“Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará em trevas,
mas terá a luz da vida.” – João 8.12
Expressão típica de João, enigmática e enorme. Também de
contraste. Até parece meio perdido. De tão perdido e
isolado, sempre que é lido, lê-se apenas ele, como se tivesse vida própria. Tem
vida própria, mas também tem limites. É, a literatura de João tem isto: coloca
ao lado algo que limita o que não pode ser limitado. O que não pode ser
limitado continua ilimitado, mas é trazido para perto no contraste e compreensão.
Ficou difícil, eu sei. Se fosse fácil não seria João. Não
creio que você se lembrará de que a declaração do narrador, recuperando a
expressão de Jesus “Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará em trevas,
mas terá a luz da vida”, está em contraste com a narrativa da tentativa de
apedrejamento e da hipocrisia de uma religião movida pela morte. Duas
expressões coladas: “Nem eu também te condeno; vai e não peques mais” e depois
o “Eu sou a luz do mundo”, luz de vida e não de morte, e se você não entende de
luz, não pode entender de perdão, e se não entende de perdão, também não
entende nem de luz nem de vida, e o contraste está lá: o perto do julgamento
injusto, o perdão e a declaração do “Eu sou a luz do mundo”, porque quem anda
em trevas, tem gosto de morte, lida com ela como se fosse joguete político e a
aplica onde quer ou deseja.
Então o “Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará em
trevas”, tem limite por meio de contraste. Não tem limite, porque luz e vida
são sem limites, mas pode-se ver o rastro de sua profundidade quando se
compreende a miséria do ódio e da morte, que vieram colados antes como texto: ter a
luz da vida e não as trevas que apedrejam e mata. Andar na luz é desejar vida,
se alegrar com ela, ensinar, restaurar, conduzir com perdão, oferecer uma segunda
oportunidade, escrever no chão como se não houvesse importância quando o julgamento
é medíocre; é colocar a morte sob suspeita e sem saída apenas com uma
declaração. Simples declaração: quem não tem pecado, que atire a primeira
pedra. Ninguém pensaria em dizer isso, porque pra se dizer, tem que ser luz e
vida. Os que vieram trazendo a mulher pensaram: Ele não vai ter saída. É,
problema das trevas que só enxerga uma possibilidade e direção. Daí a luz, que
deseja a vida e não a morte, apaixonada pelo perdão e restauração, desmontou
tudo, só com um pergunta, sem pensar muito, porque não tinha o que pensar. A
luz olha e pergunta naturalmente pela vida, porque vida é seu espaço e direção.
Pode fazer esta pergunta sobre pecado e pedra? Pode, claro
que pode. Pode também declarar, “eu também não te condeno”? Lógico que pode.
Pode perdoar? Pode. Pode isso, outra coisa e tudo, e pode não porque tem total
razão, manda no pedaço, ou faz todo mundo ficar com medo dele, nem porque tem
toda a autoridade e domínio pra fazer o que quiser. Nem isso. Pode, porque é
luz; e luz, ninguém explica. Ninguém explica a luz, nem a vida. Mas é possível
entender que naquele dia, uma pessoa real, feito gente miserável e sem destino,
corrompida e condenada, foi perdoada e reintegrada à vida só porque conversou
com a luz e a vida em forma de pessoa.
E foi assim.
pr. Natanael Gabriel da Silva