terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

O PRIMEIRO DIA DA ESPERANÇA




“E a esperança não traz confusão, porquanto o amor de Deus está derramado em nosso coração pelo Espírito Santo que nos foi dado.” – Romanos 5.5

Nietzsche em Ecce Homo disse que estava sepultando o seu quadragésimo quarto ano. Independente do que quis dizer com isso, um aniversário pode ser o primeiro dia depois do sepultamento, ou o primeiro que abre a esperança.

De passado e futuro, e também do indefinível presente, o texto bíblico recomenda as duas situações: esquecimento e caminhada. A ideia de um futuro é tão presente na religião cristã que Moltmann desenvolveu toda uma teologia com base na esperança. Tudo o que temos no texto, e aí é incluído o Antigo Testamento, pode ser resumido nesta palavra: esperança. Ela é tão forte que Paulo a coloca ao lado do amor e da fé. Amor é reunião, a fé pode ser compreendida como um deixar-se conduzir e a esperança é a caminhada. Trata-se do deslocamento, próprio do Israel antigo que aguardava a terra que parecia nunca vir. Às vezes, as cebolas do Egito, que conheciam, eram melhores que o enigmático futuro. É justamente a esperança que purifica o futuro de ameaças. O futuro continuará desconhecido e a esperança desliza sobre ele. Claro que isso é uma contradição, porque você espera o que, teoricamente, já aconteceu. Na sua cabeça é fato consumado, só que ainda está por acontecer. Sabe, com convicção, o que será, só que ainda não foi. Pra Paulo, o que resolve a crise é a paciência. Basta esperar o que Deus irá fazer, como se tivesse feito, um agradecer o recebido que ainda não foi. Jesus fez isso no túmulo de Lázaro e agradeceu a resposta da oração que ainda não tinha acontecido, mas já tinha. Esse é o papel da esperança, faz uma inversão do tempo, destrói a separação entre o sujeito e o evento e faz o presente e o futuro se encontrarem por meio de um milagre. Só que o milagre, esperado e sabido, quando acontece não perde o brilho, continua belo, mas não por ele mesmo, e sim por aquele iria fazer e fez. É como se acontecesse duas vezes: uma na esperança e outra no evento.

Só que isso nem sempre é simples. Num dado momento olha-se o futuro e aguarda-se o céu, noutro Paulo recomenda esquecer o passado. Numa situação o passado precisa ser recuperado, pois é necessário que o ser humano se lembre que noutro tempo era guiado por um princípio que não tinha futuro, isto é, sem esperança. Ora, não é possível caminhar na vida sem esperança. Também não é uma questão de traçar um objetivo para que deva ser alcançado, porque a esperança, esperança mesmo, na forma como o texto bíblico a apresenta, não está no controle do ser humano. Nada do jargão “faça o futuro acontecer”, porque este é uma declaração da suficiência do esforço pessoal. Também não é “não há nada para ser feito porque o futuro, de qualquer modo, nos alcançará” e ficar passivo a espera do trem, feito o Pedro pedreiro de Chico Buarque, esperando o trem que o levaria direto para o passado, ou ainda ficar na janela pra ver a banda passar e seu circo que domina a vida e o espaço público, toda fardada e barulhenta, que depois que passa, passou. Não é nem uma coisa nem outra: é tanto um caminhar sem trégua, como um saber que a realização será um ato sobrenatural de Deus.  A esperança conta com o sobrenatural e acredita que, com dizia o poeta, quem manda no futuro, me segura pela mão.

Então, se algum dia, alguém lhe perguntar sobre a esperança, diga apenas que é uma caminhada, um deslocamento. Diga também que ela começou hoje, seu primeiro dia, como se fosse a criação depois do caos: E disse Deus, haja luz, e houve luz, (...) houve tarde e manhã, o primeiro dia.

pr. Natanael Gabriel da Silva

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