sábado, 21 de abril de 2012

QUEM?

“Respondendo o eunuco a Felipe, disse: Rogo-te, de quem diz o profeta? De si mesmo, ou de algum outro?” – Atos 8.34

O personagem sem nome, conhecido apenas como eunuco, havia lido, entendido, mas não sabia a respeito de quem o texto falava. Foi uma pergunta fácil e Estevão foi logo anunciando Jesus, o único que cabia na narrativa.

Ficou fácil, mas eu entendo a dúvida do eunuco. É que o texto bíblico tem o lance de fazer você entrar nele. De repente você lê uma parábola e se coloca no lugar do filho que abandonou a casa, e o nome daquele filho não tem importância, porque não é outro, ou outra, é você mesmo. É o seu nome que está lá. Você se vê comendo o que é impróprio pro consumo humano e perde o banquete servido na casa do pai; e o texto pergunta: O que você está fazendo longe do seu lugar? Não tem resposta, não é? Isto porque não é uma questão de responder, mas de simplesmente voltar. O filho pródigo é quem? Um personagem do primeiro século? Não, ele é você, sou eu, e o Senhor está lá, todos os dias, olhando a trilha da estrada e aguardando o seu retorno.

E o andar sobre as águas de Pedro? Poderia ser Pedro mesmo, mas é também você vestido de Pedro, no lugar dele e tentando ser igual a Deus, pois só ao Senhor é reservado o direito de andar por cima do que criou. Paulo caindo do cavalo e se encontrando com o Senhor! Quem é que já não precisou cair pra depois ser socorrido e encaminhado? Então o apóstolo Paulo, foi o apóstolo Paulo, mas também é você, ou eu, e quando entramos no texto nos tornamos o evento, a pessoa, e recebemos a lição atualizada, por inteiro, vemos a luz, e também perguntamos: Quem é Senhor? E saímos como que cegos, porque a luz de dentro passa a brilhar mais que a luz de fora. Eu sei que Paulo ficou cego mesmo, mas pra mim a luz que recebera naquele dia transformava qualquer outra em escuridão. Aquele foi Paulo, mas também é você, e o texto bíblico vai te envolvendo de tal modo que você nunca sabe onde começa e termina Paulo e onde começa e termina você. Tanto faz se Paulo, você, ou eu, pois temos a mesma história, carência e necessidade e enquanto o rosto não tiver comendo pó, o que sobra é arrogância e autossuficiência.

É, o eunuco, de certo modo, tinha razão em não saber quem. O profeta Isaías falava de Jesus, mas falava também dele e de mim, porque Jesus na cruz é também, ou essencialmente, a minha morte. Daí o eunuco também queria ser como Jesus, ficou encantado com a antiga promessa, o modo como o Senhor Jesus se conduziu mudo diante do sofrimento para a cruz, morrendo para este mundo que nunca o mereceu, e aquela história fresca, nova, que se falava pelas ruas do acontecido nunca antes visto, contagiou o eunuco que desejou morrer com Jesus. E morreu mesmo. Pra confirmar e testemunhar foi batizado, em seguida, de imediato, sem tempo de aprender qualquer doutrina a não ser assumir a morte e abraçar a vida. E foi assim que o eunuco também passou a fazer parte da história, e o texto de Isaías passou a falar dele também; era texto do profeta, de Jesus, do eunuco, de um e de outro, de mim, e entramos no texto por meio de Jesus, pra nunca mais sair, pois até o céu está no texto.

