domingo, 27 de novembro de 2011

DE VOLTA PARA CASA


“Que homem dentre vós, tendo cem ovelhas, e perdendo uma delas, não deixa no deserto as noventa e nove, e não vai após a perdida até que venha a achá-la?” (Luc 15:4)
              
Foi numa tarde como tantas outras e o pastor, após o terminar o dia, empreendeu a costumeira contagem das ovelhas. Pela manhã saíra a buscar os pastos verdejantes. Era uma conquista diária, numa terra inóspita que nem sempre tinha o que oferecer. Cada dia uma batalha.

A contagem era rotina, monótona, mas tinha que ser feita. Naquele dia, porém, faltava uma. Só uma. De cem, uma. Nem sequer imaginava como teria acontecido, mas aconteceu. Ovelha é assim mesmo, mesmo vigiada, some. Você não explica, eu também não, e parece caso perdido; quando o pastor menos espera a ovelha vai embora. Vai caminhando com os olhos grudados no chão; não olha para o horizonte. Aí não dá outra: quem só olha pro chão, via de regra, se perde. Quando deu por si, já era tarde, noite entrando, silêncio no barulho do vento. Buracos acontecem, e o ruim às vezes fica pior. Se ela caiu, não sei.

Ao terminar a contagem, o pastor não teve escolha. Fez o que qualquer pastor faria. Saiu no encalço. Não pensou duas vezes: deixou as outras noventa e nove e empreendeu a busca. Estava mais preocupado com a perdida que com as outras, porque nesse caso um vale mais que cem. Não era uma questão de valor, porque as coisas não se medem assim. Uma vida não se coloca na balança e não tem peso. Saiu o pastor e foi andando na própria trilha antes que a noite densa entrasse pelo mesmo caminho. Não sabia onde estaria a desgarrada, mas se ela não tivesse se afastado muito por onde o rebanho havia estado, talvez tivesse alguma chance. E o pastor foi andando, andando e andando. Foi até encontrá-la. Se ela estava num buraco, não sei. Se caminhara tanto que já não tinha pernas pra voltar, também não sei. Se, como se diz, o pastor quebrou-lhe as pernas para não fugir mais, é outra coisa que não sei. Só sei que teve que voltar enrolada no pescoço do pastor, como se fosse cachecol. Foi trazida assim, nos ombros pra não errar o caminho, porque o pastor mostra por onde se deve andar e quando não dá, carrega nas costas porque assim não tem erro, e retorna até quando deposita a perdida entre as outras. Assim terá certeza de que o rebanho estará completo.

Daí o pastor reuniu os amigos e celebrou porque uma vida é uma vida, e não tem aquela que é menos importante, ou outra que não mereça uma caminhada do pastor pelo deserto. Nada disso. Sem cansaço ou reclamação, para o pastor vale o encontro, e seu desejo é voltar para casa com a ovelha que se perdera. Não seria a primeira, nem a última. Pela narrativa dá até pra entender que se tratava de um evento mais ou menos comum, quase como se fosse parte da natureza da ovelha o perder-se. Só que a figura realçada na parábola não é a ovelha que se perdeu, nem as que ficaram no aprisco, muito menos os amigos, mas a do pastor e sua alegria por encontrar quem se perdera.

A questão não é o perder-se, mas o permitir ser encontrado/a. E voltar nos ombros do pastor não dá nem história, só sentimento de proteção e de retorno para casa, que nem caminho se conhece mais. Nem precisa conhecer. Só o pastor sabe onde fica, coloca nos ombros e a traz para casa.

pr Natanael Gabriel da Silva

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

NA LINHA DE FRENTE

“E iam no caminho, subindo para Jerusalém; e Jesus ia adiante deles. E eles maravilhavam-se e seguiam-no atemorizados. E, tornando a tomar consigo os doze, começou a dizer-lhes as coisas que deviam sobrevir...” Marcos 10.32

Talvez fossem dois blocos, como final de São Silvestre. Os cansados, no segundo, os mais cansados que os cansados, no terceiro, e os cansadíssimos dos cansadíssimos no quarto e outros, porque o superlativo também tem limite. Jesus estava à frente, os demais no segundo grupo, só que não estavam cansados, mas com medo. Então os que têm medo, no segundo, os mais aterrorizados que os aterrorizados, no terceiro, e não é necessário repetir os limites do superlativo.

