segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

O MENINO E O PROFETA




“Mas o Senhor me respondeu: Não digas: Sou apenas um menino; porque irás a todos a quem eu te enviar e falarás tudo quanto eu te ordenar.” – Jeremias 1.7

Úrsula, personagem de rica beleza, forte, mulher toda a vida, concebida por Gabriel García Márquez em Cem Anos de Solidão, certa vez procurou dentro si onde estavam os afetos que tinham apodrecido, e não os encontrou mais. Crescer significa aprender a apodrecer afetos.

Um profeta, pra ser profeta, precisa ser sempre menino, e aqui começa a nossa conversa.

Os meninos e as meninas entendem a vida com Deus de um modo bastante próprio. Não entendem de comunidades politicamente constituídas, porque ainda não cresceram e não aprenderam a arte da manipulação. São meninos e meninas, profetas e profetizas, pastores e pastoras, mergulhados/as na ingenuidade e na simplicidade da fé comunitária. Acreditam nas pessoas, pura e simplesmente. Compreendem-se entre amigos, e tudo vira riso. Os curtos desencontros rapidamente são superados pela vontade e necessidade conviver. Meninos e meninas forçam o despertar no outro a incompreensível falta de coragem para alguma ação que lhes prejudique. Falam de Deus como de um amigo, conversam sobre o amor como se degustassem um sorvete num dia de calor, apontam para o futuro com esperança, acreditam na sinceridade de quem deseja mudar o rumo da existência, falam sem planejamento estratégico ou análise de resultados porque sabem que vai dar certo, está tudo tão claro e óbvio que só é necessário ouvir, daí o serem profetas e profetizas, e quando alguém diz alguma coisa, acreditam, porque o natural é a leveza. Todas as meninas e os meninos têm a síndrome do crescimento, o que é uma pena. Eles e elas ainda conhecerão o significado da palavra saudade.

Então, crescem. Jeremias também cresceu. Paulo muito tempo depois observaria isso com reserva. Ele diria que um dia as coisas de meninos e meninas, finalmente, iriam desaparecer, pois não passavam de imagens incompletas como que refletidas em espelhos opacos; imagens parciais, sombrias, quase caricaturadas. Paulo inverteria o darwinismo que ainda não havia: o puro está no futuro. De certo modo, a culpa é de Platão, ou de ninguém. É que o tempo parece contribuir ao contrário e as experiências, certamente, nos tornam rudes, precavidos demais, desconfiados, céticos e recolhidos. Fugimos do sofrimento, ou pelo menos tentamos. Desaparecemos por opção. Aprendemos a agredir e a escola da vida não nos melhora. Ela nos ensina que a vida é uma luta, a vida é injusta, a vida é assim mesmo, lidar com pessoas não é fácil, cuidado com os lobos disfarçados de cordeiros, você viu o que tal pessoa quis dizer com aquilo? (daí segue uma explicação de ideias que não estavam no texto, nem no rosto, e se tornam verdadeiras porque apelam para o cuidado e o ingênuo se dá como um alienado). Veja! O mundo só vai piorar! É o que a Bíblia diz e na eternidade será tudo diferente, e nesse caso, já é o futuro do futuro, um para além do esperado, desejado e sonhado, como se a infância fosse um recomeçar depois do fim, além do tempo. Acho que, não sei, foi isso o que Jesus quis dizer quando declarou que é das crianças o Reino dos Céus. Só elas entram. Entram e permanecem crianças. O que será que tem no céu que só recebe meninos e meninas? Criancice, ora!

Jeremias precisava descobrir que profecia só se faz com meninice. Esta não a limita, pelo contrário, amplia o seu sentido e constitui-se em sua essencial virtude.Um dia Jesus chamou doze. Ao que parece, o mais criança deles, tornou-se o apóstolo do amor. Acho que João nunca cresceu.

Natanael Gabriel da Silva

2 comentários:

  1. Que lindo. Me fez sentir saudades do tempo de meninice, mas acho que ainda sou uma menina de 67 aninhos. Belo texto. Amei.

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