sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

O LADO DE CÁ DA ALEGRIA



“Mas, agora, vou para ti e digo isto no mundo, para que tenham a minha alegria completa em si mesmos” – João 17.13

Alegria tem lado, isso tem. Eu sei que você conhece um pouco da literatura apocalíptica e sonha com a alegria que está do lado de lá. Pois é, discursamos tanto sobre a tragédia da vida que quase nos esquecemos de que a alegria também está do lado de cá.

A linguagem gnóstica de João, no caminho do discurso helênico, numa mistura quase sem possibilidade de ser separada de um judaísmo latente, concebe o longo e emblemático discurso de Jesus, costurado desde a despedida de Judas. O texto é rico em expressões de profundidade, superação de sentido, quando a própria possibilidade interpretativa parece ficar sempre em suspenso. E fica mesmo. Você lê, respira, pensa, indaga, entra na imaginação literária e se dá como aquém da narrativa. Outro dia lê o texto de novo, e mesmo sem entender, o entende. Acontece com você o mesmo que o narrado por Victor Hugo, em Os Miseráveis,  sobre a Irmã Simplice: “Não lia outra coisa senão um livro de orações, em grandes letras e em latim. Ela não entendia o latim, mas compreendia o livro.”

É quase latim, ou grego, mas o “um novo mandamento vos dou: Que vos ameis uns aos outros; como eu vos amei a vos...” faz parte desse discurso. O “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida”, também. Tem ainda o “Na verdade, na verdade vos digo que aquele que crê em mim também fará as obras que eu faço...”, e Jesus falava, principalmente, da obra do amor, que desde o início de sua fala está presente na longa despedida; amor antes e depois de sua partida. Tem ainda o “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou...”, outra vez “O meu mandamento é este: Que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei”. Nesse discurso de excessos, entra também o imaginário da alegria, aquela que fica do lado de cá.

Alegria que, de certo modo, iria substituí-lo. Precisaria ser anunciada no mundo e a partir dele, para que fosse humana e tivesse sentido, não como promessa, mas como presença. A ida e a despedida de Jesus não significavam nem abandono, nem distanciamento. Seria uma partida presente, uma espécie de despedida na qual o trem nunca sairia da estação, um adeus como se fosse um olá, um acabou, mas que estava só começando. O Consolador seria a presença do ausente, mas a alegria dos que ficavam, e que também não pertenciam como estranhos no mundo, se daria como completa por conta da promessa, que também não era só promessa, mas presença e realização. Uma alegria triste, consolada, cheia de perguntas e com muitos medos; alegria da nova aventura e do tempo que se abria e era inaugurado. Alegria completa, porque precisava, e precisa, ser perfeita para o enfrentamento do desconhecido. Não seria como a fé que mantém a convicção do que ainda não aconteceu, ou do amor que estabelece a superação por conta da união. A alegria faz parte disso, mas também é outra coisa. É um ensimesmamento, um para dentro da alma, um descanso diante do desconhecido, um suporte que dá sentido ao que vale a pena, uma incompreensão que acomoda os dramas e cria resistência. Ela não explica tudo, mas causa o sentido da própria vida, não protege ninguém da tortura, mas evita o sofrimento, não impede a morte, mas evita o desespero, não torna ninguém mais corajoso, ou corajosa, mas concebe à alma a virtude de se transformar em fortaleza. É capaz de ver coisas onde ninguém vê, tem a capacidade de gerar paciência e dialoga com a própria alma quando esta carece de conselheiro. Faz companhia para o solitário. Às vezes parece irônica, pois diminui o que se dá como ameaçador, mas só quem não entende de alegria é capaz de pensar assim, isto porque a leveza é uma das suas dimensões essenciais. Outras vezes emudece, porque tem hora que até a alegria se cala. E isso não quer dizer nada, apenas silêncio.

Foi assim que Jesus, naquele dia, transferia a alegria dele, para se tornasse em nossa alegria. Fez isso e foi pra cruz.

Natanael Gabriel da Silva

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