Daí Jesus começou o discurso, o que parecia ruim, ficaria pior. Ele seria o alvo, problema e solução, mas estava indo à frente porque Jesus quando teve que enfrentar a cruz não ficou no final da fila. Também não amenizou, e nem mesmo colocou uma frase fatalista como se não tivesse outra solução, coisa que a gente faz e às vezes nem sabe direito o que significa: “Estou nas mãos de Deus”. Jesus não disse isso, mas disse que seria envergonhado, afrontado, humilhado e crucificado. Depois conclui: mas o Filho do Homem ressuscitará.

O problema não seria o sofrimento, como não foi. O sofrimento faria parte. A questão na vida é o assumir o futuro, quando se sabe o que fazer e o que o Senhor pensa disso. É isso que faz diferença. Dá até pra falar sobre o assunto, sem mágoa de Deus, ou raiva da vida, sem medo de enfrentar o que vem pela frente e se dar como participante do primeiro bloco. Afinal, o tempo e a vida terão que ser enfrentados hoje, é ou não é?

Pastor Natanael Gabriel da Silva

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

BEM-VINDO A JEREMIAS 33.3



“Clama a mim, e responder-te-ei, e anunciar-te-ei coisas grandes e firmes, que não sabes.” – Jeremias 33.3

Jeremias estava preso e o clamar a mim, ao Senhor, aconteceu num tempo de incerteza e sofrimento. Trata-se de uma palavra de alento. Um alento, de certo modo, beligerante porque o que é anunciado depois é a destruição do próprio povo do profeta.

Talvez não fosse esta a ideia do “... anunciar-te-ei coisas grandes e firmes, que não sabes”, até porque não é possível falar sobre o que não se sabe. Com outras palavras, que coisas grandes seriam essas? Você não sabe e nunca irá saber; eu não sei e nunca irei saber porque era para Jeremias, como Jeremias, só pra ele. Depois ele poderia, ou deveria, divulgar.

Então, nem você e nem eu, sabemos quais coisas grandes o Senhor poderá fazer. Tem coisa que você pede já sabendo do que se trata, e às vezes são corriqueiras, imediatas, do cotidiano. Nesse caso você sabe o que pede e já sabe qual seria o resultado pretendido. E quando você não sabe o que precisa, e muito menos o resultado pretendido? Pois é, bem-vindo ao texto de Jeremias 33.3.

Nesse caso “clamar” não tem um conteúdo específico. É apenas clamar: suplicar, depender, confiar, depositar, honrar, conviver e por aí se vai. E olha que o texto não está mencionando necessariamente um milagre, mas apenas a palavra e só palavra. Talvez o milagre que você espera, seja apenas ouvir, e dentre tantos sons da rua, escritórios e falas, a voz, em alguns casos, quase esquecida e que vem de Deus.

Pr Natanael Gabriel da Silva

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

DESCANSO LARGADO

“Porque, se alguém cuida ser alguma coisa, não sendo nada, engana-se a si mesmo.” – Gálatas 6.3

A antropologia bíblica é bastante simples: o ser humano deveria ser continuamente, e exclusivamente, dependente de Deus.

O problema é que nem sempre somos conscientes disto. Nas melhores ocasiões, tal dependência é setorizada e temporária. Setores como aquele relacionado à saúde, emprego e relações familiares, por exemplo. Temporária quando da angústia e sofrimento, que quando passa, leva consigo a humildade e a servidão, e cada um de nós volta a ser senhor da própria vida.

Não deveria ser assim. O texto bíblico diz que a vida é um conto ligeiro, isto é, a sua vida, e a minha, não passam de uma pequena história, às vezes com uma única personagem. Fernando Pessoa diz no poema Tabacaria, de Álvares de Campos, que como poeta ele não era nada e se desejasse ser esse nada, também não conseguiria. No máximo trazia dentro si os sonhos do mundo. Trata-se de um relato existencial de impotência: saber que é nada, mas não conseguir ser tal nada. Só resta a viagem para dentro.

Talvez este seja o drama do ser humano: não conseguir ser nada, mas também não ser alguma coisa. No caso de Pessoa, seu clamor é pela angústia. No de Paulo, o clamor é pela vida: dependência plena, no sentido de tudo; total, no sentido do tempo, isto é, para a vida toda; e profunda no sentido da alma. Para Paulo só nos resta o descanso largado nos braços do Senhor. Só Ele é tudo.

Pastor Natanael Gabriel da Silva

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

MILAGRE E CELEBRAÇÃO


“Ora, a Páscoa, festa dos judeus, estava próxima.” – João 6.4

Por este detalhe do narrador do Quarto Evangelho, é possível que a multiplicação dos pães que Jesus faria, estaria, de certo modo, ligada ao evento da Páscoa.

