“E como insistissem, perguntando-lhe, endireitou-se, e
disse-lhes: Aquele que dentre vós está sem pecado, seja o primeiro que atire
pedra contra ela.” – João 8.7
Quando Jesus dialogava com uma pessoa, individualmente considerada,
em situação de miséria e pecado, sempre a tratava com profunda dignidade e
respeito. Por outro lado, quando se deparava com o pecado instituído e
defendido pelo sistema religioso formal, tratava os interlocutores como hipócritas
e demonstrava nítida repulsa, porque para ele, nada mais deprimente que uma
comunidade que instaura, coletivamente, o mal.
O texto de João nos mostra isto. Os justiceiros, de pedras na mão, se apresentaram ali como religião constituída. Democraticamente haviam
julgado a adúltera e, fundamentados no que havia de mais claro e nobre, sem
qualquer sombra de dúvida, sentenciaram a infeliz à morte e se tornaram, em
nome de Deus, defensores da moralidade e da pureza. Estavam ali adúlteros,
roubadores, usurpadores e politiqueiros das coisas religiosas, porque não
desejavam qualquer justiça a não ser agredir Jesus. Utilizavam assim o
mecanismo da purificação com o objetivo de alcançar Jesus.
Não só decidiram por impulso, mas insistiram, confirmaram o desejo e decisão.
Quem sabe se naquele dia não seria o grande prêmio? Dois numa ação: Jesus, principal
alvo e, de quebra, o apedrejamento de uma adúltera imoral em prol da santidade
e pureza! Não tinha como dar errado, mas deu, porque o olhar para o mundo interior revela monstros e misérias escondidas, não assumidas, mas que corroem sem consumir.
O texto iria ensinar, mais tarde, que o responsável pela
santidade da Igreja não são os seus adeptos, mas o próprio Jesus. Foi ele quem
morreu pela Igreja para que esta se apresentasse sem mácula nem ruga. Não são
os participantes da comunidade institucionalizada que têm poder e capacidade,
por banimento ou preconceito, de efetivar o que compete à espiritualidade
profunda. Pecadores não podem banir pecadores. E a esquizofrenia do
protestantismo histórico e tradicional reconhece que, banir uma pessoa do grupo
religioso, não significa excluí-la do Reino de Deus. Com outras palavras, você
pode fazer parte do Reino de Deus, porque lá a graça aceita tudo, mas não pode
fazer parte desta comunidade específica, porque aqui somos exigentes e zelamos
pela pureza. Continue no Reino. Vamos orar por você, mas não aqui. Somos
impuros, mas você é extremamente impuro, muito impuro mesmo, e não pode caminhar
conosco. Quando for menos impuro, retorne humilhado, talvez seja possível
recebê-lo/a de volta.
Pureza? Seletiva, é claro; de quem se apresenta para jogar a
pedra e esconde o adultério, pessoal ou de alguém protegido pela família,
empurrado pra debaixo do tapete. A uma comunidade assim Jesus chamou-a de hipócrita.
Isso porque a malignidade nessa forma de segregação está no fato de ser
consciente, discutida, aprovada e executa com os requintes do abandono e da
prepotência. É o mal apoiado, votado e registrado em Ata, como se Deus fosse
leitor de texto e não de coração e intenções.
Jesus não desejou fazer parte de uma comunidade assim. Sigo
sua orientação e decepção: eu também não. Se você perguntar a alguém: - Se
tivesse que escolher, qual personagem gostaria de ser no episódio de João 8? A
resposta, depois de meio segundo de reflexão, com certeza será: - A mulher
adúltera, sem dúvida. Isso porque a hipocrisia é pior que o adultério, e a
homologação do mal coletivo é mais asqueroso que qualquer pecado que tenha como
sentença a morte. Se você pensou que gostaria de ser Jesus, não se preocupe, o
querer ser Deus faz parte do imaginário popular.
Em João 8 quem iria morrer, viveu. Os que se achavam vivos,
com decisão e Ata votada de sentença de morte, voltaram mortos para casa, carregando
as vidas miseráveis.
Aquela mulher não era uma excluída. Era uma privilegiada.
Não pelo que cometera, mas pelo perdão e liberação dados pessoalmente por
Jesus. Só ela ouviu “o eu também não te condeno”, volte para casa, liberte-se
da punição e redirecione a sua vida, porque graça é perdão ilimitado, oportunidade e
inclusão.
pr. Natanael Gabriel da Silva
Nenhum comentário:
Postar um comentário