segunda-feira, 10 de outubro de 2011

CIMENTO COM CANETA

Passei muito tempo sem escutar um hino sacro cantado por um coral. Um dia o jejum foi quebrado e satisfiz a minha saudade. Lá estava um grupo de pessoas formado por donas de casa, pedreiros, funcionários públicos, gerentes, fotógrafos e não sei mais quem. Pessoas que durante a semana assentam tijolos, lidam com alunos, passam as longas tardes enfrentando a jornada de uma faxina, ou a burocracia de um sistema público emperrado e que esbarra na boa, ou má vontade, desse ou daquele. Daí no fim de semana se tornam cantores e cantoras. São pessoas que arrumam tempo, não sei onde e, por algumas horas esquecem a vida dura pra cantar. Tá certo que é uma musicalidade misturada com sabão, hora do almoço, crianças correndo pelo pátio, sistema político e suas contradições. Não é pura e vem na esteira do serviço bruto, mãos grossas, vida grossa, gente sofrida que enfrenta a vida e no fim de semana vira cantor e faz poesia. Bebe a letra e flutua ao som de um piano que pouca gente tem em casa. Como se trata de gente que trabalha em fábrica e não tem tempo de ficar cultivando sensibilidade, o canto não vem puro. Não é tão afinado. São vozes comuns, de pessoas que saltam por sobre a realidade e se tornam iguais. Isso é inclusão.

Você pode achar que estou fazendo um discurso de quem não sabe direito onde pisa. Isso porque a igreja sempre foi vista como a comunidade que, ao invés de incluir, exclui; é preconceituosa e pouco, ou quase nada, luta pela vida, e que está mais preocupada em se abastecer de pessoas como se fosse um grande depósito, e disputa com outras cada palmo de gente. Será que um dia seremos humildes, simples, conscientes dos próprios limites, ou continuaremos como semideuses do saber? Quando se caminha por determinados lugares, a sensação é a de passear na ilha de Páscoa: cheio de gigantes de pedra - ninguém sabe de onde vieram, nem pra que servem – aparentemente só assustam, e ficam lá como se o mundo os reverenciasse. 

Eu não fiquei assustado, fiquei impressionado. Mais que isso, fiquei comovido. Vozes roucas, pouco treinadas, ora desafinadas, ora uns entrando antes de outros, ou sequer entrando, estavam ali me fazendo cheirar o perfume da solidariedade. Havia ali colheres de pedreiro, carrinhos de entulhos, aventais, muitos aventais – de serviços gerais, domésticos, possivelmente de serralheiros, mecânicos e carpinteiros. Havia ali chaves de fenda, panelas, canetas e lápis, pessoas pensando na cinco da manhã da segunda, gente suada, agarrada e dependurada nos tetos, trânsito, conta corrente no vermelho, marido desempregado, crianças na creche, filas de consulta médica no sistema público, calçadas a serem varridas, tanques abarrotados de roupa da criançada que o fim de semana juntou, daí o momento da arte suspende tudo e a vida dá passagem ao sonho de poder fazer parte de um grupo que canta, se encontra e se encanta. Amigos, chefes, patrões, diretores, gerentes e seus subordinados, empregados, funcionários, condôminos e porteiros, todos juntos, iguais, desocupados das suas obrigações e da vida dura, superando o desafino e descompasso, tentando juntar cimento com caneta, avental com farda, tanque de roupa com livros, becas com macacões, ternos com bermudas, sapatos com chinelos, Audi com Fusca, cujo tempero é o doce sabor de pertencer e ser pertencido; um painel de diversidade e pluralidade. 

Você chama isso de desigualdade social? Pois é, a gente pensa diferente mesmo. Pra mim isso é inclusão. Por conta dessas coisas sou perdidamente apaixonado pela igreja.

pr. Natanael Gabriel da Silva

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