quarta-feira, 28 de setembro de 2011

PÃO SECO



“Melhor é um pedaço de pão seco com paz e tranquilidade do que uma casa onde há banquete, e muitas brigas.” Provérbios 17.1

Em tempo de luta por igualdade social, falar de pobreza honrada é quase uma afronta. Belchior em uma de suas músicas ironiza e confessa com raiva: “Não, não quero contar vantagem, mas já passei fome com muita elegância. E uns caras estranhos - ordens superiores! Já invadiram minha casa... Mas com muito respeito!” Já escutei isso trilhões de vezes e sempre é como se fosse a primeira, me divirto com a criatividade e genial tirada poética.

Só que tem coisa que a gente tem que ficar velho pra descobrir e, então, peneirar o que de fato vale a pena. Chega tarde a consciência e vem pelas perdas, horas e horas de ansiedade pelo consumo, de produtos e de marcas, conforto e pessoas que vão se perdendo no meio desta batalha opressiva de se correr atrás de um negócio que ninguém sabe direito o que significa, o tal do padrão de vida, que não tem padrão nenhum, pois para cada centavo a mais, mais consumo, pra depois descobrir que o riso ficou para trás, esquecido, jogado fora com os amigos que atravessaram a rua e mudaram de calçada, porque ninguém suporta uma pessoa que não sabe andar com pessoas. De repente os filhos cresceram e a casa, linda, arquitetura moderna, também envelheceu, piso que não se usa mais, pintura e textura, tudo fora de moda e o tempo que se passou sob a pressão do trabalho, transformado em pregos, tomou o lugar das pessoas. Você esquecerá os pregos, mas nunca irá se perdoar de não ter gastado tempo com quem amava. Coisas da vida.

O livro de Provérbios não está elogiando a pobreza, mas a simplicidade e a paz. No banquete briga-se com pessoas e uma vida miserável na solidão da fartura e do poder, tipo o coronel de Garcia Márquez, ninguém merece. Um dia desses ouvi a minha mãe e os seus oitenta e quatro anos de conselhos, sobre o que já não importa mais e nem faz diferença, e hoje ela convive mais com as lembranças do que com as pessoas, e as lembranças vão confirmando que, apesar de tudo, foi uma pessoa feliz porque escolheu o pão seco e se doou aos filhos que hoje são vida e lembrança.

Não, Provérbios não entendia do nosso mercado consumidor. Entendia de gente.

Natanael Gabriel da Silva

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