“Torna a dar-me a alegria da tua salvação...” Salmo
51.12a.
Não, salvação aqui não tem o sentido cristão, lamento
muito. Era mais uma questão do próprio reinado. Perder o Espírito Santo, longe
de significar o sentido cristão de presença dinâmica, era o que dava a Davi a
autoridade de governo. Daí o receio dele ser lançado longe da presença do
Senhor. Perderia o que sobrara. Já ficara pelo caminho a sujeira com Bate-Seba
e Urias. Só faltava o reinado, e teria ido também, não fosse a oração do Salmo
51.
Não sei se Davi depois disso se tornou uma pessoa
alegre, se é que algum dia tenha sido. Agora, que tem hora que a gente tem
saudade da alegria, isso tem. Nem sempre ela vai embora por medo, feito Davi
que perdera a paz por conta do mal que ainda poderia acontecer. É, Davi estava
mesmo apavorado. Pavor do futuro. Ficou olhando este o que fez a alegria sumir,
porque a alegria é como uma florzinha, muito, mas muito, delicada. Eu sei que
você também acha que ele deveria se juntar à alegria, desprezar o medo e sair
pro abraço. Dá a impressão que poderia ter escolhido entre uma e outro, mas é
que a alegria às vezes some do mapa. Outra coisa entra na frente, feito muro, e
fica de atravessado. Você não sabe se foi avalanche, o que sobra, ou uma ponte
caída, o que falta. O caso é que você fica empacado e a alegria vai embora como
se escoasse pelo ralo. Não dá tempo de segurar. Essa tal da alegria é frágil
demais! Não fica empurrando ou brigando pra encontrar espaço. Ela simplesmente
murcha. O profeta Joel um dia disse que a alegria também seca. E como seca! Não
briga por nada, porque senão seria fúria, não é mesmo? Ela se recolhe como quem
gostaria de ter partido e não foi e daí se esconde. Onde? Pois é, procurar a
alegria é um nó. Ela vai se ocultando por detrás das emoções, disfarçada de um
modo que ninguém a reconhece. Migra no tempo e vai para o futuro.
É por essa razão que você não deve confiar muito na
alegria, quando se trata de passado. Você tem que ficar esperto, porque ela
quase sempre idealiza o que foi. Faz você esquecer as coisas duras e ruins e
acaba por reinventar dias que não existiram. Isso acontece demais! Daí você
fica com saudade do que nunca existiu, parecido com Israel que tinha saudade
das cebolas do Egito. Mas como pode isso? A alegria não tem jeito mesmo, quando
não some, inventa.
Agora, se você deve ter cuidado quando se trata de
passado, com o futuro é completamente diferente. Ela idealiza também, mas daí
já é combustível. Ela abre os horizontes, como se fosse cortina em dia de sol e
aponta com o dedo pra esperança. Não vai ser sempre assim! Ufa! Que bom! Tem
que ter uma saída, não é mesmo? É a porta do amanhã, e assim a alegria e a
esperança puxam a gente pra frente. Tem hora que o puxado é arrastado, meio na
marra, noutras vezes é ensaboado, liso, que faz a gente escorregar sem freio.
Vamos viver! Estamos quase lá! Pode ser uma terra prometida depois de quarenta
anos de deserto, um retorno quando terminar um cativeiro de sete décadas, ou um
paraíso perdido, que está tanto no passado como no futuro. “Regozijai-vos
sempre no Senhor, outra vez vos digo, regozijai-vos” (Fil. 4.4). Não olhe pra
mim, olhe pra frente, dizia Paulo. É, eu sei que é triunfalista. Faz a gente
esquecer a tragédia da vida, os dramas, as lutas, e Karl Marx que me desculpe,
mas não é alienação, é saúde, desejo e confiança. Não é preciso entendê-la, mas
ninguém sobrevive sem a alegria. A alegria entende de esperança, e a esperança
entende de alegria: “ o choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela
manhã” (Salmo 35.5).
pr. Natanael Gabriel da Silva
Ah, a alegria!
ResponderExcluirQue coisa boa!