A Páscoa, como sabemos, era a celebração da libertação. E tinha que ser celebrada mesmo porque tinham sido quatrocentos anos de escravidão no Egito. Uma diferença entre o tempo das Capitanias Hereditárias até os nossos dias. Gerações não tinham conhecido a liberdade, gente que nasceu e morreu dentro do sistema. Daí quando o mar foi atravessado, antes do enfrentamento do deserto que seria outra barreira, onde Deus faria o grande milagre do Maná, a nação se deu por liberta. A Páscoa lembrava tudo isso.

Daí Jesus em tempo de Páscoa multiplica, não o cordeiro, mas o pão. Seria possível olhar a multiplicação dos pães e ver nela uma grande festa? Deve ter sido, porque gente faminta havia dias, teria uma prévia do que seria a Ceia, ainda sem o vinho, mas com o pão. Acredito na alegria, na celebração e no encantamento diante da providência. Acho que foi assim, muita gente conversando, expectativas quando ao que seria feito. E recolher doze cestos cheios de pão? Você acha que isto e as doze tribos de Israel somadas à proximidade da Páscoa não são as mesmas coisas? Claro que são! Número completo das tribos e do povo de Deus que repetia a história e que igualmente precisava de libertação e pão para a caminhada pelo novo deserto. Então deve ter sido festa, sim senhor, sim senhora, festa grande, com risada, abraços e fome saciada e, além disso, e por sobre tudo, o milagre que ninguém entende ou explica dos cinco pães e dois peixes renderem tanto.

Milagre é festa de celebração. Coisa pra se alegrar, chorar de rir, adorar, agradecer, não compreender porque a não compreensão é que dá o sentido, e depois ficar contando sempre como se fosse a primeira vez. É muito triste quando o ser humano se acostuma com o milagre, e quando dia se abre, pouca gente vê a vida outra vez nascendo.

Então, se puder ria consigo do dia lindo que Deus nos deu. Se for mais longe, agradeça por Jesus ser o Pão da Vida. Pode chorar de rir. Eu deixo.

Pastor Natanael Gabriel da Silva

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

TREZILHÕES DE MOTIVOS

"Rendei graças ao Senhor, pois ele é bom, e seu amor dura para sempre." - Salmo 136.1

É um Salmo com 26 versos e 26 vezes repete o “... e seu amor dura para sempre”. A tradução comporta bondade, favor ou misericórdia. Amor que dura para sempre, bondade que dura para sempre, favor que dura para sempre e misericórdia que dura para sempre, a acho que tudo isto está junto, mixado, apurado feito caldo denso e com pedaços pra preservar a qualidade, e ainda é insuficiente e são apenas rastros das virtudes do Senhor.

Até o salmista sabia que era pouco porque reafirmou e confirmou 26 vezes. Mencionou as maravilhas, a criatividade nas obras da criação e libertação. Mencionou o espanto, e quem é que seria capaz de imaginar que um mar poderia ser aberto para a passagem? Sabe aquele milagre que você precisa, mas que não existe? É, tem milagre que a gente sabe o que é, como o receber a cura por conta de um problema de saúde, a família de volta, e por aí se vai. São milagres, cujos pedidos, a gente conhece. Agora, aquela de abrir o mar, foi demais. Quem é que esperava, imaginava ou pedia? Não houve uma oração: Senhor abra-nos o mar! Ninguém, em sã consciência, pediria isso. Nunca tinha havido um mar aberto antes. Não era só difícil de ser feito, era impossível de ser imaginado. Não existia a ideia de águas se afastando e abrindo caminho pra se colocar o pé. Daí o Senhor faz o que ninguém poderia pedir, e cria o milagre que não cabia nem na imaginação e o soluciona. Daí você fica perguntando se o milagre mais milagre mesmo foi abrir o mar ou criar um milagre que não cabia na esperança. E daí, o que você me responde?

Acho que Salmo ficou curto. Poderia ter trezilhões de versos, todos mencionando a mistura de amor, bondade, favor e misericórdia, repetido, cansativo de se ler, mas verdade como essa não há, e não tem gratidão que dê conta de agradecer. Nisso o salmista é simples, e o rendei graças aparece apenas uma única vez. E mesmo sendo uma única vez, não são todos que se levantam numa manhã tão linda como essa e, antes de reclamar da agenda do dia, dizem: “Obrigado, Senhor!”. E olha que você tem trezilhões de motivos pra fazer isso.

Pastor Natanael Gabriel da Silva