“Mas era justo
alegrarmo-nos e regozijarmo-nos, porque este teu irmão estava morto e reviveu;
tinha-se perdido e foi achado.” – Lucas 15.32
A
narrativa da parábola do Filho Pródigo poderia ser descrita assim: “Numa época, bem remota, houve um filho que
negou o seu estado de filiação, e resolveu partir. Sem motivo resolveu ir
embora. Fascinado com outra vida, com outro mundo, e sonhando uma nova
liberdade. Achou que poderia ter outros caminhos, acordar pela manhã e ver
outras árvores, outras terras, outros campos e outras pessoas, que não fosse o
pai e nem o irmão. De dois era o mais jovem. Sua ânsia em
conhecer o mundo era irresistível. Desprezou o fato de ser filho, e não se
importou muito com isso. Resolvera ir e foi. Foi para um lugar viver sem o pai,
viver sem Deus e sem sentido, num lugar qualquer chamado de, simplesmente,
“lá”. Porque longe do Pai, qualquer lugar vira “lá”. E “lá”, mesmo que seja
perto, será sempre longe, porque não é a distância que conta, mas o rompimento.
Viver e esquecer-se do Pai, rejeição que dói, mas é assim mesmo. No “lugar lá”
passou fome, coisa nova e que não sabia o que era. Foi cuidar de porcos, o que
para um judeu era o fim do mundo. Depois o fim ficou esticado, e o que parecia
ruim, virou aberração. Devido à fome, desejou comer o que conhecemos como
lavagem, resto nojento das sobras quando se lavam os utensílios e talheres.
Coisa que vai se juntando, azedando e fica meio curtido. Desejou comer o que os
porcos comiam. Virou nada e quando se deu conta, se propôs a voltar para casa. É,
precisava do desejo, sentir a falta da vida, saber que esta não precisava ser
daquele modo. Nem precisava voltar como filho. Só o voltar já seria suficiente,
porque quando se está com Pai o estar já se completa. Não merecia voltar, mas voltou.
Não voltou porque tivesse direitos. Voltou exatamente porque nada tinha e era
ninguém. Um dia saíra, por livre vontade, foi perdendo, perdendo, até que jogou
fora a própria dignidade. Quando virou farrapo de gente e não poderia exigir
nada, voltou. Quando partira, na verdade não era filho, mas hóspede, e não
existe serviço perfeito para esse tipo de hospedagem. Naquela tarde escura, um
filho que já não era mais filho, volta para um pai, que já não era o seu pai, a
viver numa casa, que já não era a sua, a um “irmão” que não o queria. O irmão
precisa aprender e ele que havia partido também: “Assim é Deus”. Onde havia
morte, desesperança ou falta de sentido, estado de perdição e abandono, ainda
restava o Pai que só sabia amar, dividir e abraçar.”
“Deus é assim”, dizia Lucas: é o amor que
espera todas as tardes no caminho; é a alegria que recebe quem não deveria ter
partido; ama quem não merece ser amado; perdoa aquele que não merece ser
perdoado. Absurdamente ama, impossivelmente ama, inexplicavelmente ama, ama sem
justificativa, incompreensivelmente ama, inusitadamente ama, de graça ama,
injustamente ama; ama o impuro, ama o desprezível, ama o insensato, ama o
imerecido, ama quem está perto e não o vê, ou quem deseja viver longe num canto
qualquer chamado de “lá”. Além do limite da prudência e da história: ama. Ama e
espera quem ama a que, um dia, este retorne para casa. Quer devolver e entregar
duas vezes, uma na partida e outra na chegada. Na partida dá o que, talvez,
seria de direito. Quando o que era de direito se acaba, daí o filho está pronto
pra entender o que significa ser filho. Se perguntar que amor é este, ninguém consegue
responder. Chega perto quando se diz “amor de Pai”, mas é apenas um perto longe, um quase distante, um próximo que está a caminho.
Dizia
Lucas: Assim é Deus.
pr. Natanael Gabriel da Silva
pr. Natanael Gabriel da Silva
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