segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

LUZ E VIDA


“Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida.” – João 8.12

Expressão típica de João, enigmática e enorme. Também de contraste. Até parece meio perdido. De tão perdido e isolado, sempre que é lido, lê-se apenas ele, como se tivesse vida própria. Tem vida própria, mas também tem limites. É, a literatura de João tem isto: coloca ao lado algo que limita o que não pode ser limitado. O que não pode ser limitado continua ilimitado, mas é trazido para perto no contraste e compreensão.

Ficou difícil, eu sei. Se fosse fácil não seria João. Não creio que você se lembrará de que a declaração do narrador, recuperando a expressão de Jesus “Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida”, está em contraste com a narrativa da tentativa de apedrejamento e da hipocrisia de uma religião movida pela morte. Duas expressões coladas: “Nem eu também te condeno; vai e não peques mais” e depois o “Eu sou a luz do mundo”, luz de vida e não de morte, e se você não entende de luz, não pode entender de perdão, e se não entende de perdão, também não entende nem de luz nem de vida, e o contraste está lá: o perto do julgamento injusto, o perdão e a declaração do “Eu sou a luz do mundo”, porque quem anda em trevas, tem gosto de morte, lida com ela como se fosse joguete político e a aplica onde quer ou deseja.

Então o “Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará em trevas”, tem limite por meio de contraste. Não tem limite, porque luz e vida são sem limites, mas pode-se ver o rastro de sua profundidade quando se compreende a miséria do ódio e da morte, que vieram colados antes como texto: ter a luz da vida e não as trevas que apedrejam e mata. Andar na luz é desejar vida, se alegrar com ela, ensinar, restaurar, conduzir com perdão, oferecer uma segunda oportunidade, escrever no chão como se não houvesse importância quando o julgamento é medíocre; é colocar a morte sob suspeita e sem saída apenas com uma declaração. Simples declaração: quem não tem pecado, que atire a primeira pedra. Ninguém pensaria em dizer isso, porque pra se dizer, tem que ser luz e vida. Os que vieram trazendo a mulher pensaram: Ele não vai ter saída. É, problema das trevas que só enxerga uma possibilidade e direção. Daí a luz, que deseja a vida e não a morte, apaixonada pelo perdão e restauração, desmontou tudo, só com um pergunta, sem pensar muito, porque não tinha o que pensar. A luz olha e pergunta naturalmente pela vida, porque vida é seu espaço e direção.

Pode fazer esta pergunta sobre pecado e pedra? Pode, claro que pode. Pode também declarar, “eu também não te condeno”? Lógico que pode. Pode perdoar? Pode. Pode isso, outra coisa e tudo, e pode não porque tem total razão, manda no pedaço, ou faz todo mundo ficar com medo dele, nem porque tem toda a autoridade e domínio pra fazer o que quiser. Nem isso. Pode, porque é luz; e luz, ninguém explica. Ninguém explica a luz, nem a vida. Mas é possível entender que naquele dia, uma pessoa real, feito gente miserável e sem destino, corrompida e condenada, foi perdoada e reintegrada à vida só porque conversou com a luz e a vida em forma de pessoa.

E foi assim.

pr. Natanael Gabriel da Silva

sábado, 9 de fevereiro de 2013

O TERCEIRO MANDAMENTO



“Um novo mandamento vos dou: Que vos ameis uns aos outros; como eu vos amei a vós, que também vós uns aos outros vos ameis.” – João 13.34

Tanto Mateus, quanto Lucas, registram os dois grandes mandamentos: Amar ao Senhor de todo coração, alma, forças e entendimento e amar o próximo como a si mesmo. (Lucas 10.27 e Mateus 22.37- 40). João acrescenta uma extensão ao sentido do amor e o torna uma relação recíproca, de interdependência e que faz deslocar a provisão do amor do sujeito que ama, para a dinâmica da interpessoalidade. Nesse caso o amor estaria “entre” e não exclusivamente “no”, é a passagem da pessoa para a comunhão.

Vamos por partes, se é que o amor possa ser fatiado como um processo no Supremo. Notoriamente os tempos do Quarto Evangelho eram outros, e a ausência de Jesus, agora já na talvez terceira geração de discípulos, não seria resolvida brevemente. A expectativa de um retorno imediato com o tempo foi se transformando numa esperança, e o suportar as adversidades só seria possível sob a convivência em amor, daí o Terceiro Mandamento.