O texto bíblico é como uma grande árvore que abriga todas as espécies de pássaros; é o Reino de Deus, a vida de Jesus, que morreu, viveu e nos tornou participantes da história e da eternidade. Tantos diferentes e ao mesmo tempo tão próximos, por identificação e Graça.

pr. Natanael Gabriel da Silva

quinta-feira, 19 de abril de 2012

ESTÁGIO

“... e mataram os teus profetas à espada; e eu fiquei só...” I Reis 19.10d,e

É só um pedacinho da história de Elias. Um pedacinho pra quem entendia a vida como um pedacinho. Tão pedacinho que se achava único, a última pecinha do quebra-cabeça. Não, não se tratava de arrogância, pois o arrogante enfrenta, luta, desafia e nunca se dá por vencido. Elias estava fugindo, portanto já estava no sofrimento. Só que Elias não era o único, nem o último. É, errou feio, porque não sabia que havia mais gente tão justa quanto ele. O texto menciona sete mil, número redondo, perfeito, como se fosse apenas uma referência. Poderia ser mais, ou um pouco menos, mas era muita gente que Elias não enxergava porque só sabia de si, pensava em si e se lamentava de ter que sofrer tanto. Queria ser preservado, porque não havia outro semelhante a ele. Achava que sofria sozinho e, por ser único, Deus precisava fazer alguma coisa. E fez, preservou tanto que o levou para si.

Não considero Elias uma pessoa inconsequente e/ou desinformada. Acho que se equivocou ao medir a própria espiritualidade, mas quem nunca se enganou disso? Poderia ter sofrido menos de soubesse antes dos sete mil justos, semelhantes a ele, mas se fosse assim não teria havido o seu deserto, nem teria sido socorrido no meio do nada e muito menos entraria numa caverna, para então, conversar com Deus e ter uma experiência espiritual que só encontra similaridade em Moisés e sua sarça ardente.

Daí não dá pra separar uma coisa da outra. Qualquer um de nós, creio, gostaria de conversar com Deus como Elias conversou, visto o Senhor como ele viu, e ter sido cuidado dele como ninguém havia sido antes. Só não queremos a solidão dele, muito menos o desejo de morte que expressou de forma tão clara. Acontece que uma coisa e outra andam juntas, e nem sempre entendemos isso. Para o povo chegar à terra prometida, primeiro teve um longo cativeiro e depois um deserto. Antes de falar ao carcereiro de Filipos, “creia no Senhor Jesus Cristo e serás salvo, tu e a tua casa”, Paulo passou pela prisão. Pra haver ressurreição, só passando pela morte.

Elias não estava só. Estava apenas tendo uma aula de submissão, dependência e humildade. Foi a sua aula mais importante.

pr. Natanael Gabriel da Silva

terça-feira, 17 de abril de 2012

O CHÃO COMO LIMITE

“Ponha a sua boca no pó; talvez assim haja esperança.” – Lamentações 3.29

Esperança, que no texto original literalmente significa “cabo”. Algo como a única corda onde se pode segurar para não cair no abismo. Um único fio, que não fica na encosta, mas no chão. Alguém deitado no chão, plano, agarrado num único fio pra se sentir seguro? Pois é, e com a boca no pó. Encostado no chão, corpo e rosto, e o socorro está para baixo.

Sempre li e gostei do olhar para os montes de onde virá o socorro, do Salmo 121. Olhar pra cima é clamar, olhar pra baixo é reconhecer que o Senhor é grande. E quando se coloca o rosto no chão, o que era grande fica maior, e o que já era pequeno, fica menor, entregue, largado, desesperançado e com movimentos limitados. Cansado de correr, cansado de andar, de esperar, de subir, e de falar, porque quem coloca a boca no pó não tem mais palavra, é pura entrega. Não tem pra onde ir, nem pra onde olhar, só pro chão, pro limite até onde um ser humano pode chegar por conta do sofrimento, causado por ele mesmo. O mais humano  está no abraçar o pó, símbolo de onde veio e para onde irá.

