“E ele lhes disse: Por que é que me procuráveis? Não sabeis
que me convém tratar dos negócios de meu Pai?” Lucas 2.49
Coisa de criança é coisa de criança. A gente observa e ri o
riso afetivo como quem vê a cria e se projeta admirado com a vida. As frases
depois ficam na cabeça da gente, desde a fala, ainda quando resmungo. Fica
ainda o timbre da voz, o tom, e até as expressões faciais que nunca mais serão
recuperadas. Saudade gostosa da voz doce e das perguntas, uma atrás da outra,
sem tempo de pensar! Brotam naturalmente os por quês. Vão saindo, e não dá
tempo nem da gente pensar numa resposta, que lá vem outra pergunta. Uma
avalanche de quem tem ânsia de compreender a vida e encaixar tudo certinho. Só
que, talvez, crescer seja mesmo um aprender a conviver com perguntas.
Coisa de criança, coisa de um Jesus criança, conversando com
doutores no Templo e que ninguém entendeu, ou procurou entender, apenas ouvir:
“Não sabeis que me convém tratar dos negócios de meu Pai?”. Que negócios? Que
Pai? Tratar do quê? Uma criança, que pouco sabia sobre Pai, que não entendia de
negócios e não tinha condições de fazer nada pra cuidar deles. José nem se deu
conta ou trabalho de ficar pensando. Esqueceu porque não fazia sentido e nem
tinha futuro. Maria, como mãe, também não sabia do que se tratava, mas mãe é
mãe, e guardava tudo no coração.
Só que, uma criança no Templo conversando sobre o sagrado,
não dava pra entender mesmo. Estava perdida havia três dias, sem pai e mãe, não
sentiu falta deles, nem saiu em busca. Uma criança que já entendia que os
negócios do Pai não era o comércio ou a carpintaria. Era outra coisa, e o Pai,
não era o pai. Jesus criança, no Templo, queria saber mais. Foi procurar
respostas, provisórias é claro, porque aqueles sacerdotes, pouco mais de vinte
anos depois, encomendariam por trinta moedas a vida dele. Só que isso só foi
depois. Naquele dia Jesus fora à fonte fazer perguntas e ouvir, pra depois
perguntar de novo. Três dias de conversa, não sei se o tempo todo, mas isso não
importa muito. Estar no templo perguntando já era um absurdo. Talvez desejasse
saber sobre a Páscoa, já que o assunto de terem ido a Jerusalém fora esse. Qual
o significado do cordeiro? O que significou a libertação do Egito? Como foi a
nossa história? O que cremos? Como nos tornamos o que somos? Quem foi Moisés? O
que significa ser um sacerdote? Templo? O que é um templo? Deus morava ali? Por
quê? Desde quando? Foi sempre assim? Perguntas, perguntas, perguntas. Foram
essas? Como foram respondidas? O fato é que, duas décadas depois, a própria
criança responderia a tudo isso com a vida: o cordeiro daquela festa seria Ele;
seria também o libertador, reescreveria a Lei de Moisés, assumiria a condição
de sumo sacerdote, o templo seria o seu próprio corpo e o Senhor ira agora morar
no coração humano, este sim como lugar sagrado.
Não sei se foi isso, mas poderia ter sido. Só sei que uma
criança, orientada e cuidada pelos pais, foi levada um dia pra Jerusalém numa
grande festa de libertação, como uma memória viva, quando aparentemente tudo o
que povo sofrera era recuperado bem fresquinho na mente e no coração. Começou
cedo Jesus, não por conta própria, precisou ser conduzido para depois ir além.
E quando aos doze anos disse que deveria cuidar dos negócios do Pai, quem
poderia levá-lo a sério? Era coisa de criança que adulto não entenderia jamais,
e Maria precisou estar tanto ao pé da cruz, como na ressurreição, pra
compreender que, coisa de criança, é coisa séria e que ela, afinal, tinha feito
a lição de casa: um dia apanhara Jesus pela mão e o levara a um encontro
consigo mesmo.
pr. Natanael Gabriel da Silva
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