Trata-se da própria identidade da comunidade que se formava e que deveria ser conhecida pelo amor e não  pela capacidade disciplinadora, ou de adoração, ou de exposição do sobrenatural por meio de milagres, nem pelo número de participantes ou recursos que possa dispor; fossem tais marcas separadas ou somadas, pois tudo isso junto, não tem como resultado o amor. Nesse caso, a ordem dos fatores altera o produto, porque o amor tem que vir primeiro, fundamento único, isolado e exclusivo. Conhecem-se os discípulos pelo amor que nutrem e desenvolvem entre si, a ponto de não se saber quem ama, porque sua relação não é de pessoalidade, mas coletiva. Todos se amando, uns aos outros, para que o amor seja mais significativo do que qualquer pessoa e a mais evidente virtude. Trata-se da real entrega de vida, porque tem como referência e fonte a graça de Jesus, voluntária, dadivosa, desinteressada e sem limite, para além da fronteira da vida; se preciso, cruza a linha (João 15.13). Tem como disciplina a igualdade, e o relacionamento se dá na amizade, não na subordinação, pois a expressão do amor não é tornar o outro um servil, mas fazê-lo/a um/a amigo/a. É a transparência, honestidade, ingenuidade, simplicidade ou compartilhamento, porque o próprio Jesus fizera dos discípulos amigos e a eles dissera tudo o que ouvira do Pai.

O Terceiro Mandamento supera a obrigatoriedade em relação ao próximo, e a possível subjetividade a Deus. Trata-se da dissolução de quem ama na construção de um coletivo, cuja pessoalidade manifesta se dá como a mais significativa virtude já ensinada e desejada: o amor. É como se o sujeito fosse o todo e o amor a pessoalidade da comunidade.

pr. Natanael Gabriel da Silva

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

A HORTA


E sucedeu, depois destas coisas, tendo Nabote, o jezreelita, uma vinha em que Jezreel estava junto ao palácio de Acabe, rei de Samaria, que Acabe falou a Nabote, dizendo: Dá-me tua vinha, para que me sirva de horta, pois está vizinha, ao pé da minha casa; e te darei por ela outra vinha melhor do que ela; ou, se parece bem aos teus olhos, dar-te-ei a sua valia em dinheiro. I Reis 21.1,2.

Foi fácil botar a mão na horta, mas depois da horta, a guerra, morte de gente que não sabia da horta, nem de Nabote, e depois da guerra a destruição, e depois da destruição, o fim de um Reino.

Mas a horta era fácil, uma questão de detalhe. Tão fácil que Jezabel ficou comovida, se tivesse o dom da misericórdia, diante da tristeza infantil de Acabe. – Quer a vinha de Nabote pra fazer uma hortinha, meu filho? Bilu, bilu; é fácil. Basta usar a pena, o texto, o comando, o sinete do poder! Ah, o sinete do poder, o reinado, a vontade de possuir e a infantilidade, o que estas coisas juntas, numa mesma pessoa, não podem resolver? Daí Jezabel escreveu um estatuto, e todas as vezes que ouço, ou vejo na pauta de uma reunião “Reforma de Estatuto”, pergunto a mim mesmo: - Desta vez quem está sendo caçado?

Jezabel queria caçar Nabote, e fez uma coisa que não tinha nada a ver com a outra, e Nabote morreu pensando que fora por conta de sua fidelidade, que de certo modo fora, mas a questão se tratava de politicagem. Acabe e Jezabel não estavam nem aí, a Baal, que significa "senhor", ou a Iavé, e o negócio rodou articulado, parecia certo, mas não era, tinha legitimidade do poder, mas não o endosso moral, tinha cara de religião, mas era falcatrua política, e o estatuto aqui entrou para a história como artimanha pra afastar indesejáveis. E a desumanidade foi tanta que depois disso Elias sentencia o fim do Reino, que não ocorrera quando do conflito com os profetas de Baal. Parece que Deus pode até suportar a idolatria, mas não a desumanidade desenfreada.

Pois é, foi fácil colocar a mão na horta, bastou uma canetada, ou uma sinetada. Só que daí veio a sentença de morte, não antes de Nabote, que o teria protegido, mas depois, e o que se narrou sobre cães lambendo sangue no texto, só lendo pra se ter ideia.

Pois é, às vezes conquista-se a horta, mas perde-se o Reino.

pr. Natanael Gabriel da Silva