O que Jeremias recomendava, e recomenda em Lamentações, não é a depreciação do ser humano, mas sua submissão e entrega incondicional nas mãos de quem é o sustentador de todas as coisas. No pó o ser humano se dá como humano, e o Soberano é reconhecido como Senhor.

pr. Natanael Gabriel da Silva

sábado, 14 de abril de 2012

O NASCIMENTO DO PERDÃO

“No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao sepulcro de madrugada, sendo ainda escuro, e viu que a pedra estava revolvida.” – João 20.1

O perdão nasceu numa manhã de domingo, logo cedo, pouco depois da fúria da desumanidade humana, do beijo ridículo, de um julgamento religioso tosco e de um tribunal romano medíocre. Depois veio a morte, e ao terceiro dia, antes do Sol, uma nova luz brilhou e saiu pela porta do túmulo e se fez vida novamente, pra nunca mais morrer. Pronto, estava instituído, decretado e consumado: nascia o perdão.


Eu sei que você não irá concordar muito com isso e, de certo modo, talvez tenha razão. O perdão já existia desde os antigos. Não foi Isaías quem disse o ai de mim que vou perecendo porque sou uma pessoa impura, dentre impuros, e vi o Senhor? Não teve um ser celestial que tocou nos lábios dele e o perdoou para preservar-lhe a vida? É foi mesmo. E se não fosse o perdão, onde estaria Jonas? Onde estariam os moradores de Nínive?

Pois é, isso é verdade. Só que naquela manhã de domingo nascia o perdão do perdão. Isto é: “o” perdão. Antes era assim: faz uma coisa errada, um perdão, faz outra coisa errada, outro perdão, faz uma terceira coisa errada, outro perdão, e como a contagem é infinita, segue-se um perdão atrás do outro. Eu sei que já era bom, mas naquela manhã nascia um outro tipo de perdão, direto, contínuo, como se fosse uma linha. Como se fosse o tempo, sem interrupção. Quando você pensa que está no presente, o que pensou já é passado. Um momento ligado ao outro, e não tem um quadro a quadro. Não são imagens fotografadas e colocadas uma depois da outra pra dar a ilusão de filme. Nada disso. É contínuo mesmo. Perdão direto, que perdoou uma vez e continuou perdoando sempre. Você nem fez nada e o perdão já aconteceu. Perdão perene; é isso.

Pois é, nasceu naquele domingo, e a primeira coisa que fez foi superar os limites do humano, matou a morte. Sem ritos, sacerdotes, animais pros sacrifícios ou produtos da terra para a celebração. Esqueça tudo isso. O perdão agora era o que começaria tudo, não estava no final da corda ou do sofrimento. Lembra-se da sequência? Primeiro você peca e depois Deus perdoa? Não, o perdão já está pronto antes do pecado, e o arrependimento é uma forma de consciência e submissão, quebrantamento e entrega. O perdão agora está no ponto de partida, não de chegada. A pessoa nasce com Jesus pelo perdão, entrega a vida a Ele pela porta do perdão e entra no perdão. Daí vive numa espécie de corredor de perdão que dura a vida inteira. Caminha pelo perdão, respira pelo perdão e o perdão vai ficando tanto atrás como à frente, porque tudo é perdão, pisa nele, acima de você, lado direito e esquerdo, tudinho é só perdão. Você é sustentado por ele, envelhece nele, e quando chega ao fim, não acabou, porque a outra porta se abre para o tempo de Deus. Pronto, agora você não precisa mais de perdão, já está na presença do Pai.


Você pode chamar este perdão de Graça de Deus, Misericórdia de Deus, ou simplesmente Amor incompreensível de Deus, até porque não dá pra compreender mesmo. Um perdão que não descansa e nunca para. E foi assim que ele nasceu: numa manhã quando a vida foi recriada.

