“Mas o Senhor me respondeu: Não digas: Sou apenas um menino;
porque irás a todos a quem eu te enviar e falarás tudo quanto eu te ordenar.” –
Jeremias 1.7
Úrsula, personagem de rica beleza, forte, mulher toda a
vida, concebida por Gabriel García Márquez em Cem Anos de Solidão, certa vez procurou dentro si onde estavam os afetos que tinham apodrecido,
e não os encontrou mais. Crescer significa aprender a apodrecer afetos.
Um profeta, pra ser profeta, precisa ser sempre menino, e
aqui começa a nossa conversa.
Os meninos e as meninas entendem a vida com Deus de um modo
bastante próprio. Não entendem de comunidades politicamente constituídas,
porque ainda não cresceram e não aprenderam a arte da manipulação. São meninos
e meninas, profetas e profetizas, pastores e pastoras, mergulhados/as na
ingenuidade e na simplicidade da fé comunitária. Acreditam nas pessoas, pura e
simplesmente. Compreendem-se entre amigos, e tudo vira riso. Os curtos desencontros
rapidamente são superados pela vontade e necessidade conviver. Meninos e meninas forçam
o despertar no outro a incompreensível falta de coragem para alguma ação que
lhes prejudique. Falam de Deus como de um amigo, conversam sobre o amor como se
degustassem um sorvete num dia de calor, apontam para o futuro com esperança,
acreditam na sinceridade de quem deseja mudar o rumo da existência, falam sem
planejamento estratégico ou análise de resultados porque sabem que vai dar
certo, está tudo tão claro e óbvio que só é necessário ouvir, daí o serem
profetas e profetizas, e quando alguém diz alguma coisa, acreditam, porque o
natural é a leveza. Todas as meninas e os meninos têm a síndrome do crescimento,
o que é uma pena. Eles e elas ainda conhecerão o significado da palavra saudade.
Então, crescem. Jeremias também cresceu. Paulo muito tempo
depois observaria isso com reserva. Ele diria que um dia as coisas de meninos e
meninas, finalmente, iriam desaparecer, pois não passavam de imagens
incompletas como que refletidas em espelhos opacos; imagens parciais, sombrias,
quase caricaturadas. Paulo inverteria o darwinismo que ainda não havia: o puro
está no futuro. De certo modo, a culpa é de Platão, ou de ninguém. É que o
tempo parece contribuir ao contrário e as experiências, certamente, nos tornam
rudes, precavidos demais, desconfiados, céticos e recolhidos. Fugimos do
sofrimento, ou pelo menos tentamos. Desaparecemos por opção. Aprendemos a
agredir e a escola da vida não nos melhora. Ela nos ensina que a vida é uma
luta, a vida é injusta, a vida é assim mesmo, lidar com pessoas não é fácil,
cuidado com os lobos disfarçados de cordeiros, você viu o que tal pessoa quis
dizer com aquilo? (daí segue uma explicação de ideias que não estavam no texto,
nem no rosto, e se tornam verdadeiras porque apelam para o cuidado e o ingênuo se
dá como um alienado). Veja! O mundo só vai piorar! É o que a Bíblia diz e na eternidade
será tudo diferente, e nesse caso, já é o futuro do futuro, um para além do esperado,
desejado e sonhado, como se a infância fosse um recomeçar depois do fim, além do tempo. Acho que, não sei, foi isso o que Jesus quis dizer
quando declarou que é das crianças o Reino dos Céus. Só elas entram. Entram e permanecem crianças. O que será
que tem no céu que só recebe meninos e meninas? Criancice, ora!
Jeremias precisava descobrir que profecia só se faz com
meninice. Esta não a limita, pelo contrário, amplia o seu sentido e
constitui-se em sua essencial virtude.Um dia Jesus chamou doze. Ao que parece,
o mais criança deles, tornou-se o apóstolo do amor. Acho que João nunca cresceu.
Natanael Gabriel da Silva
Que lindo. Me fez sentir saudades do tempo de meninice, mas acho que ainda sou uma menina de 67 aninhos. Belo texto. Amei.
ResponderExcluirBelo texto. Amei.
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