sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

"Êh, DOIS!"

“... e serão dois numa carne.” Efésios 5.31c

“Êh, dois”, dizia a minha sogra quando desejava comentar alguma coisa que Jesuina e eu tínhamos feito, ou pretendíamos fazer, meio reprovando, meio admirando, mas com muita afetividade. Os filhos ainda fazem isso, e quando duma observação ácida, começam: “Vocês dois, blá-blá-blá". Outro dia, um colega, pastor, já nem me lembro do contexto, conversando na monotonia e informalidade de acampamento pós-almoço, disse: “É muito engraçado, a gente nunca pensa em Jesuína e você como duas pessoas separadas, mas sempre como uma coisa só”, e fez o gesto com as mãos. “Coisa só” foi boa, e já falou rindo. Entrei na onda, uma risada não se perde, nem no banco do carona.

É, não teria sido assim se tivéssemos navegado ao acaso. Nisso acredito que ainda somos muito tribais e o “...serão ambos uma única carne” é como se fosse um traço biológico, automático, e que vem como garantia de fábrica. Lembro-me dos tempos de loja, dizíamos ao comprador: “Garantia de três meses e assistência técnica permanente”. Ou seja, caso em três meses dê defeito, o conserto fica por nossa conta. Agora, depois disso traga que vamos estar sempre aqui pra consertar. Acabou não sendo verdade porque a loja já fechou, o prédio foi demolido, os donos faleceram, e o permanente não permaneceu.

Pois é, casamento tem assistência técnica permanente, e nem sei quantas vezes o Senhor teve que intervir pra consertar o que quebramos. Depois, com o tempo, escrevemos o próprio manual. Diferente da máquina que envelhece e enfraquece, o casamento parece que, quando fica bom mesmo, acaba, e já é “tempo de morrer” (time to die), como diria o personagem no impagável diálogo em Blade Runner, sob o som de “Tears in Rain” de Vanguelis.

Quando a gente escreve o próprio manual e vira gente, daí o casamento fica bom, e vai ficando bom aos poucos, ou não, pra quem tem aversão a manuais. É muito difícil escrevê-los, pois o de outros não dá pra entender, vem escrito em mandarim. No “uma só carne” não basta deixar de fazer o que é errado, mas agir e provocar ações que sejam afirmativas e que tenham valores. Uma coisa é o funcionário que faz o que deve fazer, outra é o criativo, o que apresenta sugestões e vai por onde ninguém foi. A vida conjugal não precisa de gente batendo cartão e cumprindo horário, tem que se dar desbravando. Aquele que vai escarafunchando, persistindo, entrando no mundo do outro, abrindo caminho, construindo estradas, pontes, e enquanto anda, escreve o próprio manual, faz as anotações, compara o amor encontrado nas andanças com o da nota do fabricante, e bota o pé na estrada. Haja quilômetros porque, quando me casei, não sabia que o caminho pro coração fosse tão longo. Um metro e meio de gente que virou zilhões de quilômetros. Êta caminho comprido, sô! Depois é desenhar o mapa, e o entra e sai já está memorizado. Um dia entra de mala e cuia e não sai nunca mais.

Por isso, quando você olhar para alguém que sozinho não faz sentido, talvez esteja diante de um holograma. As verdadeiras pessoas estão uma dentro da outra, ou como diria o Chico, “se na bagunça do teu coração, meu sangue errou de veia e se perdeu”. Não só o sangue, a pessoa completa e por inteiro; só que também não se perdeu, mas se encontrou.

pr. Natanael Gabriel da Silva

Nenhum comentário:

Postar um comentário