sábado, 12 de maio de 2012

EVA, VIDA


Eva, mais que um nome. Até então homem e mulher eram apenas indicações de gêneros. Eva só aparece depois de tudo perdido, e a vida que também se perdera no Paraíso, agora se torna nome e sentido da mulher-mãe. O nome dela vem depois, bem depois do Disse Deus. Depois de tudo criado, bem depois. Vá lendo a poesia do Disse Deus e logo irá encontrar o primeiro texto do cotidiano, dia comum, um passeio sem qualquer pretensão, ocasião qualquer e pela primeira vez a desobediência é conhecida. O Disse Deus é poético, mas a desobediência é trágica. Os textos têm que estar próximos para haver o choque literário, tudo fica meio pra baixo, gente se escondendo, discussão da culpa de um e de outro, medo, muito medo, vergonha também, não dá mais pra ficar olhando as flores, é melhor ficar escondido num canto e quem quiser achar que te procure! Tudo isso teria começado com quem? Com a ela! Ela quem? Ora, ela! Que nome a gente vai dar pra ela? Que tal Eva, ou seja, Vida?

Daí a serpente havia conversado com aquela que seria Vida e veio apontando que o negócio de não comer do fruto proibido era engambelação. Vida, você não sabe o que tem de bom do lado de lá da desobediência! Coisa fina e só vai ficar sabendo se degustar o doce sabor da contrariedade, o mal, que você não sabe o que é, está lá depois da mordida, vamos Vida coma! Acho que foi aquela voz de telefonista, meio doce, um pouco sussurrada, lenta, uma espécie de melancolia sedutora. E a Vida não resistiu. Quando Adão aparece em cena, a Vida não era mais a mesma. E se você pensar que Adão era esperto, pode estar enganado/a, pois até a serpente sabia que não valia a pena investir nele.

Daí a vida foi punida. Adão, homem, do barro e da terra foi punido com o trabalho, também da terra. Agora a Vida, Eva, foi punida com a vida: Com dor terá filhos. Foi a primeira condenação dada à Vida, antes de perder o paraíso. Antes da condenação da morte. Antes de tudo, a primeira coisa da Vida é sofrer pela vida. A vida vai sofrer desde o início do início. A Vida olhou para a liberdade e para o paraíso, colocou tudo numa balança de feira, daquelas antigas com dois pratinhos, e pesou a decisão como se fosse uma cabeça de alho. Quem consegue segurar a Vida? Ela desejou o prazer (comer do fruto); o que era belo (agradável aos olhos); e, principalmente ser livre. Sonhou que a liberdade traria o conhecimento de tudo e mais um pouco.

Eva poderia ter sido mãe antes. Só que não foi. Já pensou se tivesse nascido alguém antes disso tudo, sem a dor, sem que a vida representasse um contínuo sofrimento, um filho da perfeição, o único ser humano perfeito da Antiguidade remota? Acho que teria sido bom, mas hoje só sei ver a vida como esse lugar da luta, um leão por dia, ter medo, medo de tudo e ficar sonhando com o retorno ao paraíso. E não foi Eva a mãe de tudo isso? Eva era mais que um nome. Você olha pra Eva e fica com a pessoa que se chamou Vida, e eu olho a Vida que tinha o nome de uma pessoa, que geraria outras vidas e só faria isso com muito sofrimento e dor, tanto pra quem nasce, como pra quem faz nascer. Depois fica doendo o tempo todo, sem parar, nunca mais sossega. Dói a vida inteira. Uma hora dói de saudade do tempo quando era o começo, outra dói porque gostaria que alguma coisa fosse diferente. Dói de um lado e de outro; corpo e o coração. Dói até quando não tem dor. “Ser mãe é padecer no paraíso”, talvez seja isso.

pr. Natanael Gabriel da Silva

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