sábado, 7 de abril de 2012

O MILAGRE E A SOLIDÃO


“E, no fim do sábado, quando já despontava o primeiro dia da semana, Maria Madalena e a outra Maria foram ver o sepulcro.” – Mateus 28.1

Lucas diz a mesma coisa, mas não menciona o sábado, porque não era judeu. E tem gente que vem me dizer que a religião não é influenciada pela cultura! É influenciada pela cultura e pelas emoções. Você não entende, nem eu, a razão de pouco antes Jesus ter sido aclamado, logo rejeitado, julgado e condenado, tudo misturado com política, interesses dos famigerados sacerdotes locais e uma enorme indiferença por parte de uma população que não se conhecia, nem sabia pra onde ia. Não ia a lugar algum, e tudo no julgamento de Jesus foi assim: trágico, ignóbil, grosseiro, desumano e descontrolado. O cordeiro no meio de lobos é uma metáfora própria para criar uma leitura intercultural do evento, os famintos salivando por sobre a presa que não seria suficiente para a matilha. Era pouco, quase nada, não mataria a fome de morte nem seria suficiente para dar a liberdade que pretendiam. Tudo uma verdadeira tragédia e tinha gente que nem sabia o que estava fazendo ali, valia mais a notícia do alvoroço numa cidade dominada e regida pelo tédio.

Só que o alvoroço teve um término. Depois o silêncio. O manto da madorna de um meio-dia caiu logo depois e quando terminou, terminou. Jesus foi para o túmulo, cada um voltou para a própria casa, os sacerdotes para o Templo e os soldados romanos para os seus abrigos. Daí o silêncio. O nada. Nada a contar, narrar ou esperar. A vida entrou em estado de suspensão.

Tempo para o esquecimento. Nele, o morto ficaria mais morto e a calmaria seria instalada movida pelo esquecimento. As emoções assentadas, a correria acabada e terminada. Outra vez, silêncio. Tempo para ser curtido e confirmado, nada de novo aconteceria outra vez, tão logo, em Jerusalém. Sabe daquele momento mudo? É, o mundo precisava emudecer. Se você se lembrar do Gênesis, “... e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas”, vai verificar que foi uma repetição. Como na criação, a vida renascia pelo viés da luz, e nunca mais o mundo seria o mesmo. A vida tinha que se preparar para ser recriada, e tinha que ser pela manhã, no aparecer do sol na madrugada. Tinha também que ser só, muito só, solidão no superlativo. Ou você não acha que a ressurreição poderia ter ocorrido logo depois da morte, quando todos ainda estavam por ali? Não teria sido menos doloroso pra todo mundo? Por quê esperar? Mais convincente, sem dúvida. Um milagre daqueles à vista de todos e hoje você falaria da ressurreição com extrema facilidade. Só que essa é uma interpretação torta. É achar que a ressurreição foi um milagre pra você ou para mim. A gente gosta mesmo de ser o centro do mundo; que coisa feia!  O milagre não foi para nós. A ressurreição foi o tempo do próprio Cristo. Ninguém foi alimentado. Ninguém foi curado. Não tinha multidão ou crianças. Sem parábolas, sem monte ou sermão, mas no interior de uma caverna feito túmulo. Também sem templo. E quem precisa destas coisas para que a vida seja recriada? Foi um milagre sem testemunhas, de si para consigo, sem tentativa de convencer quem quer que fosse. O milagre e a solidão, coisa de Deus mesmo. Jesus simplesmente ressuscitou. Você viu? Não, nem você, nem ninguém. E ficou assim como puro, único e incompreensível ato exclusivo de Deus.

Depois do silêncio, a vida. Parece que a vida gosta de ser gestada a partir do que não pode ser dito. Naquele dia, o mundo amanheceu cristão.

pr. Natanael Gabriel da Silva

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