sábado, 13 de fevereiro de 2016

OS LEGUMES E A FÉ



“Porque um crê que de tudo se pode comer, e outro, que é fraco, come legumes.”  
Romanos 14.2                      

Segue aqui a teoria dos legumes.

Comer legumes é para fracos, no discurso de Paulo, independente do sentido que se queira dar ao texto. A carne, ou no sangue, é onde está a força da vida, ou a própria vida, e o imaginário religioso não deixa por menos. O sacrifício de Caim foi de legumes, portanto, pobre demais. Pra ter sustância, como diria uma conhecida, é preciso o sangue, que está presente nas narrativas dos sacrifícios do judaísmo antigo, nas carnificinas do Antigo Testamento onde todos têm que morrer nas guerras de conquista, estas mais raciais que geográficas, pois um deus não convive com outra carne e sangue. O extermínio, só total.  A vida está no sangue, e cada raça (desculpem a expressão) tem o seu próprio deus. O morticínio confirma a supremacia e poder de quem vence, o mal desaparece com a destruição e se houver misturas de raças, haverá também a contaminação da raça pura, a qual tem filiação direta com o divino. Neste caso, o mal retorna. Então vamos acabar com todos e todas, incluindo as crianças, animais, barracos e principalmente, templos; quero ver onde irá morar um deus sem casa!Carne, corpo, herança genética, e por aí se vai, são sagrados. Os legumes, bem, os legumes são legumes.

E pra Paulo é coisa de e para fracos. Você vai me dizer que Paulo não era nutricionista e eu posso completar e afirmar que Moisés não era astrônomo.  Daí os legumes ensinam que a Bíblia é um livro de religião, ou de fé (se religião for uma expressão ruim). No caso da Bíblia, não se deve jogar o texto fora em razão de Paulo não entender de nutrição, nem o de Moisés pelo fato deste ser apenas leitor do senso comum do misterioso mapa celeste, ou se o Faraó é filho do Deus Sol, há um Deus que fez o próprio Sol e por aí se vai. A pergunta não é pela comprovação da criação, nem pela demonstração de um possível equívoco de Paulo, porque o texto, ou os textos, são direcionados noutro rumo. A teologia (não a dogmática, o que é uma impropriedade porque se fez assim, como sistematização) como religião, pergunta pela vida e seu sentido, e o que está no texto de Paulo é o amor relacional, a boa convivência, a superação das diferenças até mesmo nas formas de se crer; comunhão e interação entre pessoas para que estas possam conviver e desenvolver ajuda mútua em comunidades plurais, de muitos povos, línguas e culturas, vinculadas pelo projeto de agregação cristã, que cedo passou do discurso transcultural para se dar como imposição. Deste modo virou modo de vida de um grupo específico, com credo e normatização constitucional que excluem os demais e retornou pra tribo, com rei, realeza, palácio, feudo, coroa e tudo mais, só que com outros nomes. Não era pra ser assim, mas foi. E a pluralidade do viver num único espaço, apesar das diferenças, desembocou num sonho futuro. Na verdade foi para o céu, pois será preciso extirpar o mal, ou o pecado, quando o limite da pureza dará por fim a superação do preconceito, sem religiões, nem sangue; será o lugar da perfeição, para que tudo se faça como novo, belo e puro. Lá os legumes não ameaçam; nem o ouro, que vira estrada.

Pois é, os legumes de Paulo são necessários, diria até mesmo imprescindíveis. Não ameaçam o texto, nem a fé. Não é preciso forçar a interpretação para tenham outro significado. O texto sobreviveu até hoje sem você, ou eu, e vai ficar depois de nós, até que os tempos dos legumes se completem. Vamos deixar os legumes onde estão. Precisamos ser gratos a eles, e deles necessitamos, pois se não fosse assim, seríamos nutricionistas e não teólogos.

Em tempo: nada contra os nutricionistas.

Natanael Gabriel da Silva

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