Pr. Natanael Gabriel da Silva

sábado, 7 de abril de 2012

O MILAGRE E A SOLIDÃO


“E, no fim do sábado, quando já despontava o primeiro dia da semana, Maria Madalena e a outra Maria foram ver o sepulcro.” – Mateus 28.1

Lucas diz a mesma coisa, mas não menciona o sábado, porque não era judeu. E tem gente que vem me dizer que a religião não é influenciada pela cultura! É influenciada pela cultura e pelas emoções. Você não entende, nem eu, a razão de pouco antes Jesus ter sido aclamado, logo rejeitado, julgado e condenado, tudo misturado com política, interesses dos famigerados sacerdotes locais e uma enorme indiferença por parte de uma população que não se conhecia, nem sabia pra onde ia. Não ia a lugar algum, e tudo no julgamento de Jesus foi assim: trágico, ignóbil, grosseiro, desumano e descontrolado. O cordeiro no meio de lobos é uma metáfora própria para criar uma leitura intercultural do evento, os famintos salivando por sobre a presa que não seria suficiente para a matilha. Era pouco, quase nada, não mataria a fome de morte nem seria suficiente para dar a liberdade que pretendiam. Tudo uma verdadeira tragédia e tinha gente que nem sabia o que estava fazendo ali, valia mais a notícia do alvoroço numa cidade dominada e regida pelo tédio.

Só que o alvoroço teve um término. Depois o silêncio. O manto da madorna de um meio-dia caiu logo depois e quando terminou, terminou. Jesus foi para o túmulo, cada um voltou para a própria casa, os sacerdotes para o Templo e os soldados romanos para os seus abrigos. Daí o silêncio. O nada. Nada a contar, narrar ou esperar. A vida entrou em estado de suspensão.

Tempo para o esquecimento. Nele, o morto ficaria mais morto e a calmaria seria instalada movida pelo esquecimento. As emoções assentadas, a correria acabada e terminada. Outra vez, silêncio. Tempo para ser curtido e confirmado, nada de novo aconteceria outra vez, tão logo, em Jerusalém. Sabe daquele momento mudo? É, o mundo precisava emudecer. Se você se lembrar do Gênesis, “... e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas”, vai verificar que foi uma repetição. Como na criação, a vida renascia pelo viés da luz, e nunca mais o mundo seria o mesmo. A vida tinha que se preparar para ser recriada, e tinha que ser pela manhã, no aparecer do sol na madrugada. Tinha também que ser só, muito só, solidão no superlativo. Ou você não acha que a ressurreição poderia ter ocorrido logo depois da morte, quando todos ainda estavam por ali? Não teria sido menos doloroso pra todo mundo? Por quê esperar? Mais convincente, sem dúvida. Um milagre daqueles à vista de todos e hoje você falaria da ressurreição com extrema facilidade. Só que essa é uma interpretação torta. É achar que a ressurreição foi um milagre pra você ou para mim. A gente gosta mesmo de ser o centro do mundo; que coisa feia!  O milagre não foi para nós. A ressurreição foi o tempo do próprio Cristo. Ninguém foi alimentado. Ninguém foi curado. Não tinha multidão ou crianças. Sem parábolas, sem monte ou sermão, mas no interior de uma caverna feito túmulo. Também sem templo. E quem precisa destas coisas para que a vida seja recriada? Foi um milagre sem testemunhas, de si para consigo, sem tentativa de convencer quem quer que fosse. O milagre e a solidão, coisa de Deus mesmo. Jesus simplesmente ressuscitou. Você viu? Não, nem você, nem ninguém. E ficou assim como puro, único e incompreensível ato exclusivo de Deus.

Depois do silêncio, a vida. Parece que a vida gosta de ser gestada a partir do que não pode ser dito. Naquele dia, o mundo amanheceu cristão.

pr. Natanael Gabriel da Silva

quinta-feira, 5 de abril de 2012

O TUDO

“Porquanto, ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto na vide; o produto da oliveira minta, e os campos não produzam mantimento; as ovelhas da malhada sejam arrebatadas, e nos currais não haja vacas, todavia, eu me alegrarei no Senhor, exultarei no Deus da minha salvação.” – Habacuque 3.17,18

Cada vez que leio este texto, me pergunto: Quem sou?

