domingo, 4 de março de 2012

UMA ORAÇÃO ANTIGA



“Depois dessas coisas, pôs Deus Abraão à prova e lhe disse: Abraão! Este lhe respondeu: Eis-me aqui! Acrescentou Deus: Toma teu filho, teu único filho, Isaque, a quem amas, e vai-te à terra de Moriá; oferece-o ali em holocausto, sobre um dos montes, que eu te mostrarei.” Gênesis 22.1,2.

Eu sei que não foi uma oração nos moldes como estamos acostumados. Só quero pensar aqui um pouco sobre a oração que está além do que se diz. Também não estou querendo afirmar que a oração da devoção, aquela recomendada por Jesus a partir do quarto, quando se derrama a alma sem rodeios ou frases feitas, seria menos importante. Nada disso. É que, de certo modo, a oração só por meio de palavras, corre o risco de ficar apenas nas palavras.

Na verdade, se considerarmos a experiência de Abraão como uma oração, quase não há falas. Foi doída, eu sei. Levantar cedo, apanhar o menino andar por três dias, para depois fazer o que nem sabia direito a razão, não deve ter sido fácil para ele. Geralmente se entende a oração por uma resposta, você conversa com Deus e Ele responde. Uma oração ao contrário, foge à regra. Ainda mais se for uma oração que estica o sofrimento. Três dias andando e pensando, pensando e orando, perguntas que nunca chegaram a ser feitas, não sei se dor havia, nem mesmo imagino uma incompreensão. Ele sabia onde seria, isso sim. Hebreus diz que Abraão sabia que, mesmo se oferecesse o seu filho, o Senhor o ressuscitaria. Só que o caminho entre a casa, o lugar do sacrifício, o próprio sacrifício e a ressurreição, era longo demais, e foi. Foi Abraão e ficou mudo. Já ouvi alguém, de forma muito ingênua, afirmar que Abraão sabia que voltaria só por ter dito no plural “voltaremos”. Mas isso é pouco. Esconde o sofrimento, a caminhada e a oração que não disse nada, porque não havia nada para ser dito. Sem perguntas, exigências ou o clamor desesperado de quem não sabe o que precisa fazer para que a felicidade viesse rebocada pela obediência. E se você procurar uma razão, explicação ou indicação do que afinal poderia pretender Abraão por obedecer, não vai achar nada. Só tem o toma teu filho, e ainda o reforço, seu único filho, e depois continua, a quem tu amas, e a palavra vai penetrando na alma, sempre singularizando. Começa com a expressão “filho”, individualiza com o “único filho” e deixa mais singular ainda com “aquele que tu amas”. Identidade completa, por inteiro. O “filho” era o privilégio de ter tido um. O “teu único filho” já é parte da promessa. “Aquele que tu amas” já é afetividade e pessoalidade. Insuportável oração que impõe um movimento, uma dor que não tem explicação, nem promessa, e nada que recebesse em troca poderia recompensar qualquer coisa. Eu sei que a promessa veio depois, mas antes Abraão nada sabia

O que teve a oração de Abraão? Não teve nada, apenas obediência, sem explicação, só submissão à soberania e entrega; talvez devolução da própria vida para ao inventor. Se orar faz sofrer, isso eu não sei. Se as palavras hoje ditas ao Senhor, sem um Moriá, sem um compromisso de vida, são suficientes para que se compreenda como oração, também não sei. Acho que não. Porque oração, mas oração mesmo, não são palavras ditas com emoção, cuja profundidade da alma ninguém pode ver ou saber, mas sim uma postura de vida.

Só sei que Abraão nos ensina uma oração sem palavras, talvez porque em algum caso, as próprias palavras não dão conta de determinadas orações.

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