(variações de I Coríntios 13)
“Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos e
não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine.”
Só o amor sobrevive, porque só ele é grande o bastante para
ser eterno, como virtude e sonho. O amor supera a linguagem do que poderia ser
o limite do mistério, para além das falas de anjos e profetas, ou da decifração dos símbolos
de profundidade. Sem o amor, palavras, são só palavras. O amor está além da fé, e os montes transportados de um canto a
outro, no domínio do humano sobre o mundo da natureza, tarefa exclusiva do “assim
diz o Senhor”, também não seria milagre suficiente a superá-lo, pois o amor é
mais divino que divino, e mais milagre que dominar a criação. Está além da
profunda generosidade e desapego ao que poderia ser mais importante, como posse
e propriedade, ou da entrega do humano em sacrifício voluntário, horrendo e
dramático, no rumo e desejo da remissão e purificação. O amor suporta o sofrimento,
porque é maior do que ele, e sua ação será sempre um aguaceiro de benignidade, ato
sublime de bondade, paciência e compreensão. Nunca, jamais, é invejoso. Não
porque a inveja seja colocada como uma ao lado do amor, sendo dada como um
paralelo justaposto de sua negatividade e do mesmo tamanho. Nada disso. O amor
não é invejoso não por ser oposto à inveja, ou a quaisquer outras virtudes
adoecidas, mas por ser infinitamente maior. É maior que tudo. O amor dissolve
tudo o que precisa ser dissolvido, e nem por isso se entrega à soberba, porque está acima
por natureza e condição; quando acontece a soberba, mesmo que coalhada de espiritualidade, é porque ainda não
aconteceu o amor. O amor, assim, não pode ser indecente, porque seria outra forma de diminuição.
Nem busca interesses próprios, como se pelo fato de alguém amar se tornasse portador de créditos. Nada de gerar constrangimento, manipular ou produzir submissão por meio de força e poder. O amor não escraviza, ensina o amado a amar. Daí o amor recebe de volta o amor ensinado, pois o interesse do amor é amar e criar um círculo de amor.
Dissolve, novamente, qualquer rompimento e tem uma ingenuidade própria de quem
está no controle de tudo. A tristeza do amor é a injustiça, mas a sua alegria
está na verdade. Suporta toda e qualquer coisa, justamente por ser grande
demais, envolve e abraça o sofrimento para que o sofrimento faça sofrer, seja
diluído e se perca na memória como um presente ausente. O amor é tudo, crê em
tudo, porque está além da fé, espera tudo porque no amor a esperança é um
futuro acontecido. O amor não comete erros, sua jornada é sem sequelas e vai
superando a espiritualidade profunda, as manifestações tidas como espirituais
de todas as formas, até o sobrenatural, aparecido e realizado. Tudo cessa e
desaparece na direção do tempo, coisas que se perdem nos registros para que
nunca se saiba o que de fato teria sido ou não, mas com o amor é diferente,
porque não tem hermenêutica, não pode ser interpretado, compreendido, dimensionado, ou avaliado. Isto porque tudo o que temos, em
qualquer situação, seja por conhecimento, seja pelo que se fala, até mesmo em
profecia e seu marco de ocorrência determinista, tudo é apenas parte. O
conhecimento de e sobre qualquer coisa será sempre, e apenas, um pouco. Até
mesmo a voz profética é parcial, recortada pela cultura e pela vida, na dinâmica
do sempre crescimento, renovação e busca. As coisas crescem, porque são
menores que o amor. É como a vida, a infância e seu mundo, nada é final, sempre
uma construção, sempre uma retomada, reconceituação, modo de se ver o futuro,
expectativas e sonhos que se dissipam no ar e se perdem no crescimento como se
nunca tivessem havido. Saber amar é acabar com as coisas de menino e se dar
conta da limitação e da parcialidade de tudo o que se lê, e tudo é, apesar de
às vezes não parecer, enigmático, oculto e escondido. E quando for desvendado,
perderá o sentido, até mesmo a fé e a esperança. Se agora o que é o mais
importante é a fé, a busca do sobrenatural, a compreensão do que não pode ser
compreendido; e se junto à fé, a esperança apontar para o futuro que já está
presente, como um futuro realizado, um céu acontecido, o caminho ainda mais
excelente não são seria esses, por conta da limitação do tempo e da existência.
O mais excelente é o amor, que está para além da fé e da esperança; é maior que
tudo, envolve tudo, desmancha o que precisa ser desmanchado, cura o que precisa
ser curado, supera os abismos e aproxima o que parecia impossível de ser
reunido. Só o amor faz isso. Fora do amor, a vida é apenas um badalar de sinos:
é como se batesse uma única vez.
Natanael Gabriel da Silva
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