quinta-feira, 11 de agosto de 2011

CHUVA, PRESENÇA E PALAVRA



“Goteje a minha doutrina como a chuva, destile o meu dito como o orvalho, como chuvisco sobre a erva e como gotas de água sobre a relva.” Deuteronômio 32.2

Para que servem as chuvas? Depende de onde e em que época você vive. Claro que para você o onde é aqui, e a época, agora. Chuva para você é chuva, que coisa mais sem assunto. Bem, talvez não. Chuva complica o trânsito. Causa medo para quem construiu a casa no morro ou na várzea. Faz a gente andar com o guarda-chuva, tão criticado quanto o chapéu: cheira à antiga. Chuva traz resfriado, enxurrada com o lixo urbano, rodando pelas ruas. Lixo que desce a ladeira, em sacos pretos para ninguém ver a sujeira. Rodam também doenças, baratas, urina de rato e sapatos velhos. Papéis, plásticos, recados, documentos perdidos, buracos de bueiros entupidos. Lixo, no curta premiadíssimo “Ilha das Flores”, de Jorge Furtado, “é tudo aquilo que é produzido pelos seres humanos numa conjugação de esforços do telencéfalo altamente desenvolvido com o polegar opositor e que, segundo o julgamento de um determinado ser humano, não tem condições de virar molho.”

Outro dia vi uma coisa, que no passado teria sido um riacho, e os sofás velhos, pneus e garrafas pet às margens esperando uma chuva para levá-los não sei pra onde. Esta é a chuva urbana. Suja as paredes de preto com o que traz do telhado. Molha os pés da gente. Faz o dia ser triste, escuro. Molha o carpete do carro. O chão fica liso. Barro, muito barro, sujando sapatos, casas, tapetes e roupas, molhadas e sujas. Caso demore pra passar, embolora armários, escorre pela parede, tão limpinha e pintada, com um fiozinho preto, provocante, tão grudado que, quando você esfrega, embranquece. Gostamos da água que a chuva traz, só que chuva mesmo, sempre causa problemas. A chuva é tão mal vista que quando há previsão, o jornalista diz: tempo ruim. Ruim significa que vai chover, estragar o fim-de-semana, a praia, o jogo de futebol, prejudicar a transmissão da televisão, cair a internet. Caso seja acompanhada com relâmpagos e trovão, pode dar descarga, excesso de energia, confusão de galhos que batem nos fios e fazem barulho, igualzinho ao de rojão. Nunca viu? Eu já vi, uma madrugada inteira, mal dormida por conta de um vizinho que não podou a árvore, numa noite em que o vento resolveu zunir. Chuva assim impede o uso do computador, e ainda faz muita gente esconder-se debaixo da mesa. Tempo úmido traz alergia, facilita a proliferação de ácaros. Significa também goteiras nos telhados furados. Vento nos barracos das favelas. O  ponto de ônibus fica lotado, muito apertado. Parece que nunca se pensou em fazer um ponto de ônibus com cobertura que cubra. Não, não é redundante.

Perdemos o referencial da chuva. Acho que perdemos muito. Perdemos porque não vemos os campos e a vida se renovando. Pensamos que ela deve vir para espantar o tempo seco e trazer água pra se beber. Isso é pouco. Isso é nada. Chuva é poesia da bênção. Árvores enverdecendo, gramas crescendo e flores brotando. O fazendeiro olha para o campo, a chuva chegando e os lucros. Deus olha para a chuva e vê o renascer da vida, o milagre da renovação da natureza. É como o sertão de Euclides da Cunha, o que parecia morto renasce, num instante, como por encanto. Que encanto que nada! Não é magia. É água que cai. Água que evapora. Água que volta a cair. Cai sobre tudo, deixa tudo lavado. E vai pingando como quem se debruça sobre os braços das árvores estendidas para o céu. Copos de flores abertas. Folhas lisas, como calhas, aproveitam o essencial e escorrem sobre outras o excesso que não mais necessitam.  Pássaros arrepiados cortam as plantas em busca de abrigo. Não há barulho na mata. Os insetos se recolhem. O barulho é só de gotas. Fortes gotas sobrepostas, justapostas, seqüenciais, torrenciais. Mananciais de vida caindo dos céus celebrando a bênção. E todos se recolhem para ver a vida viver.
Vive a vida na bênção do céu como se Deus tivesse se lembrado de nós. Com que farei semelhante o favor do Senhor? - teria o poeta se questionado. Então respondeu: com a chuva. Chuva esperada, querida, desejada no contraste entre os lugares verdejantes de algumas regiões da Palestina e seus imensos desertos. Orvalhos do Hermon da bênção eterna do Senhor sobre a vida:  É como o orvalho do Hermon, que desce sobre os montes de Sião. Ali ordena o Senhor a sua bênção, e a vida para sempre (Salmo 122:3). Diz Ezequiel: e farei descer a chuva a seu tempo; chuvas de bênção serão (34:26). É, acho que sabemos pouco sobre a celebração da vida, porque esquecemos o simples significado do que seja a chuva, presença e palavra de Deus. Não é panteísmo. É poesia da vida. É Deus se lembrando das nossas carências e controlando aquilo que chamamos de mundo.

Pastor Natanael Gabriel da Silva

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