segunda-feira, 21 de outubro de 2013

A FÓRMULA DA GRAÇA



"E Jesus, respondendo, disse: Em verdade vos digo que ninguém há, que tenha deixado casa, ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou mulher, ou filhos, ou campos, por amor de mim e do evangelho, que não receba cem vezes tanto, já neste tempo, em casas, e irmãos, e irmãs, e filhos, e campos, com perseguições, e, no século futuro, a vida eterna.” Marcos 10.29,30

Vou começar com a fórmula, depois a gente conversa sobre ela:

[(o amor que você tem pelos seus bens + o amor que tem pelos seus irmãos + o amor que se tem pelas irmãs + o amor que você tem pelo pai + amor que você tem pela mãe + o amor que você tem pelos filhos) x 100 (que você recebe ainda neste mundo, já descontados os impostos)] + vida eterna = GRAÇA

Pois é, uma conta simples, que Pedro precisou ouvir porque a resposta de que para Deus tudo é possível não fora suficiente (10.27). – Converse comigo como se fosse quinta série – disse Pedro - e explique direitinho, de forma bem objetiva, e só responda à pergunta: “Eis que nós deixamos tudo e te seguimos; que receberemos?” (Mateus 19.27).

Jesus deu uma conta fácil. Algo mais ou menos assim: Pedro, primeiro você pega tudo o que você conseguiu juntar de coisas, necessárias para vida e que você tanto ama. Soma tudo com o amor que você tem pelos seus irmãos, que acredito deve ser enorme. Depois você soma tudo isso com outra coisa imensa, que é o amor que você tem pelas suas irmãs. Vá fazendo a conta. Depois você mede o amor que tem pelo pai e soma com o resultado da primeira conta. Se você ainda não se perdeu, pega o amor que tem pela mãe, que nem sei como você irá fazer pra medir. Soma tudo. Somou? Junte agora o amor que você tem pelos filhos, que também não deve ser pequeno. Muito bem. Agora você multiplica tudo isso por 100. Isso mesmo. Só ainda não terminou, a Graça ainda não é isso. Isso você irá receber aqui, neste mundo, já descontados os impostos, chamados genericamente de “perseguições”, nos quais estão embutidos o sofrimento, as dores e coisas desta natureza. Feito isso, agora é só somar com a vida eterna, que eu acho que você nem sabe direito o que significa. Então, Pedro, a conta é simples. É só fazer isso que você. No reino da matemática seria o salto do zero para o um. Depois vem o dois, o três, e assim por diante, mas aí é só duplicando.

Essa última parte, do salto do zero para um, Jesus não disse. Agora, pensando que o multiplicar por 100 também não é exato e possivelmente fora colocado como superlativo, creio que estaria no princípio básico do discurso.

Então, é muito fácil Pedro. Basta fazer as contas.


Natanael Gabriel da Silva

terça-feira, 15 de outubro de 2013

PARDAIS, ANDORINHAS E NINHOS




Até o pardal encontrou casa, e a andorinha, ninho para si e para a sua prole, junto dos teus altares, SENHOR dos Exércitos, Rei meu e Deus meu.” – Salmo 84.3

Eu sei que a cultura religiosa do judaísmo primitivo tinha o templo como o lugar específico e único do sagrado. Não veja isso como restrição ao texto, e não o perca por conta disso, achando que aquele imaginário não merece crédito por dar à santidade um sentido de lugar. Tem um pouco disso, mas se a expressão do sagrado é a forma mais perfeita de aproximação do Santo, então a sensibilidade é outra e a mensagem também.

Um Santo que se permite ser profanado por passarinhos. Um Santo, é um Santo. Não se mistura. Não se toca nele sob o risco de contaminá-lo. Até o pensar nele é um problema e o se eu quiser falar com Deus do Gil tem muito a ver com isso. Até pra falar tenho que lamber o chão dos palácios e castelos que, na minha cabeça, são suntuosos, belos, mas um nada de nada; ter-me como medonho e triste e por aí se vai. Diante de um Santo só o falar já é resposta do que o ainda não foi pedido, nem perguntado, ou submetido. Em alguns casos o mais próximo é o silêncio, pois o Santo não precisa de palavras, até porque o profano nem sabe direito o que diz e tenta esconder o que o Santo já sabe e conhece. O Santo já compreendeu antes do pensamento do profano que gerou palavras, estas nem sempre com algum sentido. O Santo compreendeu e perdoou, suportou, abraçou e pastoreou. Até o toque das palavras impuras poderia ser tido como nossa tentativa de macular o Santo; fazê-lo ficar do nosso lado como se isso fosse a salvação necessária. Um Santo do lado de um. Ao lado, talvez, porque estar ao lado é dar-se como companhia de uma jornada que chamamos de vida. Contudo, ao contrário de Gil, o Santo do Salmo não ameaça; é silêncio, abrigo, placidez, a ponto de uma andorinha qualquer achar que ali é o lugar onde começa a vida. E é.

Agora, um ninho ocupando o espaço exclusivo do sagrado, isso é demais. Eu sei que você sempre pensou nesse texto quanto à segurança e amparo de quem se dá por protegido. É, a gente é assim mesmo, sempre pensa mais do lado de cá, do que do lado de lá, se é que “lados” sejam expressões possíveis, e talvez seja exatamente isto que o texto queira dizer: não existem lados. O que há é um Santo que se deixa invadir sem se tornar impuro, agasalha sem perder a pureza, recebe e divide sem ficar menor; conduz a sensibilidade ao limite como um exagero e extrema expressão de amor e presença.

Pode fazer o ninho na minha cabeça, que eu deixo, diria o Santo a nós que temos a nobreza da vida no cérebro, na razão, ou seja, nas partes superiores e nobres do corpo, como diria Bakhtin em sua leitura de Rabelais. Fazer ninho na cabeça é o impuro descansando e construindo a vida sobre o Santo. Uma invasão, até uma impropriedade, quase um abuso. Isso não faz do impuro, puro no seu sentido pleno, nem contamina o Santo. É apenas aceitação e abrigo.

É como uma rolinha que fez um ninho na casa de um amigo.

Natanael Gabriel da Silva