domingo, 23 de julho de 2017

A ORAÇÃO E A CASA


“Jesus entrou  no templo e expulsou todos os que ali estavam comprando e vendendo. Derrubou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas, e lhes disse: Está escrito: A minha casa será chamada casa de oração, mas vocês estão fazendo dela um covil de ladrões.”

Tem oração de um jeito e tem oração de outro jeito, e a casa entra como o lugar do sagrado, como portal, diria Eliade, onde o sagrado finalmente acontece, para além do tempo, tudo parado,  suspenso, feito o céu de João, mesmo que por menos de meia hora. E o lugar sagrado, é sagrado. Só serve para o encontro, só tem uma natureza, um significado e um excesso de sentido que sequer precisa de palavras, porque o que menos importa são os sons, mas o estar e talvez o melhor seja mesmo a solitude, a contemplação, o êxtase, o entregar-se como pertencido e se tornar o que ali se conquista, num todo inseparável, daí segue apenas o soltar-se como se pudesse ser levado para qualquer lugar, sem sair, porque não há espaço, e você nunca irá saber se foi o Senhor que invadiu a sua alma, ou foi a sua que invadiu e espalhou-se no coração de Deus. Mas, que importa?

Estar estando, ou estar não estando, e o não-estando ficara por conta dos comerciantes, gente vendendo de tudo para viver do sagrado, embora do lado de fora e à margem dele, num ato de mágica como se fosse possível separar o sagrado do profano. Contudo, ali ficavam olhando para o outro lado, não para "dentro", pois nem sabiam direito que "dentro" seria esse, e esperavam os peregrinos que vinham de longe. E era gente de todos os lugares que aparecia para a formalidade dos atos de adoração e sacrifícios, e para não trazer a oferenda nas próprias mãos, para que da pomba só sobrasse as penas, os devotos traziam moedas de todos os cantos, as trocavam  ali na entrada do Templo, tendo em conta que o sagrado estaria depois dali, e compravam o que dava, entravam no lugar da oração e ali sacrificavam o dinheiro em forma de coisa, como se vida fosse. 

E assim veio Jesus a restabelecer a casa de oração, expulsou os comerciantes e encheu a casa, que parecia menos que Templo, mas não era, de cegos e mancos e ali os curou para que o sagrado revelado na aprovação do divino fosse inquestionável, pois no lugar onde Deus havia, só poderia haver Deus, e qualquer milagre ali seria o resultado direto e sobrenatural de Sua inconfundível presença. Depois vieram as crianças, no contraste do narrador à insuficiência de uma religião ritualista e preconceituosa. E se no lugar do sagrado não houver espaço para crianças, cegos e mancos, não será casa de oração.

E foi assim que casa de oração se tornou o lugar da ingenuidade e dos excluídos, e nunca mais voltou a ser isso outra vez.


Natanael Gabriel da Silva