmão estava morto e reviveu; tinha-se perdido e foi achado.” – Lucas 15.32

A narrativa da parábola do Filho Pródigo poderia ser descrita assim: Numa época, bem remota, houve um filho que negou o seu estado de filiação, e resolveu partir. Sem motivo resolveu ir embora. Fascinado com outra vida, com outro mundo, e sonhando uma nova liberdade. Achou que poderia ter outros caminhos, acordar pela manhã e ver outras árvores, outras terras, outros campos e outras pessoas, que não fosse o pai e nem o irmão. De dois era o mais jovem. Sua ânsia em conhecer o mundo era irresistível. Desprezou o fato de ser filho, e não se importou muito com isso. Resolvera ir e foi. Foi para um lugar viver sem o pai, viver sem Deus e sem sentido, num lugar qualquer chamado de, simplesmente, “lá”. Porque longe do Pai, qualquer lugar vira “lá”. E “lá”, mesmo que seja perto, será sempre longe, porque não é a distância que conta, mas o rompimento. Viver e esquecer-se do Pai, rejeição que dói, mas é assim mesmo. No “lugar lá” passou fome, coisa nova e que não sabia o que era. Foi cuidar de porcos, o que para um judeu era o fim do mundo. Depois o fim ficou esticado, e o que parecia ruim, virou aberração. Devido à fome, desejou comer o que conhecemos como lavagem, resto nojento das sobras quando se lavam os utensílios e talheres. Coisa que vai se juntando, azedando e fica meio curtido. Desejou comer o que os porcos comiam. Virou nada e quando se deu conta, se propôs a voltar para casa. É, precisava do desejo, sentir a falta da vida, saber que esta não precisava ser daquele modo. Nem precisava voltar como filho. Só o voltar já seria suficiente, porque quando se está com Pai o estar já se completa. Não merecia voltar, mas voltou. Não voltou porque tivesse direitos. Voltou exatamente porque nada tinha e era ninguém. Um dia saíra, por livre vontade, foi perdendo, perdendo, até que jogou fora a própria dignidade. Quando virou farrapo de gente e não poderia exigir nada, voltou. Quando partira, na verdade não era filho, mas hóspede, e não existe serviço perfeito para esse tipo de hospedagem. Naquela tarde escura, um filho que já não era mais filho, volta para um pai, que já não era o seu pai, a viver numa casa, que já não era a sua, a um “irmão” que não o queria. O irmão precisa aprender e ele que havia partido também: “Assim é Deus”. Onde havia morte, desesperança ou falta de sentido, estado de perdição e abandono, ainda restava o Pai que só sabia amar, dividir e abraçar.”

“Deus é assim”, dizia Lucas: é o amor que espera todas as tardes no caminho; é a alegria que recebe quem não deveria ter partido; ama quem não merece ser amado; perdoa aquele que não merece ser perdoado. Absurdamente ama, impossivelmente ama, inexplicavelmente ama, ama sem justificativa, incompreensivelmente ama, inusitadamente ama, de graça ama, injustamente ama; ama o impuro, ama o desprezível, ama o insensato, ama o imerecido, ama quem está perto e não o vê, ou quem deseja viver longe num canto qualquer chamado de “lá”. Além do limite da prudência e da história: ama. Ama e espera quem ama a que, um dia, este retorne para casa. Quer devolver e entregar duas vezes, uma na partida e outra na chegada. Na partida dá o que, talvez, seria de direito. Quando o que era de direito se acaba, daí o filho está pronto pra entender o que significa ser filho. Se perguntar que amor é este, ninguém consegue responder. Chega perto quando se diz “amor de Pai”, mas é apenas um perto longe, um quase distante, um próximo que está a caminho.

Dizia Lucas: Assim é Deus.

pr. Natanael Gabriel da Silva