“Mas há pouco tempo o meu povo se levantou como um inimigo;
além da túnica, arrancais a capa dos que passam confiantes, como homens
contrários à guerra.” Miquéias 2.8
A professora Paula Montero, titular do Departamento de
Antropologia da USP, em seu artigo “Religião e esfera pública: a reinvenção do
pluralismo religioso no Brasil” (Ronaldo CAVALCANTE e Rudolf von SINNER (orgs).
Teologia
Pública em Debate 1. São Leopoldo: Sinodal/EST, 2011, pp. 145-156),
afirma que a teologia da prosperidade, preconizada pelo discurso da Igreja
Universal do Reino de Deus, oferece por um lado um discurso igualitário em
busca da igualdade social, e pelo outro,diz textualmente, “desqualifica o ‘pobre’ como sujeito e objeto
da ação política.”
Miquéias não está, necessariamente, pensando na
prosperidade, mas é voz contra a injustiça social e opressão, causadas pelo
exercício indevido do poder. Poder em todas as esferas, diga-se de passagem.
Adiante coloca: “Os seus chefes dão as sentenças por suborno, e os seus
sacerdotes ensinam por interesse, e os seus profetas adivinham por dinheiro; e
ainda se apoiam no Senhor, dizendo: O Senhor está no nosso meio, por isso
nenhum mal nos sobrevirá.” (3.11) Poder político e religioso associados, em
parceria, e como agentes da miséria. O poder político detém o controle pela
força, e o religioso, controla o imaginário, pensamento e vontade. Um impõe a
miséria, o outro ensina a acomodação. Um é estabelecido como o que tem comando
e voz sobre a vida dos súditos, o outro mostra que tudo estava no discurso vago
de que “era da vontade de Deus”.
É possível resultar alguma coisa boa disso? O próprio
profeta responde, logo em seguida: “Portanto, Sião será lavrada como um campo,
e Jerusalém se tornará um montão de ruínas, e o monte desta casa, como uma
elevação coberta de mato.” (3.12) Não vai sobrar nada pra ninguém. E foi o que
aconteceu. O discurso das comunidades da prosperidade colocam a miséria como
pecado, o que é justo, mas dizem que este está presente na pessoa do excluído,
o que não é verdade, e desloca o problema da ética pública e da cidadania, para
o exorcismo, o que é uma calamidade.
Jesus ensinou um caminho, aparentemente simples, para o
exercício da cidadania, e chamou este caminho apenas de amor, no seu sentido
mais lato. Conhecemos o amor como o que aproxima as pessoas, cura sentimentos
da alma e cria laços de pertencimento com o outro. Contudo, o seu sentido
talvez seja mais amplo do que imaginamos. Tem a ver com o próximo, seu direito
à vida, integridade e humanidade. Tem a ver com os inimigos que precisam ser
amados e cria-se assim uma interrupção por meio da não violência, contra o
conflito e em favor da paz. Tem a ver com o exercício do poder, e não basta este
lavar as mãos diante da injustiça, é preciso um pouco mais. Mencionou que no
Reino de Deus, não necessariamente na Igreja, não haveria famintos, e as ruas
de acesso aos palácios e à urbanidade (como a via Ápia) seriam de ouro; por ela
passariam pobres e ricos, poderosos e fragilizados, governantes e governados,
reis e súditos, numa incompreensível condição de igualdade: todos os que um dia,
com coragem, a ponto de nascerem outra vez, enfrentaram a própria miséria da desumanidade,
na compreensão que o sofrimento do outro, também faz sofrer a si mesmo/a, e a morte do outro, a própria morte.
A ética da cidadania é o profundo amor à vida: da minha vida
que está em mim, e da minha vida que está no outro. O amor é a única ponte.
Natanael Gabriel da Silva
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