terça-feira, 20 de setembro de 2011

O VOO DA ÁRVORE

“Se tivésseis fé como um grão de mostarda, diríeis a esta amoreira: Desarraiga-te daqui, e planta-te no mar; e ela vos obedeceria.” – Lucas 17.6

Ouvi um dia destes: só se ri entre iguais. A linguagem formal não é necessariamente sinalização de boa educação, mas é sem dúvida de distanciamento. Às pessoas importantes, uma linguagem precisa, fechada, sem expressão facial e de musicalidade previsível. Rir diante de uma autoridade? Nunca! A não ser aquela risadinha política, sem graça em resposta a uma história contada de mal gosto; a tal autoridade te deprecia e você ri sem graça e fica entre o ir embora ou passar vexame. A pessoa não percebeu, mas você ficou um pouco mais longe dela.

Rir juntos, de verdade mesmo, só entre amigos. É aí que entra Jesus e a metáfora cômica da árvore plantada no meio do mar. Imagine os pescadores-apóstolos depois de uma longa pescaria encontrando uma árvore sem chão bem no meio do mar pra amarrar o barco e descansar quando o sol estivesse a pino. Muito engraçado, cômico, porque não é pra entender, é pra rir, achar graça. Antes de estar lá, a amoreira deveria voar sozinha, obediente, e se plantar num lugar onde não faria qualquer sentido. Deus não fez as amoreiras com asas, nem com escamas ou barbatanas. Teria que ser uma amoreira rebelde, que optasse pela solidão à espera do desejo de uma oração. Isso é fé? Claro que não! Os discípulos tinham afirmado com segurança: - Acrescenta-nos a fé. Que fé? Acrescentar é colocar mais, onde já existe pelo menos um pouco. E vocês têm o quê? Não têm nada! Se tivessem um pouquinho, o melhor que chegariam seria plantar amoreiras na água. Como você, e eu, sempre lemos o texto de forma séria e sisuda, não conseguimos rir, e gostaria de ser uma formiguinha pra ver a expressão dos discípulos e a fé que faz voar árvore pro meio do mar, onde não serve pra nada, nem pra fotografia. Curiosidade e fome de sobrenatural, mais nada. Se árvores no meio da água convencem alguém dos próprios pecados, os nossos rios seriam um pomar. Só que não é assim. 

Não era uma repreensão, mas alegria ensinada e dialogada com amigos. Riso como anedota em forma de parábola, lugar da espontaneidade, do desarmamento do espírito e da graça elegante e fina. Riso da infantilidade da fé, e tem muita gente que diz que a tem, mas não sabe o que fazer com ela. Fé para Jesus deveria ser utilizada para o perdão e viver a plenitude do que Deus desejava sem causar estragos, ou, na linguagem do próprio texto, sem escandalizar os pequeninos. Fé que o menor dos menores conseguiria enxergar na vida de quem a possui. Fé pra transportar árvores? Era pra que eles rissem de si mesmos, o riso da vergonha e da infantilidade e tentar imaginar uma árvore batendo asas com os galhos. Rir da falta de sentido e do que o ser humano é, e ficar sem resposta, porque nem desapontado com Jesus seria possível. É engraçado e triste, lamentável e trágico. Fé é algo sagrado, importante demais pra não ter sentido.

Juntar a fé com o riso é desarmar a alma. De qualquer modo, eu jamais seria monge. Sou inimigo do silêncio e da solidão, e quando confundem seriedade e grosseria com honestidade e trabalho, daí não dá nem pra comentar. Mas que só se ri entre amigos, isso é verdade. E tem verdade que, por ser séria demais, só pode ser compreendida por meio do riso e da alegria, isso também é outra verdade. Talvez a salvação seja uma delas: o trágico e indizível de um lado, e a leveza da felicidade de outro; seria esse o caso do “regozijai-vos sempre no Senhor?”

Pr. Natanael Gabriel da Silva

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