quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

A ÉTICA PARA O OUTRO

“Com efeito: Não adulterarás, não matarás, não furtarás, não darás falso testemunho, não cobiçaras; e se há algum outro mandamento, nesta palavra se resume: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo. O amor não faz mal ao próximo. De sorte que o cumprimento da lei é o amor”
Romanos 13.9-10

O texto acima nos dá basicamente duas respostas: O direcionamento da ética do amor e a necessidade de uma fonte de ética.

Vamos começar pela segunda. E a resposta, nada simples, é que somos perdidamente limitados quando o assunto são as virtudes, e dentre elas, o amor. Isto porque não temos amor suficiente para o empreendimento da fraternidade e solidariedade. O ser humano sempre contamina, qualquer coisa que seja, com os próprios interesses, projetos, sonhos, manipulação pessoal e tudo o mais que compõe sua irremediável humanidade. É preciso um amor maior que extrapole o sentido e se imponha como força agregadora, capaz ser perfeito e desafiar à perfeição.

Assim, é por conta disso que Paulo termina a análise de sua interpretação do decálogo, com o próximo. O texto não é concluído com o amor a Deus, porque este é o início do início, termina com o terminado que é o outro. Ou seja, a ética, no pensamento cristão, longe de ser um retorno para a santidade de Deus, no caminho dos rituais de purificação do imaginário judaico, é orientada para o outro. Paulo não encerra com o amarás o Senhor teu Deus de todo coração, entendimento e alma, mas encerra com o outro, o lugar da efetivação e da ação do amor. Eu sei que alguém irá recuperar o decálogo de Moisés e dizer que a metade daquele comando é para o Senhor e a outra para o próximo, que é o outro. Eu até posso entender isso, mas a mudança, talvez não pequena, é que o outro no judaísmo, tardio ou primitivo, era o separado, e no discurso de Jesus, o outro sou eu, o outro faz parte de mim. Paulo aqui o acompanha e diz que toda ética e relação de autenticidade, bem à la Carl Rogers, é centrada no mundo real da habitação humana, nas dimensões existenciais, onde os embates são vividos, cheio de distorções e contradições, e a sobrevivência é com o outro, e só é possível sobreviver em comunidade, embora a tarefa de amar não seja suficiente para suprir tal necessidade.

Não sendo aptos, precisamos e confiamos num amor maior, que nos manda amar sem entendermos direito o que é o amor. O amor maior, ou o amor em sua essência, recomenda a superação de si e remete aquele que ama a navegar na aventura da aplicação e incompreensão do perdão, da fraternidade e da vivência comunitária, sem dar atenção aos limites que a razão estabelece. É um convite ao rompimento das fronteiras e o ingresso num mundo novo, mas na segurança de que o incompreensível é seguramente o lugar, ou não-lugar, da vivência pura. É como abandonar as limitações pelo caminho, jogar fora a roupa da existência, que acredita imprescindível e insubstituível, e se aventurar no espaço onde há o perfeito e o profundo.

É possível que você me diga: não entendi nada. Não faz mal, trata-se apenas de um convite pra você aplicar a incompreensível ética, que tem o seu princípio, ou origem, numa fonte, também incompreensível, de amor. É por esta razão que o texto reafirma, como se concluísse: o amor não faz mal ao próximo. É só confiar nisso, mesmo sem entender. Apenas ame e entenda depois, ou não entenda, o que não faz a menor diferença.


Natanael Gabriel da Silva

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