“Ora havia naquela mesma
comarca pastores que estavam no campo, guardavam durante as vigílias da noite o
seu rebanho.” – Lucas 2.8
(a propósito da meditação que proferi ontem à noite, Igreja Batista em Barão Geraldo, Campinas)
Não é preciso ser
meticuloso para descobrir que apenas Lucas teve o cuidado de mencionar os
pastores, o rebanho e a noite. Mateus vai pelo viés institucional, pelo caminho de Herodes,
o rei, também dos magos que possivelmente faziam parte de alguma nobreza
oriental, em razão dos presentes e até mesmo da viagem, e ainda dos príncipes dos
sacerdotes e escribas, todos juntos, de uma só vez, num colóquio irônico que vale
ser lido mais pela história que pelas virtudes, excluindo os magos, é claro. Marcos, preocupado com a
maioridade e ministério de Jesus, sequer fez referência ao seu nascimento. João
apresenta Jesus como “logos” e vida, cuja complexidade merece atenção
específica, mas que também não é biográfico.
Lucas preocupa-se com
aqueles que não têm importância (veja "Espera e Esperança: Lucas 2:22-40", clademilsonpaulino.blogspot.com.br, 18 de
dezembro de 2012), e isto inclui os pastores. Diferente de Mateus, sem
manjedoura, mas com a estrela, que lembra mais a promessa feita a Abraão de
Gênesis 15 do que o próprio nascimento de Jesus, Lucas se dá embevecido na
celebração e simplicidade com os seus pastores, pessoas simples e cuidadoras,
aos quais é dado o anúncio: “Porque nasceu hoje o nosso Salvador, o Cristo, o
Senhor, na cidade de David”. E “cidade de Davi” fica mesmo pro final no texto
original, porque era a informação menos importante, comparada ao Salvador,
Cristo e Senhor. Tudo isso anunciado pelos anjos, não pelo sistema formal e
político, porque a Igreja desde o início não está nas estruturas, mas nas
pessoas, não está no comando, mas no povo, literalmente laós (...será para todo
o povo”, Lucas 2.10), laicato, gente comum e que carecia de amor e da presença
de Deus.
Os pastores de Lucas
apontam na direção do nascimento de uma comunidade que deveria marcar a existência
humana pelo pastoreio, amor ao próximo, afetividade, respeito à dignidade
humana e em favor do perdão e da inclusão. Lucas iria escrever sobre isso, o
tempo todo e em todo o tempo. Uma comunidade de amor superlativo, portadora de um incansável compadecimento humano e se desse num mundo em frangalhos, como abrigo
e agasalho de pródigos, quando estes retornam para casa, independente do que tenham feito ou abraçado, porque a pessoa será sempre mais importante que seu pecado, e o amor mais abrangente e perdoador, superando de sobra a punição ou exclusão.
Uma comunidade de
pastoreio vai além das reuniões de adoração, calendário de atividades e estudos
repetitivos de confirmação da fé e que flutuam tão somente no âmbito do
discurso; é mais do que um sistema político da comunidade que deseja ser
tida como se fosse forma e expressão do Reino. Não é. Se for segregadora,
desumana e manipuladora, sequer saberá o sentido de ser Igreja, mesmo que tenha
esta palavra como indicação no nome. Uma comunidade pastora não se satisfaz com
descortinamento dos detalhes de interpretação textual, mas se dá na simplicidade e nos conflitos da vida, quase impossível de se compreender por aquele que não desenvolveu os
instrumentos que facilitam o amor e o amor. Herodes e
os freqüentadores do colóquio do poder jamais poderiam compreender o privilégio
dado aos pastores na noite mediante a perfeita celebração dos anjos que abriram
a cantata do exército celestial que, cercados pela glória do Senhor, fizeram o
anúncio do nascimento de Jesus na manjedoura. Cercados mesmo, literalmente
colocados num círculo, sem saída, envolvidos pela manifestação não esperada,
que nunca tinham almejado, mas se tornaram partícipes da profecia pastoral da
presença do menino pastor no mundo. E tinha que ter sido à noite, para que o silêncio realçasse o resplendor e a glorificação fosse purificada pela calmaria.
Lucas ensina desde o
início que a motivação do nascimento de Jesus foi o pastoreio. Deste modo, uma comunidade cristã, ou uma Igreja-Pastora,
é o socorro, a preocupação com os excluídos, o respeito à dignidade humana e a
imensidão de um perdão sem limite. E isso é o Natal.
pr. Natanael Gabriel da
Silva
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