sábado, 24 de maio de 2014

LOGO PERTO




Entrai pela porta estreita, porque larga é a porta, e espaçoso, o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por ela;  E porque estreita é a porta, e apertado, o caminho que leva à vida, e poucos há que a encontrem.” – Mateus 7.13,14

Segui à risca a orientação: Natanael, vá de Confins pra Belo Horizonte de ônibus, lá pegue um táxi pro hotel. E assim foi a corrida mais curta e mais rápida da minha vida. Ainda bem, porque tive que aguentar um motorista mal humorado, havia ficado duas horas na fila de espera de passageiro, e quando saímos a bandeirada de quatro e pouco, teve um acréscimo de dois e pouco, e o resultado foi seis e pouco. Não tirei a razão dele. É que o logo ali, quando não se conhece as curvas e os buracos, fica muito distante, a ponto de não ser possível ver o fim.

Acho que é por essa razão que a porta para o Reino só é estreita, não tem comprimento, porque não é um corredor. Não é um passar pela porta e depois ficar sofrendo no túnel claustrofóbico que nunca acaba, e tem gente que chama isso de vida. Eu sei que esse sofrimento também foi alimentado pelo cristianismo do investimento, aquele que pensa a existência em longo prazo, como se o Reino estivesse apenas no fim. Só que não é assim. É por conta disso que o Reino é como o tesouro que está logo ali. É perto na distância e no tempo, é um ali, ou aqui, já.  Tão aqui e já que quase não dá pra acreditar que sendo tesouro, e tesouro mesmo, o sujeito só o encontre quando nele tropeça. Tropeçar é colocar o tesouro ao alcance do corpo, e tempo o bastante pra apanhá-lo, porque nem dá para pensar, e nem pode. É uma busca que está no sangue, parece que a gente já conhece, quando vê sabe o que é e quando se dá conta, já pegou pra si. Parece complicado, mas não é, porque perto e logo está também a moeda perdida. Está logo ali, debaixo da sujeira, bem pertinho, e sem dúvida que lá está. Diferente do tesouro encontrado, quase por acaso, a moeda é uma certeza do que fora perdido, do que deveria estar em outro lugar e se desmanchou na posse. Caiu, correu, se enfiou debaixo de alguma sujeira da vida, e vai ser preciso vassoura e tempo esticado de procura, mas é um tempo da certeza do está aqui e sei que vou achar, pode demorar, mas encontro, ora se encontro. Dentro de casa, minúscula casa de uma mulher pobre da antiga palestina, com pouco espaço pra procurar, só que o espaço não é o tamanho do quarto, mas a altura da sujeira, do pó, e de toda porcaria que foi juntada, e logo dentro de casa, como é que pode isso? Pode, porque é assim mesmo, o Reino se acha e se perde na intimidade. 

Só que complicado mesmo foi o filho pródigo, que tinha o Reino perto, o tesouro estava ali, não perdeu moeda, antes achou outras, e foi dar a volta ao e no mundo, como se pra chegar a um ponto, tivesse ido pelo lado contrário até completar a volta. A sujeira dele estava noutro lugar, largou o Reino logo perto, e se mandou, perdeu e teve que voltar, porque sabia onde encontrá-lo. Pro pródigo o Reino não estava no chão, estava em sua história e vida, centrado na compaixão do pai, e o Reino não era uma coisa, mas afetividade, presença pura do pai que valia a vergonha do retorno, e tudo isto é complicado, porque para o pródigo o Reino tinha ficado, mas também tinha ido com ele, e quando o procurou, o encontrou na memória e no pertencimento do que havia sido a vida toda e não tinha sequer percebido. Havia estado dentro do Reino, depois saiu, sem saber o que era, nem o que seria, mas voltou, porque precisava voltar.

Então, quando alguém perguntar pra você quem é o próximo e porque o próximo é chamado de próximo, certamente vai se lembrar de que é porque o Reino está no face a face, e a pessoa que é outro é também você, porque deve amá-lo como a si mesmo, está posto perto e logo. Quem encontra o próximo no caminho, pela parábola, se pensar dá a volta, mas se for a ele, apanhará o Reino com as mãos, o colocará num lugar pra ser cuidado, como se fosse ferido, e não saberá jamais que tudo aconteceu ao contrário, o ferido e o abandonado era você e foi o Reino que o levou pra ser cuidado, lhe deu abrigo e pagou a conta, porque você é o outro, e não sabia disso, e aí irá entender que a vítima da desumanidade e falta de solidariedade é você mesmo, e quem cuida do outro é como se abraçasse e cuidasse do Reino como se tivesse vida. E tem.

Então a porta, é só porta. No curtíssimo passo de travessia está o tesouro, o que fora perdido, e o outro, pessoa e próximo. Não tem corredor, apenas passagem. É um logo perto.

Natanael Gabriel da Silva

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