Hoje preciso responder a esta pergunta. Sou alguém que só vê Deus agindo quando Ele faz alguma coisa em meu favor. Sou ansioso, pois penso que os problemas que vivencio são sem solução, como se o Senhor nunca tivesse me ajudado antes. Sou alguém que exige de Deus uma atitude contra tanta coisa errada nesse mundo e parece que Ele não faz nada. Sou alguém que precisa de um roteiro de vida, faça isso, não faça aquilo, isto sim, isto não, porque não sei me soltar na liberdade que o Senhor me deu e observar os princípios que ensinou. Sou alguém que não sabe agradecer, e sobre isso não tenho nem o que falar. Sou alguém que acha que a vida vai durar para sempre e jogo para o amanhã o que precisa ser mudado, mas quero hoje dEle o que possa me favorecer. Só penso em mim, faço menos orações do que deveria, e primeiramente julgo as pessoas antes de compreendê-las. Não sei amar, muito menos ser servo.

Só que Deus não desiste de mim, isso também sei. Nem sei a razão. Explico isso dizendo tratar-se de Seu amor imenso, e só pode ser mesmo. Não tem outra explicação. E quero ser como Habacuque. Não o Habacuque dos capítulos 1 e 2, que é mais parecido comigo hoje. Quero ser como o Habacuque da oração do 3. E quando eu compreender que o “Deus da minha salvação” do texto, não tem o sentido de eternidade, céu ou coisa parecida, mas presença na ausência, faltando tudo e Ele ali, não tendo nada e Ele me acompanhando; quando eu compreender ou mergulhar nisso, então descobrirei que a vida que Ele já me deu por aqui tem sido sua grande dádiva, e já basta. Mesmo que tenha sido uma vida de ausência de coisas. A companhia dele já é o tudo.

Deus já é, por Si, o bastante, disse Tereza de Ávila.

Pastor Natanael Gabriel da Silva

terça-feira, 3 de abril de 2012

ESQUECIMENTO E SOLIDÃO




“Lembra-te dessas coisas, ó Jacó, e, tu, Israel, porquanto és meu servo; eu te formei, meu servo és, ó Israel; não me esquecerei de ti.” – Isaías 44.21

A ausência da memória é uma tragédia. Pensada de um modo bem simples, memória é o que faz a história de uma pessoa e que só ela, apenas ela, pode reviver ou compartilhar.  Tudo o que você pensa, viu ou passou, irá quando você tiver partido. Parte disso você conseguiu contar para alguém, mas o incomunicável, aquilo que sentiu ou viu, um dia se perderá. As experiências da vida são suas, somente suas e são elas que, de certo modo, fazem você ser quem é, mesmo que tenha se esquecido delas.

Isaías, o profeta, sabia disso. Fez uma profecia ao contrário e recomendou a recuperação da memória, ao invés de mostrar como será o futuro. O futuro será um, se a memória for de um jeito; será outro, se for de outro jeito. A depender da memória, um futuro. Parece estranho esse negócio de futuro condicionado, ou será uma coisa ou outra, mas quando você olha para o passado e se lembra do que Deus já fez, o que a vida será, fica diferente. Dá pra ter medo? Preocupado/a? Insegurança: tem também? Olha o futuro e não vê nada, é assim? Pois é, as respostas a estas perguntas dependem da lembrança do que o Senhor fez no passado, de como você esteve (ou não) com Ele, e de quais situações você já foi libertado/a, conduzido/a e pastoreado/a. Estas coisas, seja por parte de uma pessoa, ou nação, não podem cair no esquecimento.

Daí Isaías continua: você se esquece, mas Deus não! Então torna para mim, diz o Senhor, porque vou desfazer o que você fez de errado como se fosse névoa pela manhã, vai apagando, apagando, e quando desejar encontrá-la, não está mais lá. Você esqueceu que eu já fiz isso, não é? Esqueceu também que criei todas as coisas, não é mesmo? Pois é, quem não tem a memória da minha presença no passado, vai achar que terá que caminhar sozinho/a no futuro.

