"Compadecei-vos de mim, amigos meus, compadecei-vos de mim, porque a mão de Deus me tocou.” – Jó 19.21
E havia tocado na direção do sofrimento.
Ser ferido de Deus, como diria o profeta, é coisa grande.
Coisa sem saída, porque Deus é o símbolo do limite, o sumo bem, que de tão
imenso não cabe na história e nem no tempo. Na verdade envolve a história e o
tempo e seus “aniversários” são de eternidade em eternidade. Mais que isso,
envolve tudo, o criado, o por ser criado, inventado e percorrido.
Daí Jó caiu nas mãos de Deus e ficou só.
A declaração “Porque eu sei que o meu Redentor vive...”
possibilitou aos leitores, que ainda necessitam justificar a legitimidade
histórica de Jesus, quase ocultar o resto do texto. No resto está uma pessoa,
um personagem solitário e que enfrenta o sofrimento com poesia e versos; que não
se afasta dos amigos, nem de Deus, porque sofrer é uma forma de manter-se vivo.
Em que pese todo esforço literário para dar a Jó a fé num
futuro, que não se sabe nem quando em razão de não ser possível fixar uma data
para o texto, a expressão “Porque eu sei que meu Redentor vive...” se aproxima
de Jesus como toda palavra de esperança tida e havida nos livros antigos. Só
que isso é um exagero profético, sem qualquer necessidade ou amparo exegético.
Este clamor, humano, profundamente humano, solitariamente
humano, “Porque eu sei que meu Redentor vive...”, é uma declaração de submissão
incompreensível, diante de uma graça que faz sofrer e que também não pode ser
compreendida. É uma confissão de limite: “não consigo sair sozinho”, só que não
há um outro para tirar-me de onde estou e me livrar do sofrimento causado por
Deus. Quando estiver livre de Deus, vou correr ao encontro do próprio Deus,
irei vê-lo de um modo como ninguém nunca viu ou verá. Trata-se do cruzamento
futuro entre a convicção, o desejo e a imaginação, uma confiança contaminada
por uma possível esperança, necessária para que Jó continuasse humano, no
espaço da limitação e solidão, mas que projeta a tênue segurança necessária de superação do insuportável.
Uma graça que faz sofrer e que continua sendo graça. O
limite do humano na sua condição de solidão e esperança. Simplesmente, o
caminho ambíguo e ameaçador do que significa a vida.
Natanael Gabriel da Silva