“Maldito o dia em que nasci; o dia em que minha mãe me deu à
luz não seja bendito.”
Dia, ou tempo, ruim pra Jeremias. Nada mais, nada menos, que
Jeremias, o profeta. Possivelmente depois, diria que as misericórdias do Senhor
são a causa de não sermos consumidos, porque elas não têm fim. Só que isso foi
depois, porque parece que a chegada ao Paraíso ou Terra Prometida, sempre vem
na trilha de um caminho duro, um deserto. Feliz foi Adão que já nasceu dentro
do jardim. Acho que foi o único, e nem assim foi garantia de obediência.
Só que Jeremias não estava em conflito com o Senhor, nem com
ninguém, mas consigo. Está impaciente com as suas limitações em não conseguir
suportar o sofrimento. Inconformado, aquele povo tinha tudo para não passar
pelo que passaria, mas escolhas são escolhas, e às vezes, ou quase sempre, os
caminhos do deserto são resultado de uma geografia construída. A pessoa olha
para o Senhor, o Paraíso, e escolhe colocar no meio do caminho um deserto. O
deserto não estava lá, mas aparece. Deserto pequeno, longo, médio, com bastante
penhasco e pedras, ou só areia, aí o ser humano, individual ou coletivo, vai
colocando a gosto.
No mesmo texto, Jeremias celebra a presença de Deus e
lamenta a própria existência, pra confessar que somos vítimas das nossas
próprias escolhas e se, numa remota possibilidade, bem remotíssima, fosse possível,
num sonho, uma vida só com base na recomendação de uma única palavra, amor, de
imediato não haveria mais guerras, nem gente passando fome, e não seria
necessário nem religião. Ninguém caçando ninguém, nem drogas ou traficantes.
Uma só palavra e o mundo já não seria mais o mesmo, e nunca mais alguém se
lamentaria de ter nascido. Começar a amar: será que conseguiremos um dia?
pr Natanael Gabriel da Silva
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