Pastor Natanael Gabriel da Silva

domingo, 1 de abril de 2012

VOU RIFAR MEU VIOLÃO


“Se o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres.” – João 8.36

É, o poeta estava mesmo em crise. Transtornado, tomou uma decisão radical: “Mudei de ideia vou rifar meu violão”. Vou tomar outro rumo na vida, porque o amor não correspondido, pra quem só sabe dizer a paixão musicando, dá nisso. Só que é fácil quando a mudança de ideia só tem como resultado um violão a menos. Daí uma aluna, jovem senhora, esposa de pastor sem igreja, com quinze anos de vida conjugal, depois de ter-me dito que estava felicíssima por estudar o Bacharel em Teologia, entrou na minha sala numa segunda-feira inesperada e disse: - Estou trancando a matrícula. Fiquei sem entender, mas pra abrir possibilidade de conversa, fiz o que sempre fazia: - Posso ajudar em alguma coisa? Ao que respondeu secamente: - Não. E continuou: - Meu pastor me disse que Teologia não é curso pra mulher. Bastou uma semana, e o sonho de menina e uma possível vocação, vitimada pelo gênero, seria sepultado naquela noite comum, e eu não pude fazer nada. Poderia ter dito a ela que, se depois de dez ou vinte anos tal pastor mudasse de ideia, ela teria perdido todo o tempo, que é mais, muito mais importante que um violão. Não disse isso, por uma questão de ética.

E viva a liberdade! Você segue por medo, respeito e submissão as determinações aparentemente seguras e que serão, perpetuamente, tidas e havidas, como a expressão da verdade, daí um dia quem você seguia olha e lhe diz: - Mudei de ideia. Mas como mudou de ideia? É, mudei de ideia. Hoje não penso mais do mesmo modo, estou revendo alguns princípios. Como assim? Você sempre disse que as pessoas precisam ser firmes, não mudam de ideia nunca, andam sempre numa única direção, e fazia até um gesto com a mão mostrando para onde deveríamos ir. Agora diz isso? O que faço com os trinta anos perdidos? Construí parte do que sou com base no que me disse. Transferi a minha liberdade pra você e deixei que tomasse conta dela, afirmando o que era certo, o que era errado, como proceder assim; segui a cartilha, apliquei ponto por ponto mesmo não dando muito certo, mas afinal era a sua autoridade, sabedoria e bom senso que me dizia o que fazer e fiz. Agora me diz que mudou de ideia? De que jeito? Sinto muito, só sei que mudei de ideia. Boa noite, passe bem, até outro dia!

E Jesus reuniu as criancinhas e disse algo como: Isso sim é que é vida! Olhou para os adultos e recomendou que se livrassem de todo o emaranhado que os aprisionava. Mostrou a eles que no Reino de Deus só cabem crianças. Por conta de tudo, principalmente pureza e liberdade, porque vão vivendo como se o tempo pudesse ser eternizado no presente. Sabiam juntar vida, santidade e liberdade, na dependência direta e única com o pai, e tudo na brincadeira. Pai com quem Jesus conversava, suplicava, dependia e se entregava. Nada o aprisionou, nem a cabeça das pessoas, nem nunca o pecado. Um dia libertou-se da vida e depois, da morte. Foi embora. Retornou. Livre, incompreensivelmente livre, tão livre que teve que subir e se livrou da lei da física e do tempo. E todos ficaram olhando e pensando: - Como pode ser isso?

Isso é liberdade. Abraçar o que é correto por motivação e responsabilidade pessoal. Pensar, analisar, escolher e decidir; olhar, interpretar e entender o texto bíblico: e viva a liberdade de consciência. Tem também o sacerdócio real de todos santos, nenhum intermediário; quem fica no meio é que escraviza. Tudo para que o ser humano, você e eu, nos declarássemos diante de Deus como absolutamente livres.

pr. Natanael Gabriel da Silva