domingo, 23 de dezembro de 2012

E O CEIFEIRO SAIU PARA CEIFAR

  
“E ele lhes disse: Um inimigo é quem fez isso. E os servos lhe disseram: Quereis pois que vamos arrancá-lo? Porém ele lhes disse: Não, para que ao colher o joio não arranqueis também o trigo com ele.” – Mateus 13.29,30 

Daí o ceifeiro saiu a ceifar. Afiou a ferramenta, muniu-se da própria justiça, porque quem ceifa se acha senhor e tutor do ceifado, tem sobre ele o poder de tirá-lo ou não, dar-lhe um dia a mais de vida, ou não, permitir que viva até o tempo determinado, ou não, porque o ceifeiro é dono dos valores, acha-se a si mesmo plenipotenciário a ponto de, ele mesmo, jamais ser ceifado. Dono da vida e morte, tem as chaves do Reino e é capaz de determinar, por observação e vocação, quem pertence ou não aos céus. 

O ceifeiro havia faltado à aula do amai-vos uns aos outros como eu vos amei. Ficara com preguiça, dormira até mais tarde, ou simplesmente pensava na vida, sem lenço e sem documento, num domingo de quase dezembro, imaginando a coca-cola ou o casamento e jamais iria se lembrar do vós sereis meus discípulos/amigos se vos amardes uns aos outros. Vagamente irá se lembrar, de tanto ser repetido, que há dois mandamentos supremos e significativos que superam qualquer religião, ritual ou moralidade: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. É que o ceifeiro, como todo e qualquer ceifeiro, utiliza duas pontas: para os amigos, amor; para os inimigos, a lei. Nisso se dá bem, porque tem as duas caras da sobrevivência, por um lado convive com toda a maleabilidade com os amigos e, quem o acusará de ser injusto? Aos amigos, perdão. Aos inimigos, justiça. Aos amigos, compreensão. Aos inimigos, separação por conta da pureza e da santidade. Daí o ceifeiro é um politiqueiro, perdoa quem quer, quando interessa, pune quem quer, quando isso lhe dá o prestígio de ser puro e lutar pela santidade do Reino e dos objetivos mais nobres do Evangelho. 

O ceifeiro é um beligerante. Sai a campo, a titulo de defender a sã doutrina, e se dá como um atirador de alvo certo. É um desumano em nome do amor, e um plantador de desavenças. Num dado momento acha que o que falta no mundo mesmo é o amor, porque ele mesmo não sabe onde este se encontra. Belchior, sobre a chegada de Cristovão Colombo à América, diz que ele: “Trazia em vão Cristo no nome, e em nome dele o canhão”. Cristovão, ao contrário, é vão Cristo; beligerante, atirador, portador do canhão que explode todo mundo pra limpar o caminho. É um ceifeiro que saiu para separar uns e outros e que estava cansado quando Jesus lavou os pés dos discípulos.

Uns saem pra semear: e eis que o semeador saiu pra semear. Oferecem a contribuição da vida e esparramam amor como quem joga sementes em todos os lugares, no caminho do vento, sem escolher coração ou solo. Outros assumem a autoridade do domínio da ceifa e saem cortando e arrancando o que encontram pela frente, protegem os amigos, e se dão no campo de batalha do lado errado. Por um lado, têm o poder, capacidade e coragem pra fazer isso. Por outro desconhecem o sentido da palavra amor em relação aos outros, mas também para si mesmos. O ceifeiro é um infeliz que não sabe que amor e Cristo têm o mesmo significado; ao perder-se um, perde-se o outro. E não há experiência subjetiva e mão levantada que resolva isso.

pr. Natanael Gabriel da Silva

3 comentários:

  1. E isso é tudo por enquanto... porque haverá um dia em Jesus olhará bem fundo nos olhos de todos nós e vai nos separar e dizer "...vinde benditos de meu Pai para o que eu vos tenho preparado..." Ele mesmo irá nos consolar!
    Obrigada por seu texto, valeu! Deus os abençoe, sempre!

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  2. Como sempre, meu eterno mestre. Te amo, pai.

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  3. Muito bom! Simplesmente um texto riquíssimo.
    Parabéns meu amigo.

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