“E eu vos digo a vós: Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e
achareis; batei, e abrir-se-vos-á; porque qualquer que pede recebe; e quem
busca acha; e a quem bate, abrir-se-lhe-á.” Lucas 11.9-10
Basta pedir, buscar e achar, certo? Claro que não! Será
preciso controlar as variáveis, compreender a espiritualidade profunda, e se
permitir fazer parte de um mundo que não nos pertence, como um transportar do
recorte de uma vida à outra.
Eu sei que não é fácil, mas é. Lucas faz uma acorde genial:
reduz a conhecida oração do Pai Nosso e a transforma em uma parábola. Deste
modo migra diretamente da conversa e confissão para a vida. Na oração do Pai
Nosso tem o pedir, o buscar e o bater à porta da casa do Pai, tem também pão, e
ainda o socorro. E quando a oração vira parábola, a poesia se torna coisa e vida e nos leva para dentro do texto.
Múltiplos personagens nos quais o interlocutor se vê como Pai, na forma de
amigo, importunado, descansando, entregue ao desligamento como se já não
estivesse mais ali onde poderia ser encontrado, a levantar-se lentamente,
tentando compreender a razão de alguém procurá-lo em momento tão incomum. Só
que o interlocutor, o ouvinte da parábola, é também quem importuna o amigo, que
precisa de coragem na dúvida de ir, ou não, por incomodar e pedir o que
aparentemente deveria ter de sobra. Poderia ouvir do amigo o apontamento do
descuido, da falta de zelo, como um que tem descaso pelo que possui, que não
está preparado nunca para qualquer situação, e assim voltar com as mãos vazias,
e o amigo que parecia amigo, não era amigo, se irritara por já estar dormindo,
a porta que ficara aberta o dia todo, fora fechada, e os filhos, todos, já na
cama. Acordar a família inteira, sem razão, então tem que ter coragem, mesmo
consciente de que pediria pão, só pão, coisa que com certeza o importunado à
meia-noite teria. Coragem pra atravessar a rua, ir pensando e argumentando
consigo mesmo no ensaio de possíveis perguntas e respostas, mas quando se dá
face a face com o amigo da parábola, ou o Pai na oração, no silêncio da
meia-noite, aí é diferente; quando se está diante, basta pedir o essencial, e
que sai quase balbuciado: preciso de pão.
Voz baixa, sem autoridade ou exigência. Nem tenta trazer à memória do Pai, ou amigo, que
ele prometera isso ou aquilo, porque isso seria uma tentativa de inverter o
constrangimento, como se incomodar fosse virtude.
Pois é, Deus, como o Pai, ou amigo, sendo incomodado é uma
imagem pouco comum, mas necessária. É o limite, à meia-noite, e tem gente
atravessando a rua pra pedir qualquer coisa, de qualquer modo, mas quem é amigo,
amigo mesmo, atravessa a rua como o suspiro da única possibilidade e socorro.
Pedir pão, é pedir pão, não é outra ou qualquer coisa. Pão aqui está no lugar
de pão, nada mais.
Daí, você e eu, interlocutores e em diálogo com o texto, quando
personagens dos que batem à porta, temos vergonha de pedir. É, vergonha de não
ter feito o mínimo necessário, e vamos ter que novamente atravessar a rua, não
deveria ser assim, mas será porque não tem outro caminho, incomodar de novo,
como se não tivesse havido um antes, e perdemos a conta de quantas vezes
atravessamos a rua. Envergonhados batemos, e o paciente Pai, paciente de um
modo que a nossa vergonha não pode compreender, porque se fôssemos ele, não
faríamos o que faz, abre a porta que parecia fechada, escancara a despensa
de graça, onde parece que o que mais tem é pão, e enche a mão da gente pra
atravessar a rua no retorno. A gente sabe que incomodou, não faríamos o que Ele
faz. Só que não é assim, e nunca será. Atravessamos a rua e iremos atravessá-la
outras tantas vezes, e em cada uma a sensação será como se fosse a primeira; só que
o Pai, como um amigo, sempre do mesmo jeito, com a mesma paciência, outra vez,
e outra vez, abrirá a porta que parecia fechada, mas não está, não dirá nada,
mesmo que seja outra vez à meia-noite, na esperança de que um dia a gente aprenda a
cuidar da própria despensa. Só que Ele já sabe que jamais iremos conseguir.
É por conta disso que a parábola não tem fim.
Natanael Gabriel da Silva
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