quarta-feira, 2 de maio de 2012

OS DOIS JESUS



“Mas ai de vós, escribas e fariseus hipócritas...” – Mateus 23.13

Não se engane com o título, porque não é de efeito só pra que leia o texto. Também não é uma dúvida sobre a missão de Jesus e sua Paixão, mensagem salvadora e de graça sobre todos, nada disso. É que, de certo modo, um foi o Jesus da Galiléia e sua estada entre pescadores e miseráveis do Norte da Palestina, outro o Jesus que se deparou com a guerra religiosa em Jerusalém. Religião que se misturava com política, cargos públicos do Templo e um sumo sacerdote nomeado. O que tinha de gente com medo de perder o emprego, você não faz ideia. A cura do cego de Jericó um pouco antes, tinha a ver com isso, porque Jesus entraria em Jerusalém onde estavam o que provocavam a cegueira. É por esta razão que, depois de chamá-los de hipócritas, vai reafirmar que os verdadeiros cegos não estavam à beira do caminho, mas dentro do Templo, no centro da religião, bem no miolo. Disse Jesus: “Insensatos e cegos!” (23.17). Antes de cegos, insensatos, pois desconheciam a miséria e o sofrimento por onde Jesus havia passado, e a própria perdição. Os religiosos de Jerusalém não conheciam o Norte, a fome, não davam importância aos endemoninhados perdidos pelos lados da fronteira e sequer sabiam o que significava andar com Deus.

Quando chegou a Jerusalém, a primeira coisa que Jesus fez foi chorar. Depois condenou a profanação do templo, e ao entrar pelas portas, foi direto e decisivo, como se fosse outro Jesus, e não suportou o que era feito contra o Reino de Deus. Não tinha outra coisa a dizer, senão, fariseu hipócrita. Isso porque tem coisa que nem Jesus conseguiu suportar. Quando esteve diante do mal em pessoa, depois de ter passado quarenta dias e noites no deserto, o máximo que disse foi “vai-te” e o despachou, sem chamá-lo de cego ou hipócrita. Só que naquele caso, o confronto dizia respeito a Jesus mesmo. Agora, quando é a casa do Pai que está sobre o crivo da ameaça, do descaso e da agressão, daí dói. Algo como “não precisava ter sido deste modo”. Mas foi.

Este foi o Jesus inconformado, porque tem coisa que se faz contra o Pai, às vezes em nome dEle, que não dá pra entender, nem suportar. O que Jesus queria, pelo menos em Mateus, é que a casa de oração fosse, antes de tudo, o lugar do cântico das crianças (21.12ss). Um clamor pela simplicidade e ingenuidade numa única proclamação e preocupação: “Hosana ao Filho de Davi”. Nada de coisas complicadas e sistemas intrincados de organização e gestão, coisa simples como cantar. Não ocupa espaço, não tem hierarquia, é profética e, se profética, não dá pra ficar irritado com quem canta, afinal é apenas uma música. Fazer o quê com as crianças? Expulsá-las do Templo? Condená-las num julgamento como fariam com Jesus? Tem um tratado teológico que regule a conduta de cânticos de crianças? Tem? Dá pra não se encantar? Alguém consegue não sentir na pele a leveza de vozes tão macias, semitonadas e múltiplas? Tem coisa mais bonita? E quando a Bandinha Rítmica nos ensina o que é adoração, dá vontade de morder ou não dá? Crianças que não sabem o que é Estatuto, nem Regimento Interno, a única reunião que participam é das brincadeiras e quando cantam, nem precisam saber o que significa a letra, porque tudo já vem puro desde as raízes.

Só que, pelo menos naquele dia, Jesus não suportou a afronta contra a casa do Pai, e não conteve a irritação, o que só enfatizou a sua indignação. Depois trocou os mercenários pelas crianças e as moedas pelo cântico.

pr. Natanael Gabriel da Silva

Um comentário:

  1. IMPRESSIONANTE!
    A referência ao canto das crianças emocionou-me de verdade. Tudo poderia ser tão simples, meu Deus!!!

    ResponderExcluir