“Com efeito: Não
adulterarás, não matarás, não furtarás, não darás falso testemunho, não
cobiçaras; e se há algum outro mandamento, nesta palavra se resume: Amarás ao
teu próximo como a ti mesmo. O amor não faz mal ao próximo. De sorte que o
cumprimento da lei é o amor”
Romanos 13.9-10
O texto acima nos dá basicamente duas
respostas: O direcionamento da ética do amor e a necessidade de uma fonte de ética.
Vamos começar pela segunda. E a resposta,
nada simples, é que somos perdidamente limitados quando o assunto são as
virtudes, e dentre elas, o amor. Isto porque não temos amor suficiente para o
empreendimento da fraternidade e solidariedade. O ser humano sempre contamina,
qualquer coisa que seja, com os próprios interesses, projetos, sonhos,
manipulação pessoal e tudo o mais que compõe sua irremediável humanidade. É
preciso um amor maior que extrapole o sentido e se imponha como força
agregadora, capaz ser perfeito e desafiar à perfeição.
Assim, é por conta disso que Paulo termina
a análise de sua interpretação do decálogo, com o próximo. O texto não é
concluído com o amor a Deus, porque este é o início do início, termina com o
terminado que é o outro. Ou seja, a ética, no pensamento cristão, longe de ser
um retorno para a santidade de Deus, no caminho dos rituais de purificação do
imaginário judaico, é orientada para o outro. Paulo não encerra com o amarás o
Senhor teu Deus de todo coração, entendimento e alma, mas encerra com o outro,
o lugar da efetivação e da ação do amor. Eu sei que alguém irá recuperar o
decálogo de Moisés e dizer que a metade daquele comando é para o Senhor e a
outra para o próximo, que é o outro. Eu até posso entender isso, mas a mudança,
talvez não pequena, é que o outro no judaísmo, tardio ou primitivo, era o
separado, e no discurso de Jesus, o outro sou eu, o outro faz parte de mim.
Paulo aqui o acompanha e diz que toda ética e relação de autenticidade, bem à la Carl Rogers, é centrada no mundo real da habitação humana, nas dimensões
existenciais, onde os embates são vividos, cheio de distorções e contradições,
e a sobrevivência é com o outro, e só é possível sobreviver em comunidade,
embora a tarefa de amar não seja suficiente para suprir tal necessidade.
Não sendo aptos, precisamos e confiamos num
amor maior, que nos manda amar sem entendermos direito o que é o amor. O amor
maior, ou o amor em sua essência, recomenda a superação de si e remete aquele
que ama a navegar na aventura da aplicação e incompreensão do perdão, da
fraternidade e da vivência comunitária, sem dar atenção aos limites que a razão
estabelece. É um convite ao rompimento das fronteiras e o ingresso num mundo
novo, mas na segurança de que o incompreensível é seguramente o lugar, ou
não-lugar, da vivência pura. É como abandonar as limitações pelo caminho, jogar
fora a roupa da existência, que acredita imprescindível e insubstituível, e se
aventurar no espaço onde há o perfeito e o profundo.
É possível que você me diga: não entendi
nada. Não faz mal, trata-se apenas de um convite pra você aplicar a
incompreensível ética, que tem o seu princípio, ou origem, numa fonte, também
incompreensível, de amor. É por esta razão que o texto reafirma, como se
concluísse: o amor não faz mal ao próximo. É só confiar nisso, mesmo sem
entender. Apenas ame e entenda depois, ou não entenda, o que não faz a menor
diferença.
Natanael Gabriel da Silva
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